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Delito de Opinião

A forma à frente do fundo

Pedro Correia, 12.01.12

 

Alguns políticos mostram-se mais fiéis à forma do que ao fundo, mais preocupados com o nome da coisa do que com a coisa em si. Um desses políticos, ainda há poucos anos levado em ombros por uma certa opinião bem pensante portuguesa, sempre deslumbrada com o que descobre além-fronteiras, era José Luis Rodríguez Zapatero. O chefe do Governo espanhol que se ufanava de ultrapassar todos os antecessores em credenciais de esquerda, era o campeão do progresso. Nas palavras.

"Não existem desempregados, existem pessoas que estão no desemprego", afirmou Zapatero em Fevereiro de 2008. Valeu-lhe de pouco a aula de correcção política que ministrou aos compatriotas. Ao abandonar o poder, há poucos dias, deixou ao sucessor -- o conservador Mariano Rajoy, vencedor incontestado das legislativas de 20 de Novembro -- um legado nada invejável: cinco milhões de desempregados (perdão, de pessoas sem emprego), o que corresponde a 21,5% da população activa e é a maior cifra do género desde que há registos oficiais em Espanha. Há hoje cerca de milhão e meio de lares espanhóis em que marido e mulher estão simultaneamente desempregados. E 48% dos menores de 30 anos não consegue encontrar trabalho por lá nos dias que vão correndo.

Para o socialista que durante sete anos e meio ocupou o Palácio da Moncloa, entre Março de 2004 e Dezembro de 2011, o optimismo antropológico era quase uma raison d' État. Ele mesmo proclamara, noutra tirada cheia de floreado "progressista", em Julho de 2008: "Ser optimista é mais do que um acto de racionalidade -- é uma exigência moral, um rasgo de decência e até de elegância." Esta obrigação de se intitular optimista, para continuar a garantir os aplausos da corte do progresso, levou-o a jurar em Fevereiro de 2010: "Comigo como presidente [do Governo espanhol] jamais haverá cortes sociais neste país."

O "jamais" de Zapatero era um vocábulo de geometria variável: três meses depois desta última proclamação, anunciou a primeira redução salarial dos funcionários públicos e o primeiro congelamento de pensões alguma vez registado em Espanha.

A forma à frente do fundo.

A derrota mais amarga do PSOE

Pedro Correia, 20.11.11

 

Sete anos de governação socialista mereceram hoje um duro, amargo e justo castigo do eleitorado espanhol. Nem o facto de Rodríguez Zapatero ter dado lugar a Pérez Rubalcaba (na foto) como cabeça de lista travou a queda do Partido Socialista Operário Espanhol, com menos quatro milhões e meio de votos do que os obtidos nas legislativas de 2008. Com apenas 28,6% dos sufrágios, o partido que governou Espanha durante 21 anos (entre 1982 e 1996, e de 2004 até agora) perde 59 lugares na Câmara dos Deputados e quase metade dos assentos no Senado. Pior que isso: perde pela primeira vez em todas as comunidades autónomas, restando-lhe como consolação o triunfo em duas das 52 circunscrições eleitorais -- Barcelona e Sevilha.

O claro vencedor da noite é o Partido Popular, liderado por Mariano Rajoy. Que consegue o mais dilatado e expressivo triunfo da direita espanhola desde que foi restaurada a democracia: com  44,5% dos votos e 186 deputados (mais 32 do que os eleitos em 2004), o PP conquista a maioria necessária para governar sem necessidade de acordos parlamentares -- algo que Zapatero nunca conseguiu e o ex-líder conservador José María Aznar alcançou apenas na legislatura 2000-2004, embora com menos deputados. Os populares são hoje a única força política com grande expressão eleitoral na generalidade do território espanhol, tendo alcançado pela primeira vez a vitória na Andaluzia (comunidade que irá a votos em Março de 2012).

 

Outras breves notas desta noite eleitoral:

- Na Catalunha, os nacionalistas moderados da CiU obtêm o primeiro triunfo de sempre numas legislativas, ultrapassando largamente um PSOE em queda livre que ali perde 11 deputados.

- Em Madrid, o PP reforça um dos seus bastiões, situando-se 22 pontos percentuais acima dos socialistas.

