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Delito de Opinião

Reflexão do dia

Pedro Correia, 16.03.24

«A espantosa ideia do BE e do Livre de tentar unir a esquerda numa frente comum anti-AD e IL é uma espécie de associação de lesados da velha democracia. Para quê? Se não é para governar, a ideia é absurda, sobretudo para o PS, caso ainda esteja interessado em fazê-lo na próxima década.

Qualquer alma no PS deveria perceber isto. À sua esquerda ninguém quer que o PS alguma vez supere os 30%. Querem criar um bloco onde as ideias mais puras impeçam qualquer ponte com o PSD. Em rigor, os náufragos da esquerda querem juntar-se para tentar acelerar o abraço do PSD e do Chega. Boa sorte com a brilhante "estratégia" de ver quem vai primeiro ao fundo.»

 

Ricardo Costa, no Expresso de ontem

Bilhete para amigos socialistas

Pedro Correia, 13.03.24

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A campanha ficou para trás. Gostava de saber, portanto, que balanço fazem hoje da forma como António Costa conduziu o governo nos últimos dois anos.

Depois de ter desperdiçado, de forma absolutamente incompetente e leviana, uma confortável maioria absoluta no parlamento e exibido ao país um governo atascado em escândalos de onde todos os meses ia saindo alguém. Depois de ter instalado o caos no "estado social" (saúde, educação, habitação, justiça). Depois de ter contribuído para o aumento exponencial da direita mais radical e populista. Depois de ter engordado o Chega, dando-lhe palco e protagonismo em cada sessão parlamentar, com a óbvia intenção de neutralizar a direita moderada. O tiro saiu pela culatra.

 

Como se sentem hoje, sabendo que o PS perdeu um terço dos deputados e 12 pontos percentuais nas eleições mais participadas deste século?

Continuarão incapazes de abrir os olhos para a realidade mesmo após esta derrota inapelável?

 

Segundo partido mais envelhecido de Portugal, o PS começa a parecer o PCP de há 30 anos: em cada desaire eleitoral, os comunistas proclamavam sempre vitória. Hoje têm apenas quatro deputados (em 230), desapareceram do Alentejo e até na emblemática freguesia de Baleizão são agora derrotados.

Tudo começou assim. Pela recusa de encararem os factos de frente. Pela recusa em se adaptarem aos ventos da História.

 

Muita coisa mudou no dia 10. Começando pela rebelião em larga escala dos eleitores entre os 18 e os 34 anos - fartos de se sentirem marginalizados e empurrados para a emigração - contra um Executivo que governou só a pensar em reformados e pensionistas por estar convicto de que «os jovens não votam».

Enganou-se redondamente: desta vez votaram. E não deixaram lugar a dúvidas.

Reflictam bem, amigos socialistas. Antes de começarem já com manobras tácticas de bastidores para regressarem tão cedo quanto possível ao poder, onde estiveram em 21 dos últimos 28 anos. O que seria um novo erro. Demonstraria que nada aprenderam com a dura derrota de domingo.

Trinta razões para a dura derrota do PS

Pedro Correia, 12.03.24

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62% tem dificuldade em pagar a casa.

30% dos jovens nascidos em Portugal vivem fora do país.

20% dos médicos recém-formados já nem querem entrar no SNS.

251 mil portugueses obrigados a ter dois empregos.

513 mil em privação material e social severa, 241 mil sem alimentação adequada.

42 mil alunos sem professor a pelo menos uma disciplina.

Cabaz de bens alimentares essenciais aumenta 50 euros em dois anos.

Caos no ex-SEF deixa fronteiras em perigo.

Desemprego jovem: Portugal com 23,1%.

Desemprego jovem 3,5 vezes superior ao geral.

Despesas com habitação duplicaram em duas décadas.

Dívidas dos hospitais públicos aos fornecedores privados atingem 2,3 mil milhões de euros.

Doentes com cancro esperam quase um mês para entrar no hospital.

Endividamento das famílias quadruplica face a 2015.

Ensino: provas mostram resultados desastrosos.

Greves da CP em 2023: mais de 30 mil comboios suprimidos.

