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Delito de Opinião

Transforma-te num comentador da questão síria em cinco simples passos

Rui Rocha, 07.04.17

Com o ataque dos Estados Unidos à Síria, corres o risco de ser convidado para partipar numa discussão televisiva ou radiofónica sobre o tema. Não percebes pevide do assunto? Nada temas. Tens aqui tudo o que é necessário para saires do debate em ombros.

Intervenção inicial: transmite com clareza a tua visão abrangente sobre o problema e as suas diversas implicações. Frase a utilizar: "é demasiado simplista colocar as coisas em termos de Ocidente contra Rússia. O mundo de hoje é multipolar e global. A Síria é um tabuleiro político para onde confluem questões geoestratégicas com ramificações que vão muito além da influência regional". Olha em redor para todos os outros participantes com ar confiante. Marcaste pontos. Alisa a franja do cabelo como se fosses o Nuno Rogeiro e não contraries a tentativa de intervenção que certamente um outro tertuliano tentará fazer. Já ninguém conseguirá ultrapassar uma análise global tão abrangente como a tua a não ser que invoque uma invasão iminente de marcianos.

Intervenção subsequente: demonstra inequivocamente o teu conhecimento sobre a linha estratégica trilhada pela Rússia como elemento chave no contexto internacional. Frase a utilizar: "a Síria tem uma importância fundamental para Putin (aqui pronuncia como o Zé Milhazes) sobretudo tendo em conta os desenvolvimentos recentes na Península Turca e a ambição política e militar do regime de Ankara". Mais um tiro certeiro da tua parte. Acabaste de antecipar-te ao tertuliano que tinha prontinha uma intervenção sobre Erdogan. A Turquia é uma referência fundamental nestas discussões. Tu foste o primeiro a trazê-la para a mesa.

3ª Intervenção: é o momento de revelares ao mundo não só o teu domínio da geopolítica mas também do processo histórico de evolução das ideias. Frase a utilizar: "no fundo, tudo isto representa a derrota do pensamento central de Fukuyama (faz descair ligeiramente e com condescendência o teu lábio superior, tal e qual como faz o Miguel Sousa Tavares). A História não acabou... a História não acabou, a verdade é essa. Estamos, não sei se concordarão, perante o regresso da geopolítica". Concordarão, claro. Com a mesma vontade com que as galinhas concordam sobre a importância do milho. Se não fosse a geopolítica não estavam todos ali, não é?

4ª intervenção: o pensamento humano tem enorme apetência por analogias. Conquista terreno abusando de comparações. Aqui não faz sentido amarrar-te a uma frase pré-definida. Dá largas à tua imaginação. Refere os balcãs, o império austro-húngaro, o Cisma do Ocidente, Hitler, o Czar Branco (não existiu, mas tal como tu, os outros não sabem), Estaline, Richelieu, Pedro o Grande, Zé do Telhado, Tira-Dentes, Átila o Huno, enfim, vai por aí fora. O céu é o limite.

5ª intervenção: está na altura de preparar o KO dos restantes tertulianos. Chegou a hora da filologia. Frase a utilizar: "é preciso termos presente que o território da Síria actual foi sucessivamente colonizado por canaanitas, fenícios, arameus, hebreus, egípcios, sumérios, assírios, babilónios, hititas, persas, gregos e bizantinos. Mas é preciso ter em conta que esta Síria não é a Síria a que Heródoto, por exemplo, se referia. Essa Síria do Heródoto coincidia com o território da Capadócia e por aqui se vê como a própria situação turca está sempre presente nestas questões". Olha fixamente para os restantes participantes na discussão. Goza o momento. Fodeste-os.

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