- Os comunistas e seus compagnons de route, agrupados em torno da sigla Esquerda Unida, recuperam o grupo parlamentar nas Cortes, passando de dois para 11 deputados -- o seu melhor resultado desde 1996.

- A União Progresso e Democracia, força política do centro, também progride eleitoralmente, subindo de um para cinco deputados com mais de um milhão de votos.

- As forças pró-etarras, que se apresentaram nas urnas com a designação Amaiur, venceram no País Basco, conseguindo sete deputados que prometem batalhar pela independência no Parlamento de Madrid.

 

Rajoy pode agora formar um Governo forte e com um mandato muito claro: tirar Espanha da grave crise económica e social em que o país mergulhou. Como assinala Ignacio Camacho no ABC, "desde o esmagador triunfo gonzalista de 1982 não existe memória de uma convicção tão rotunda de mudança". É disso mesmo que Espanha necessita com urgência: de mudança.

 

Adenda: Javier Pradera, um dos mais prestigiados jornalistas espanhóis, morreu subitamente, há poucas horas. Vale a pena ler o seu último artigo: Al borde del abismo, publicado na edição de hoje do El País.

Crónica de um descalabro anunciado

Pedro Correia, 20.11.11

 

26 de Fevereiro de 2009: «Péssimas notícias de Espanha: em apenas um ano, o Governo de Rodríguez Zapatero viu, impotente, o desemprego subir de 8,7% para 14,4%. O país produz um número quase dramático de desempregados, ao ritmo de sete mil por dia: os espanhóis lideram mesmo as taxas de desemprego juvenil (29,5%), feminino (15,3%) e masculino (12,1%) da União Europeia.»

 

25 de Abril de 2009: «O Governo socialista, eleito em 2008 sob o mote Por el pleno empleo, vai certamente ficar para a História: o número de desempregados em Espanha acaba de ultrapassar a cifra dos quatro milhões, correspondentes a 17,3% da população activa. Zapatero (des)governa um país que regista hoje seis desempregados por minuto. E um milhão de famílias sem qualquer tipo de rendimento fixo.»

 

2 de Dezembro de 2010: «No palco contemporâneo da política europeia, não me lembro de nenhum outro governante que tivesse sido tão ambicioso no capítulo das promessas e se revelasse afinal tão escandalosamente incapaz de as concretizar. Só mesmo Sócrates seria capaz de dizer com ar sério que Espanha "tem um dos melhores primeiros-ministros do mundo". Diz-me que modelos escolhes, dir-te-ei quem és.»

 

23 de Maio de 2011: «A derrota histórica do PSOE, de Rodríguez Zapatero, nas eleições autonómicas e municipais de ontem confirmou que não é possível iludir durante demasiado tempo o eleitorado. Este monumental castigo nas urnas que antecipa o fracasso dos socialistas nas próximas legislativas é um merecido castigo para a incompetência governativa do homem do eterno sorriso, que prometeu uma Espanha mais justa e afinal - sorrindo sempre - deixa uma Espanha mais pobre, mais ineficiente, com maiores assimetrias, com menos prestígio internacional.»

 

8 de Novembro de 2011: «Não por acaso, Rubalcaba nem sequer mencionou o nome de Zapatero durante este debate: é como se o PSOE, com ele nominalmente ainda ao leme, se apressasse já a apagar envergonhadamente o seu legado. Quem diria que ainda há poucos anos o chefe do Governo cessante era o maior herói político da incauta esquerda europeia?»

As eleições em que a Espanha ganhou ainda antes de votar

Rui Rocha, 20.11.11

 