Investimento público: 6,6 mil milhões de euros por investir desde 2016.

Militares ameaçam sair à rua se polícias tiverem aumentos.

Pedidos de despejo aumentam 17%, a maioria por incumprimento.

Pobreza aumentou no ano passado em Portugal.

Poder de compra dos portugueses estagnou nos últimos cinco anos.

Professores contratados continuam sem salários actualizados.

Quase 70% dos trabalhadores ganham menos de mil euros.

Rendimento das famílias não permite comprar casa em 263 dos 308 concelhos.

Rendimento real das famílias em queda.

Salários de médicos especialistas: terceiros mais baixos da OCDE.

SNS: 20 mil profissionais rescindiram em cinco anos.

Taxas e multas dão 2 mil milhões ao Estado em seis meses.

Todos os dias faltam em média 11 mil professores nas escolas portuguesas.

Um em cada dez trabalhadores está em risco de pobreza.

Perdeu o controlo

Pedro Correia, 11.03.24

Parafraseando o Luís Paixão Martins noutro contexto e noutra circunstância, o PS «perdeu o controlo da narrativa».

É verdade. Mas não é só uma questão de narrativa. Eu diria mais, analisando a segunda derrota eleitoral dos socialistas no ano em curso: ao optar por governar como se só existissem reformados e pensionistas em Portugal, o PS perdeu o contacto com as novas gerações.

Perdendo o contacto, também perdeu o voto. As coisas são o que são.

Até parece que o PS vem da oposição

Legislativas 2024 (19)

Pedro Correia, 07.03.24

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Quem tivesse chegado agora dos antípodas e espreitasse a campanha para as legislativas de domingo sem fazer a menor ideia do que aconteceu na última década da política portuguesa, jamais imaginaria que o PS está no governo desde 2015. É raro o dia que passa sem um anúncio de Pedro Nuno Santos sobre novas medidas que se diz disposto a aplicar caso saia vencedor.

Versão actualizada do célebre "bacalhau a pataco" da I República.

Esta semana, por exemplo, já ouvimos o secretário-geral socialista declarar que tenciona «acabar com todas as propinas nas universidades» e «reduzir os horários de trabalho» para garantir às pessoas maior conciliação com a vida familiar. Semanas atrás, prometera acabar com as portagens em pelo menos cinco auto-estradas: A4, A22, A23, A24 e A25. Um pouco antes, saíra em defesa da recuperação integral do tempo de serviço dos professores - medida contra a qual votou enquanto deputado.

Temas idílicos, ao jeito de solo de violino bem apropriado aos púlpitos da campanha nesta época de caça ao voto. Mas com um senão: são anunciados por alguém que exerceu funções governativas em sete dos mais recentes oito anos. Pedro Nuno Santos e o seu partido - que governou desde 2022 com maioria absoluta - tiveram condições de sobra para pôr em prática tudo isto e muito mais.

Só apetece perguntar por que motivo o não fizeram.

Da defesa dos operários à protecção das focas: eis como Costa domou a esquerda

Legislativas 2024 (13)

Pedro Correia, 29.02.24

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Não sei se mais alguém pensa como eu. Mas achei louvável a intervenção do candidato do MRPP no debate organizado pela RTP com os representes dos pequenos partidos. Não pelas ideias, claro: são mais antigas do que o animatógrafo, a grafonola, o hidroavião e o zepelim. Mas pela sinceridade: vê-lo defender abertamente «uma sociedade comunista» revela-nos, por contraste, até que ponto o PCP se tornou reformista, longe de qualquer ideal revolucionário.

Há quanto tempo não ouvimos um secretário-geral deste partido advogar os dogmas do marxismo-leninismo? É possível um verdadeiro comunista votar seis orçamentos do Estado em estrita obediência às normas do pacto de estabilidade e aplaudir a maior contracção do investimento público registada na democracia portuguesa, como aconteceu durante a geringonça?