Realizam-se hoje eleições legislativas em Espanha. A escolha daqueles que irão assumir o destino das nações em nome do povo, através do voto, é sempre um momento de celebração nas democracias representativas, ainda que o contexto interno e internacional apresentem mais motivos de preocupação do que razões para sorrir. Mas, estas eleições apresentam ainda dois motivos adicionais que justificam o regozijo dos democratas. Antes de mais, e fundamentalmente, importa registar que são as primeiras que se realizam depois da queda da ditadura franquista que decorrem sem a sombra do terrorismo da ETA. Por uma vez, o medo e o sangue não mancharam o exercício do debate democrático nem condicionaram a escolha livre dos cidadãos. Por outro lado, as eleições de hoje marcam também o ocaso de uma certa visão, dita socialista, de gestão do espaço público. O socialismo de Zapatero reclamou para si uma visão progressista da sociedade, estruturada a partir de 3 ideias fundamentais: a permanência de alguns dogmas do imaginário de esquerda tomados exclusivamente pelo seu valor facial, um discurso efusivo, sentimental e exacerbadamente optimista e uma fundamentação ética que nunca encontrou raiz mais profunda do que a que resulta da dimensão inatacável das boas intenções. Em rigor, e por isso mesmo, trata-se de uma proposta política que, como defende Santiago Gonzalez em Lagrimas Socialdemocratas, não esconde a pobreza da sua sustentação intelectual e em que a argumentação e a crítica foram sempre abafadas pelo foguetório. Descascado da capa espessa do marketing político, o socialismo de Zapatero revelou-se nas suas componentes estruturais: o betão a qualquer preço, as teias de interesses e o conluio entre clientelas e interesses públicos e privados, o crédito e o endividamento desbragados e o sucesso tão rápido quanto insustentável. Tudo aquilo que os espanhóis resumem com uma palavra: despilfarro. O seu legado mais grave é, todavia, um golpe profundo na viabilidade da coesão e do estado social. Esse mesmo que, vezes sem conta e com assinalável falta de pudor ou, quando menos, com total imprevidência, invocou reiteradamente e em vão. Que o digam os mais de 5 milhões de desempregados espanhóis. Uma herança brutal que Zapatero, eleito pela primeira vez em 14 de Março de 2004, deixa como marca mais visível dos seus mandatos.

O pesadelo espanhol

Pedro Correia, 19.11.11

 

José Luis Rodríguez Zapatero prometeu edificar uma Espanha diferente, mais próspera e mais dinâmica, quando concorreu às legislativas de 14 de Março de 2004. A Espanha era a oitava economia mundial e servia de modelo a muitos países. O jovem líder socialista, então com apenas 43 anos, rompeu o pacto de Estado com a oposição conservadora sobre os grandes alicerces do regime que fora construído na transição de 1977/78. Desenterrou os demónios da guerra civil. Privilegiou o diálogo político com os nacionalistas da Catalunha e do País Basco. Fez disparar a dívida do país. Geriu a economia com rara incompetência, deixando descontrolar as contas públicas e triplicar a taxa de desemprego, que hoje se situa em 21,5%.

O balanço do seu mandato é profundamente negativo: no consulado de Zapatero registou-se a maior destruição de emprego de toda a história de Espanha. Só na última legislatura perderam-se 2,4 milhões de postos de trabalho. No terceiro trimestre de 2011, o crescimento foi nulo e prevê-se que o ano termine com crescimento negativo. A recessão espreita e o auxílio financeiro de emergência tornou-se praticamente inevitável. O chefe do Governo cessante acordou tarde e a más horas para a crise, que procurou negar até ao limite: agora, em busca do tempo perdido, já reclama "auxílio imediato" às instituições europeias. Vão longe os tempos em que garantia haver uma "saída social" para a situação de pré-colapso económico. Com um optimismo antropológico que se foi tornando cada vez mais patético.

Zapatero é hoje, provavelmente, o político mais impopular de Espanha. Consciente desse facto, recusou recandidatar-se: para o seu lugar avançou o vice-primeiro-ministro Alfredo Pérez Rubalcaba, antigo lugar-tenente de Felipe González, ainda hoje idolatrado entre as bases socialistas como patriarca do Partido  Socialista Operário Espanhol. González tem comparecido mais nos comícios desta campanha do que o desacreditado Zapatero. Mas nem isso impede que Rubalcaba tenha uma missão impossível: o país baixou três lugares na lista dos mais desenvolvidos do planeta, mergulhando no pior momento desde a queda do franquismo, em 1975. Com sucessivos aumentos de impostos, cortes salariais na administração pública, congelamento de pensões, um défice público de 6% e o maior número de desempregados de que há registo. "Um drama de cinco milhões sem emprego", titulava há dias o insuspeito El País, com notável precisão.