 

Há muito que o PCP deixou de amedrontar as "classes dominantes": tornou-se um partido fofo, respeitador da moral burguesa e dos bons costumes. Isto explica-se, em parte, por já não ser acossado pela defunta "esquerda radical" que se acoitava sob a bandeira do BE: Catarina Martins deu uma guinada ao Bloco, tornando-o num movimento "eco-socialista", quase pós-ideológico, new age. Chegou até a intitulá-lo «social-democrata». Por muito que isso incomode os professores Francisco Louçã e Fernando Rosas, a "renegociação da dívida" e a saída de Portugal do sistema monetário europeu deixaram de figurar entre as proclamações bloquistas, hoje mais embaladas por jazz de hotel do que pelos estridentes acordes d' A Internacional.

Música para os ouvidos do PS, que nestes oito anos reduziu os partidos à sua esquerda a caricaturas de si próprios. Enquanto seduzia a classe média com duas percepções dominantes: contas certas e ordem nas ruas.

 

Esquerda radical neutralizada: eis o grande contributo de António Costa para sedimentar o regime instaurado com a Constituição de 1976, alterando-lhe o eixo dominante ao leme de um partido socialista que há muito deixou de o ser.

Os antigos pregoeiros da revolução andam hoje mais preocupados com a extinção das focas do que com a extinção da classe operária. Quem ainda sonhar com a insurreição comunista pode sempre votar no MRPP.

Da União Nacional ao Partido Socialista

Legislativas 2024 (11)

Pedro Correia, 27.02.24

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A campanha eleitoral já está "na estrada", como se diz em jargão jornalístico - que abrange expressões papagueadas até à náusea, como "bala de prata" ou "elefante na sala". Logo transitam de liberdade poética para insuportável lugar-comum.

Fixo-me na caravana socialista. Teve como estrela principal, na primeira noite, o presidente da Câmara de Sintra. Como orador em Viseu. O que fará este autarca tão longe do seu habitual raio de acção? Terá ido explicar aos viseenses por que motivo o novo hospital de Sintra, por ele prometido nas eleições de 2016, ainda não foi inaugurado oito anos depois?

Nada disso. Basílio Horta subiu ao palco para arengar contra "a direita". Nem de outra forma poderia ser astro convidado na campanha do PS.

Fez «críticas a Montenegro» e garantiu que o «PSD está refém do Chega», como rezam os oráculos dos canais televisivos.

 

Vejo isto com ironia, não consigo evitar. Porque a minha memória de campanhas eleitorais é já longa. Este mesmo Basílio Horta, vindo dos "promissores quadros" do caetanismo, integrou a Comissão Central da União Nacional em 1969, iniciando-se na democracia como secretário-geral do CDS. E enfrentou nas presidenciais de 1991, com votos da ultra-direita, o fundador do PS. Esse mesmo, Mário Soares, que ele desancou num célebre debate televisivo a propósito de Macau.

As voltas que a vida dá para quem tem estômago de betão. Capaz de digerir seja o que for.

 

Não tem emenda

Legislativas 2024 (8)

Pedro Correia, 16.02.24

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Rui Rio estava sabiamente remetido ao silêncio há largos meses. Lembrou-se agora de falar: não para criticar o PS mas para propor um "pacto" entre o PSD e o PS. Em plena campanha eleitoral para as eleições legislativas de Março, quando o PSD estabeleceu como prioridade total desalojar o PS do poder que ocupa há mais de oito anos. Parece uma rábula do Ricardo Araújo Pereira.

Continua como antes: nada beneficiou com o retiro sabático. Não tem emenda.

Um país de egrégios avalistas

Paulo Sousa, 14.02.24

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Dizem-me agora que no programa do PS consta uma proposta segundo a qual o Estado, leia-se as algibeiras dos portugueses, irá garantir os empréstimos de crédito à habitação na compra da primeira casa até aos 40 anos.

Ora, para quem não souber, o crédito habitação é normalmente garantido por uma hipoteca, uma garantia real, sendo por vezes acrescido de um aval de terceiros, uma garantia pessoal, caso a capacidade de crédito do cliente não seja suficiente para os encargos assumidos. Em caso de incumprimento, o banco acciona estas garantias para reaver o valor emprestado. O pior cenário para o banco é quando tem de accionar a garantia real para assim se tornar proprietário do imóvel. Prefere claramente continuar a receber as prestações e por isso irá sempre primeiro ter com o avalista.

Qual salivação dos cães de Pavlov, a pura da iliteracia financeira de demasiados portugueses, associada ao medieval desprezo cristão para com os usurários, faz com que esta singela explicação possa causar uma tremenda sanha. Devia ter colocado uma bolinha vermelha no canto, mas agora já não vou a tempo.

De forma a evitar o já referido “pior cenário”, o banco salvaguarda-se limitando o valor emprestado à estrita capacidade do seu cliente. A sua taxa de esforço, que reflecte o peso da prestação no seu rendimento disponível, assim como a relação entre o valor do empréstimo e a avaliação do imóvel, são olhadas com especial atenção.

O bom do Pedro Nuno, quer agora que sempre que alguém deixa de conseguir pagar o seu empréstimo, todos portugueses se cheguem à frente. É um exemplo acabado de uma medida transbordante de pias intenções e, ainda mais, de ilusões.

Se os portugueses quiserem que o líder do PS seja o seu próximo Primeiro-Ministro, não duvido que os bancos passem a achar que o “pior cenário” deixará de ser assim tão mau. Se o cliente só tem capacidade para um imóvel de, imaginemos, 100.000 euros, os gordos banqueiros poderão passar a emprestar-lhe 200.000 euros duplicando assim os juros recebidos. Em caso de falha das prestações, terão sempre o seu dinheiro garantido, sem nunca ter de accionar a hipoteca. O rigor da análise de risco perderá importância, e os juros recebidos aumentarão com um risco muito menos que proporcional. "A alta finança agradece", pensará sorridente o prestamista obeso enquanto fuma o seu charuto e aburguesadamente materializa a icónica imagem do cruzar de perna.

As pernas dos banqueiros estarão irremediavelmente, e para sempre, associadas ao delfim de António Costa.

Ah emigram...?! Querem ver que ... pronto, emigrem lá.

Paulo Sousa, 13.02.24

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O programa do PS demorou a sair do forno. Confesso que não perdi um minuto para o ler, mas não pude deixar de, através da imprensa, notar numa medida que realmente poderia impedir a emigração de médicos.

Segundo os jornalistas que (ossos do ofício) se dedicaram a ler o referido documento, o PS propõe que os médicos que decidam emigrar passarão a ser obrigado a pagar a pela formação que receberam.

Sobre a constitucionalidade da proposta aguardamos que os entendidos se pronunciem, mas o grande alcance desta medida será a antecipação da emigração na fase da vida dos portugueses. Com Pedro Nuno Santos como primeiro-ministro, os jovens passarão a emigrar para poder estudar.

Quando se troca a táctica pela estratégia

Paulo Sousa, 09.02.24

Era uma vez uns inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que ao cometerem um crime de homicídio no aeroporto deixaram um ministro embaraçado. Dizem que já havia vontade de reformular os serviços, mas, tacticamente, entendeu-se que a extinção do SEF seria uma boa válvula de escape. Sempre que o primeiro-ministro, ou ministro, fossem confrontados com a inexplicável demora na tomada de uma posição sobre o crime ocorrido, entenda-se que rolassem cabeças, o fim do referido organismo seria a forma de baralhar para dar de novo, evitando assim os pingos da chuva. O beneplácito da imprensa faria o resto.

Entenderam então distribuir as competências deste Serviço por diversos organismos públicos, sem outro critério que não fosse o “parece-me que”. Como alguns agentes do então já extinto SEF tinham uma remuneração superior aos da Polícia Judiciária, órgão policial onde alguns foram colocados, o governo decidiu aumentar toda a PJ. Nessa data, a demissão de António Costa já tinha ocorrido, havia eleições à vista e não há nada como um generoso aumento salarial antes de eleições.

O resto da história, a escusa do governo em alargar o referido aumento às restantes forças policias (com a desculpa da demissão de António Costa que não impediu o aumento da PJ) e os protestos que se seguiram, são mais recentes e, à primeira vista, nada têm a ver com o crime ocorrido no aeroporto.