"Sem o menor respeito pela verdade e pela lealdade, você mentiu e atraiçoou-nos a todos." A frase não é do líder do Partido Popular, Mariano Rajoy, que vencerá as legislativas de amanhã. É de um homem de esquerda: o escritor Arturo Pérez-Reverte, numa demolidora carta aberta dirigida ao ainda chefe do Governo. Um documento que vale por mil editoriais. E que justifica, melhor do que qualquer análise política, a viragem que dentro de poucas horas ocorrerá em Espanha.

Publicado também aqui

O irreversível eclipse de Zapatero

Pedro Correia, 08.11.11

 

Um Mariano Rajoy a meio gás, sem necessidade de carregar demasiado no acelerador, derrotou esta noite Alfredo Pérez Rubalcaba, o cabeça de lista do PSOE às próximas legislativas espanholas, no único debate televisivo da campanha. O candidato socialista, que se encontra muito atrás do líder conservador em todas as sondagens, tinha uma missão praticamente impossível: precisava de virar a maré a seu favor neste frente-a-frente acompanhado por milhões de eleitores espanhóis. Não o conseguiu, longe disso. E chegou até a falar como se Rajoy fosse inevitavelmente o "presidente" -- ou seja, primeiro-ministro -- a partir do dia 20.

Esta confissão antecipada de derrota, que pressagia um novo recuo socialista no mapa da governação no Velho Continente, acaba por não surpreender ninguém: Rubalcaba, vice-chefe do Governo espanhol, é hoje o rosto mais visível de um projecto fracassado. Há sete anos, quando Rodríguez Zapatero subiu ao poder, Espanha era a oitava economia mundial e crescia a um ritmo três vezes superior ao da média dos países da zona euro. Hoje destaca-se pela negativa, como recordista do desemprego na Europa: cinco milhões de pessoas estão sem trabalho, o que corresponde a 22,5% da população activa, e 48% dos jovens encontram-se fora do mercado laboral (cinco vezes mais do que sucede na Alemanha). Desde que Zapatero assumiu funções, em 2004, o país caiu cinco pontos na lista dos países desenvolvidos e já esteve sob ameaça de intervenção financeira externa.

Não por acaso, Rubalcaba nem sequer mencionou o nome de Zapatero durante este debate: é como se o PSOE, com ele nominalmente ainda ao leme, se apressasse já a apagar envergonhadamente o seu legado. Quem diria que ainda há poucos anos o chefe do Governo cessante era o maior herói político da incauta esquerda europeia?

Devemos confiar nos eleitores

Pedro Correia, 23.05.11

 

A derrota histórica do PSOE, de Rodríguez Zapatero, nas eleições autonómicas e municipais de ontem confirmou que não é possível iludir durante demasiado tempo o eleitorado. Este monumental castigo nas urnas que antecipa o fracasso dos socialistas nas próximas legislativas é um merecido castigo para a incompetência governativa do homem do eterno sorriso, que prometeu uma Espanha mais justa e afinal - sorrindo sempre - deixa uma Espanha mais pobre, mais ineficiente, com maiores assimetrias, com menos prestígio internacional. Uma Espanha à beira da penúria, com cinco milhões de desempregados (marca acima do dobro da média europeia, marca nunca vista num país que se orgulhava de figurar entre as dez potências industriais do planeta) e onde 45% dos jovens não conseguem encontrar trabalho.

Zapatero, com o seu afã "modernizador", viveu obcecado com medidas de "engenharia social" enquanto deixava a economia naufragar, surdo a todos os avisos. Como se vogasse numa realidade paralela, à semelhança de certas personagens dos filmes de Pedro Almodóvar. Teve o que mereceu na jornada eleitoral de ontem. Os socialistas foram derrotados nas 13 comunidades onde se votou (resta-lhes, ao nível de governos autonómicos, a Andaluzia, um feudo de sempre que ainda só aguentaram por ontem não ter ido a jogo) e nas 20 maiores cidades de Espanha. Perderam bastiões históricos como Barcelona (para os nacionalistas catalães), Sevilha, Cáceres e Las Palmas (para o Partido Popular). E a Corunha (também para o PP) e San Sebastián (para os independentistas bascos). Sofreram a maior derrota de que há memória em Madrid (25% atrás do PP). Perderam em Valência, Múrcia, Mérida, Saragoça, Valladolid, Vitória, Logroño, Santander, Oviedo, Vigo, Santiago de Compostela, Pontevedra, Málaga, Granada, Burgos, Bilbau, Pamplona e Palma de Maiorca. Deixaram fugir autonomias onde governavam há décadas, como Castela-La Mancha, Aragão, Astúrias e Baleares. E poderão aguentar-se apenas na Extremadura, onde ficaram em segundo, graças ao apoio dos comunistas, por um punhado de votos.

Como lhe chamou o El País, foi um "tsunami" eleitoral, que funcionou fundamentalmente como um plebiscito ao ainda chefe do Governo. Os espanhóis - de todas as Espanhas - mostraram bem o que pensam: Zapatero é parte do problema, não da solução. E de nada lhe valeu a mais recente expressão de oportunismo político, tentando colar-se à manifestação dos jovens "indignados" de Madrid, dizendo que se tivesse 25 anos se juntaria a eles. Raras vezes me lembro de uma declaração tão demagógica da boca de um político. Como se os jovens que hoje se rebelam contra a classe política espanhola não estivessem assim, em grande parte, devido à incompetência do Executivo Zapatero.

Nesta hora de mudança, o exemplo espanhol merece registo. Devemos confiar sempre no veredicto dos eleitores.

De bactéria a vírus

João Carvalho, 08.04.11

Portugal nunca conseguiu saltar à espinha da Espanha para retribuir o desgosto histórico filipino-traumático dos séculos XVI/XVII. Bactéria ibérica, o nosso país enverga hoje o traje de vírus e tenta a todo o custo contaminar o gigante vizinho. Zapatero pode agradecer ao seu amigo Sócrates pela reconhecida perícia deste na arte de atacar tudo quanto esteja em baixo de forma.

Eu sei, eu sei: ainda que lhes falte coragem para contrariar em voz alta, há sempre meia dúzia de pessoas dispostas a defender o primeiro-ministro demissionário e a achar que exagero. Não faz mal. Para desfazer qualquer dúvida, é só perguntar a Sócrates se deseja mal a Zapatero. Pela resposta se saberá a verdade, que será sempre o contrário do que ele responder.

Zapatates e Socratero (ou talvez não)

Rui Rocha, 02.04.11

O Presidente do Governo espanhol, Rodriguez Zapatero, anunciou hoje que não será o candidato do PSOE nas eleições legislativas que terão lugar em 2012. Nos últimos meses, várias vezes foram salientadas as semelhanças de percurso entre Sócrates e Zapatero. Os líderes dos dois partidos socialistas ibéricos mantiveram, de facto, uma relação difícil com a realidade, negando a evidência do descalabro da gestão governativa. Ambos protagonizaram uma visão despesista do Estado, mais orientada para a satisfação de clientelas do que para os reais interesses da população. Um como outro proclamaram-se, de forma cínica e com evidente falta de pudor, como defensores do Estado Social. Isto, enquanto os seus governos iam minando, na prática, a viabilidade do próprio modelo. Se o percurso foi semelhante, importa neste momento reconhecer algumas diferenças plenas de significado. Desde logo, Zapatero, apesar de renitente, foi muito menos teimoso e imprevidente do que Sócrates na abordagem à crise. Há precisamente um ano atrás, a Espanha tomou e executou decisões de corte da despesa classificadas, à época, como muito violentas. Sócrates assobiou para o ar, convencido de que o tempo remediaria o desconcerto. Perdeu tempo e comprometeu definitivamente a confiança dos mercados. Neste momento, Portugal afunda-se e a Espanha começa a ver luz ao fundo do túnel. A outra diferença fundamental relaciona-se precisamente com a forma escolhida para abandonar o poder. Zapatero renuncia. Sócrates permanece incrustado na sua irredutibilidade. Zapatero convenceu-se de que a quebra de confiança do eleitorado espanhol o impede de protagonizar uma solução para problema. Desta forma, permite ao PSOE e à sociedade espanhola trilhar o caminho da renovação política. Quanto a Sócrates, tornou-se ele próprio num problema sem solução. Indiferente ao facto de ser o principal factor de bloqueio da situação política, mantém o PS refém da sua liderança e insiste numa visão unipessoal de irresponsabilidade ilimitada da democracia portuguesa. 