Esporadicamente fala-se na fusão da GNR e PSP, mas isso é um tema muito delicado que obriga a mexer nas patentes dos oficiais, assim como a acertos salariais entre as duas forças. Se tivesse havido uma visão reformista no governo talvez esta história pudesse ter começado pelo fim, sendo que o crime nunca deveria ter acontecido.

O programa eleitoral pode esperar

Legislativas 2024 (3)

Pedro Correia, 07.02.24

 

Pelo menos três partidos ou coligações começaram a maratona de debates televisivos da pré-campanha para as legislativas de 10 de Março sem terem apresentado os respectivos programas eleitorais: PS, Aliança Democrática e Chega.

Não por impreparação, certamente. Julgo que também não por incompetência. Por desleixo, sim. Mas sobretudo por inequívoca falta de respeito pelos eleitores. Se a nossa cultura democrática fosse mais sólida e exigente do que é, isto bastaria para serem penalizados nas urnas.

A dupla fuga de Montenegro

Legislativas 2024 (1)

Pedro Correia, 31.01.24

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Luís Montenegro (natural do Porto mas residente em Espinho onde passou grande parte da infância e juventude) sempre foi candidato a deputado por Aveiro. Agora, que é presidente do PSD, decidiu candidatar-se por Lisboa. Gesto incompreensível, vindo de um homem do Norte: então é defensor da descentralização e fez até justas proclamações contra a macrocefalia alfacinha, mas corre a empoleirar-se no distrito da capital? Incompreensível por outro motivo: assim evita o embate nas urnas com Pedro Nuno Santos (natural de São João da Madeira), que também sempre foi candidato por Aveiro. Foi e volta a ser: mantém-se lá.

Percebo mal esta dupla fuga de Montenegro. Ao distrito adoptivo e ao confronto directo com o secretário-geral socialista. Parece ter-se esquecido disto: uma das qualidades mais valorizadas num político, seja de que quadrante for, é a coragem.

Este atributo avalia-se por actos, não por palavras. Ao esquivar-se ao duelo em Aveiro com o antigo ministro da ferrovia e dos aeroportos, o líder laranja parece fazer campanha contra si próprio.

Se ainda ninguém lhe disse isto, fica dito agora.

O trambolhão

Paulo Sousa, 18.01.24

O texto de Cavaco Silva publicado ontem no Observador fez-me recordar um tempo que muitos jovens, que já votam, nunca viveram. Há dias, na conversa com uma jovem arquitecta que vai insistindo em não emigrar, ouvi-a dizer que desde que se recorda de acompanhar a actualidade que se lembra de se falar da crise. Uma amiga do meu filho, que está a terminar o curso de enfermagem, contou-nos que toda a sua turma já foi abordada por serviços públicos de saúde europeus no sentido de os atrair para o seu país. Ela já sabe que vai para Inglaterra.

Perante a estagnação económica deste início de século, em que a emigração dos nossos mais jovens será apenas mais um indicador, o texto de Cavaco Silva é especialmente elucidativo do trambolhão que demos.

Diz Cavaco: "Em Junho de 1995 (...) a OCDE escreveu: “Portugal realizou, desde 1985, um progresso económico notável, marcado pelo aprofundamento da integração na economia internacional, pela abertura dos sectores protegidos, pelo avanço na transformação estrutural da economia e por um acrescido aprofundamento financeiro". Ao longo dos anos do Cavaquismo foram demolidas cerca de 42.000 barracas e realojadas 48.000 famílias, Lisboa ficou finalmente ligada ao Porto por auto-estrada, foi negociado o arranque da construção da Ponte Vasco da Gama, foi lançado o concurso internacional para a introdução do comboio na Ponte 25 de Abril, arrancou a construção da barragem do Alqueva, teve início a requalificação da zona oriental de Lisboa que culminou com a realização da Expo’98, foi negociada a ligação por gasoduto desde a Argélia, foi lançado o programa das Aldeias Históricas de Portugal e, em Abril de 1995, foi inaugurado o Hospital Distrital de Leiria, o oitavo construído de raiz durante os seus mandatos como primeiro-ministro. Sem ter de recorrer a tratamentos de favor nem à prática de crimes de prevaricação, foi ainda inaugurada a AutoEuropa.