O melhor amigo de José Sócrates

Pedro Correia, 02.12.10

 

Na ressaca imediata do escrutínio autonómico na Catalunha, onde o seu partido sofreu a maior derrota eleitoral de sempre, José Luis Rodríguez Zapatero - o "melhor amigo europeu" de José Sócrates - apressou-se a fazer aquilo em que é exímio: desdizer tudo quanto prometera. Isto numa altura em que todas as sondagens o apontam como virtual derrotado nas próximas legislativas em Espanha, a pressão dos mercados financeiros sobre Madrid é cada vez maior e nas hostes socialistas se fala já abertamente em cenários para a sucessão do líder, que concentrou todas as energias governativas em medidas de engenharia social e no fracassado diálogo com os separatistas bascos enquanto via o país mergulhar em níveis brutais de desemprego. O défice das contas públicas espanholas cifra-se agora em 9,3% e o desemprego atinge já 20% da população activa - o mais elevado da zona euro.

O balanço da governação socialista é desastroso. Zapatero, em busca do tempo perdido, procura ansiosamente retocar a sua embaciada imagem de governante, dando o dito por não dito em aspectos fundamentais do seu discurso e da sua prática política. Prometeu mais apoios sociais, atribuindo um subsídio extra de 426 euros aos desempregados de longa duração - e acaba de anunciar que esse subsídio será abolido já em Fevereiro. Prometeu dar prioridade absoluta ao investimento público - e acaba de anunciar que confiará à iniciativa privada a gestão dos emblemáticos aeroportos de Madrid e Barcelona. Prometeu solidez financeira sem abdicar do rumo "socialista" - e nada tem de melhor para anunciar agora aos espanhóis do que a privatização da sociedade pública de lotarias e apostas, o que equivale a uma confissão pública de desespero.

No palco contemporâneo da política europeia, não me lembro de nenhum outro governante que tivesse sido tão ambicioso no capítulo das promessas e se revelasse afinal tão escandalosamente incapaz de as concretizar. Só mesmo Sócrates seria capaz de dizer com ar sério que Espanha "tem um dos melhores primeiros-ministros do mundo" .

Diz-me que modelos escolhes, dir-te-ei quem és.

Zapatero antecipa Sócrates

Pedro Correia, 03.10.10

 

Dez anos depois de assumir a liderança do Partido Socialista Operário Espanhol, seis anos depois de chegar ao poder, José Luis Rodríguez Zapatero acaba de registar a primeira séria derrota política, nas próprias fileiras do PSOE. Tomás Gómez, o líder socialista madrileno, teimou em levar por diante a sua candidatura às eleições para a comunidade madrilena do próximo ano, desafiando Zapatero, que pretendeu impor como candidata a ministra da Saúde, Trinidad Jiménez. Gómez disse uma palavra que Zapatero não escutava há dez anos nas fileiras do partido: a palavra não. Manteve a candidatura, forçando a realização de eleições primárias nas quais se empenhou todo o estado-maior socialista, a favor de Trinidad, e o próprio Governo, com destaque para os poderosos ministros José Blanco e Alfredo Pérez Rubalcaba. Nos comícios da campanha, Gómez não contou com nenhum membro do Executivo: parecia estar de quarentena por ter ousado contestar o chefe. Mas a palavra decisiva coube aos militantes socialistas de Madrid, que lhe deram a vitória.

O pós-zapaterismo começou hoje, como assinala o El País. Este é um processo a que os socialistas portugueses devem estar atentos: há vários anos que o destino de Zapatero antecipa o de José Sócrates. Por cá, por enquanto, subsiste a dúvida: quem será o Tomás Gómez português?

Isto faz-me lembrar alguém

Pedro Correia, 22.02.10

 

Uma polémica biografia de José Luis Rodríguez Zapatero aparece a partir de amanhã nas livrarias espanholas, com chancela da Editorial La Esfera. Intitula-se El Maquiavelo de León e o seu autor é o jornalista José García Abad, director da revista El Siglo de Europa. Ainda antes de ser posta à venda, já está a gerar controvérsia pelo retrato impiedoso que traça do presidente do Governo espanhol, com base na recolha de dezenas de testemunhos, incluindo de personalidades que frequentaram o seu íntimo círculo político. "A biografia mais dura de Zapatero", chama-lhe o diário El Mundo.

Hei-de voltar a falar aqui desta obra. Para já, e segundo os trechos que pude ler no El Mundo, acho interessantíssimos os traços da personalidade de Zapatero, sobretudo por os associar a outro político também chamado José e que bem conhecemos em Portugal.

Algns excertos, para abrir o apetite:

 

- «(...) Me decia um ex ministro: "Com Felipe [González] uno podía tener grandes discrepancias, pero generaba empatia, José Luis no la genera. Si un día cae, nadie saldrá en su ayuda."»

- «Um compañero de la Ejecutiva lo dice de forma más dramática: "Nadie se atreve a contradecirle, pero algún día saldrá toda la rabia, todo el rencor contenido."»

- «Um ex ministro me lo dice de forma más castiza: "Es uno de los personajes que he conocido con un sentido del poder más puro, del poder por el poder. (...) Zapatero te puede decir una cosa y la contraria en el plazo de una semana y sin pestañear."»

- «En el primer debate sobre el Estado de la Nación en el que interviene como lider da la oposición se pasa tres dias estudiando con su equipo de imagen los videos de otros debates para decidir la camisa que debía ponerse, elegir la corbata adecuada y memorizar dónde ponder los enfasis.»

- «Su visión de la politica es cinematográfica, incluso en lo que a las ideologías respecta. Le interesan las marcas, las etiquetas. Se siente sinceramente de izquierdas, pero comulga com la izquierda del glamour, no con la izquierda de la reflexión profunda.»

- «Lo que le importa es quién le da su opinión, no la razón de los juicios que le transmiten. Si quien opina es amigo, las da por buenas. Si se las dice alguien que nos es incondicional, no las escucha, le resbalan.»

- «Zapatero se sirve de un elenco de incondicionales en el que sólo entran unos pocos ministros. Ello explica la baja calidad de su Gabinete, que selecciona a golpe de capricho o de estética.»

A conversão de Zapatero

Pedro Correia, 05.02.10

 

A oportunidade de aparecer numa fotografia ao lado de Barack Obama converteu o mais laico dos dirigentes europeus ao proselitismo religioso. José Luis Rodríguez Zapatero compareceu no "pequeno-almoço da oração", em Washington, ao lado de dirigentes religiosos norte-americanos e do inquilino da Casa Branca, com quem teve oportunidade de conversar a sós durante breves minutos. Demonstrando conhecimentos bíblicos, citou o Deuteronómio: "Não explorarás o trabalhador pobre e necessitado, quer seja um dos teus irmãos quer um dos estrangeiros que estão na tua terra, numa das tuas cidades. Entregar-lhe-ás o seu salário todos os dias, antes do pôr do sol, porque ele é pobre e espera o salário com ansiedade. Teme que ele clame contra ti ao Senhor e isso te seja imputado como pecado." Fê-lo no único idioma que conhece, o castelhano, "língua em que se rezou pela primeira vez ao Deus do Evangelho nesta terra [América]".  E aludiu a Espanha, "uma nação forjada na diversidade" , mas "acima de tudo cristã".

Diz precisamente o Evangelho que "há mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por mil justos que não necessitam de arrependimento". Resta saber se os mais de quatro milhões de desempregados espanhóis, correspondentes a 19,7% da população activa do país, têm fé neste primeiro-ministro que vai a Washington proclamar que devem receber "o seu salário todos os dias". Para eles, não há salário. Para muitos deles, não existe sequer esperança de obter um novo emprego a curto prazo, com a economia espanhola a bater no fundo graças a este primeiro-ministro recém-iluminado com a fé divina mas notoriamente incapaz de fazer milagres.
 

Derrotados (12)

Pedro Correia, 11.06.09

 

Pior do que a arrogância de um vencedor, só a arrogância de um derrotado. Aconteceu em Madrid, com Rodríguez Zapatero, justamente penalizado pelos eleitores do seu país, que o responsabilizam pela existência de mais de quatro milhões de desempregados quando há 16 meses garantia que não haveria crise económica em Espanha. Confirmado o desaire nas urnas que só ele não anteviu, o chefe do Executivo espanhol não se dignou sequer comparecer perantes os jornalistas na noite das eleições, que confirmaram a derrota do seu Partido Socialista, a quatro pontos percentuais de distância do Partido Popular. Um silêncio que diz tudo sobre o desempenho deste governante, incapaz de honrar promessas e também de cumprir as regras da mais elementar etiqueta política. Comparado com Zapatero, José Sócrates faz figura de estadista.

Europeias (28)

Pedro Correia, 23.05.09

 

DIZ-ME COM QUEM ANDAS...

 

José Sócrates e Rodríguez Zapatero, os dois socialistas que mais se têm distinguido no apoio à recondução do conservador Durão Barroso como presidente da Comissão Europeia, partilharam hoje dois palcos. O líder socialista português não podia estar pior acompanhado neste arranque efectivo da campanha eleitoral do seu partido para as europeias: a Espanha de Zapatero, com o seu cortejo de quatro milhões de desempregados, é um modelo perfeito de um estado à deriva na actual crise económica internacional. Desde que há registos estatísticos regulares em Madrid, nunca os indicadores macro-económicos foram tão globalmente negativos como agora, tornando ridículas as promessas de pleno emprego feitas por Zapatero na campanha de 2004, que deu origem ao seu consulado, e reiteradas várias vezes de então para cá. Sem fundamento, como se viu.

Há uns tempos, Sócrates costumava acautelar-se um pouco melhor com as companhias, ciente certamente daquele ditado que emana da sabedoria milenar do nosso povo: "Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és."

 

ADENDA (às 22.13): Acabo de ver agora, só agora, as imagens dos dois comícios, em Portugal e Espanha. Em Coimbra, o convidado Zapatero fala em castelhano. Em Valência, o convidado Sócrates fala... em portunhol. Um sinal inequívoco do provincianismo português, que me deixa francamente envergonhado.

25 de Abril em Espanha

Pedro Correia, 25.04.09

 

O Governo socialista, eleito em 2008 sob o mote Por el pleno empleo, vai certamente ficar para a História: o número de desempregados em Espanha acaba de ultrapassar a cifra dos quatro milhões, correspondentes a 17,3% da população activa. Zapatero (des)governa um país que regista hoje seis desempregados por minuto. E um milhão de famílias sem qualquer tipo de rendimento fixo. Enquanto andamos entretidos com as nossas polémicas dignas de pátio das cantigas, como se o mundo parasse às portas de Badajoz, há um facto que ninguém pode ocultar: tudo quanto por lá se passa tem reflexos aqui, mais cedo ou mais tarde. Nós podemos andar longe, mas Espanha está sempre perto. Demasiado perto.

Sete mil desempregados por dia

Pedro Correia, 26.02.09

Péssimas notícias de Espanha: em apenas um ano, o Governo de Rodríguez Zapatero viu, impotente, o desemprego subir de 8,7% para 14,4%. O país produz um número quase dramático de desempregados, ao ritmo de sete mil por dia: os espanhóis lideram mesmo as taxas de desemprego juvenil (29,5%), feminino (15,3%) e masculino (12,1%) da União Europeia. Em Abril de 2008, ignorando os já evidentes sinais de crise económica, o primeiro-ministro socialista utilizava o tema para fazer a habitual demagogia, garantindo que nos quatro anos seguintes "as piores previsões de desemprego" em Espanha seriam "sempre melhores do que o melhor número alcançado" pelo Partido Popular na legislatura anterior, rondando os dez por cento. Bastaram dez meses para desmentir o vaticínio optimista de Zapatero. A crise apanhou-o totalmente de surpresa, tal como ao seu amigo José Sócrates. Mas o espanhol leva uma vantagem: só enfrentará eleições legislativas daqui a três anos, enquanto o português vai a votos em poucos meses. Um pormenor que faz toda a diferença.