Nem tudo terá sido bem feito nesses tempos das farturas e do optimismo, mas comparando com o que temos vivido e a que temos sido sujeitos, a diferença é abissal. São compreensivas as crises de urticária sentidas pelo actual poder sempre que Cavaco publica mais um dos seus textos.

O Expresso de há dias revelou-nos que 30% dos nascidos em Portugal vivem fora do país, um terço das mulheres em idade fértil optou por emigrar e que 70% destes novos emigrantes têm menos de 40 anos. Este é apenas uma parte do legado de António Costa. Nesta rubrica do Pedro Correia podemos enumerar muitas outras faces da mesma realidade que incluem empobrecimento dos portugueses, a degradação dos serviços públicos e a que lhe podemos acrescentar o recorde de sempre da carga fiscal. Fora das estatísticas que abrem telejornais, temos ainda assistido a um enfraquecimento regular e contínuo das instituições que foram criadas para contrabalançar a separações dos poderes legislativo, executivo e judicial.

Sendo que a alternância do poder é a essência do regime democrático, questiono-me sobre até que ponto os portugueses estarão anestesiados da realidade em que vivem.

Mali, Senegal ou Congo: é só escolher

Pedro Correia, 18.01.24

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Reparo no logótipo eleitoral 2024, que vi aqui pela primeira vez.

Passámos mesmo então a ter oficialmente três cores listadas: verde, amarelo e vermelho. Como o Mali, o Senegal, a Etiópia, a Guiné, o Congo, Benim, Gana ou os Camarões. Por vontade do Executivo com maioria absoluta de menor duração da nossa história democrática.

Enfim, um governo absolutamente incapaz de fazer reformas ao fim de oito anos de mandato ininterrupto encontrou aqui um desígnio reformista: transformar a bicolor bandeira portuguesa em tri - talvez como símbolo da "interseccionalidade", ou lá como chamam a essa treta.

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Mas se o amarelo da esfera armilar tem pujança suficiente para ser promovido a faixa cromática autónoma, emparceirando com o verde e o vermelho, por que raio discriminar o azul e o branco, que também pigmentam o escudo nacional?

Eis outra sugestão "reformista", agora já só possível de aplicar na próxima legislatura. Uma bandeira pentacolor. À atenção de quem se prepara para congeminar o programa eleitoral do P(Nuno)S.

Entretanto, deixo aqui três cromos. Com as bandeiras de alguns dos países africanos a que estes génios da desgovernação nos querem equiparar. Façam o favor de escolher qual é a da vossa preferência.

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Bandeira do Mali

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Bandeira do Senegal

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Bandeira do Congo

Inês é morta

Paulo Sousa, 10.01.24

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A teia de intervenientes por detrás das suspeitas de crime de prevaricação que caem sobre António Costa é bastante elaborada. O comum cidadão não tem paciência para acompanhar uma explicação meticulosa sobre os dados que já são públicos.

Sem querer substituir as explicações detalhadas deste artigo e do programa Justiça Cega (aqui resumido) do jornal Observador, importa referir que João Tiago Silveira, antigo secretário de Estado da Justiça e da Presidência do Conselho de Ministros nos governos de José Sócrates, assim como ex-porta-voz do PS em 2009, é sócio da sociedade de advogados Morais Leitão. Ao serviço do ainda governo de António Costa, desempenha gratuitamente as funções de coordenador do Simplex Industrial e do Ambiente. Certamente que não constará no seu Curriculum Vitae este nobre voluntariado, especialmente por não ser nem uma coisa nem outra. Segundo Nuno Cerejeira Namora, no programa acima referido, estas gratuitidades são apenas formas de fugir ao regime das incompatibilidades e impedimentos que o estatuto que a Ordem dos Advogados impõe.

Rui Oliveira Neves, igualmente sócio da referida sociedade de advogados, acumulava à data dos telefonemas que indiciam António Costa um lugar na administração da Start Campus, a empresa que se propunha a construir um Data Center na zona de Sines.

Com o objectivo de se poderem dispensar do licenciamento que se aplica a todas as demais empresas, os dois sócios da referida sociedade de advogados terão concertado esforços de forma a ajustarem a lei aos seus objectivos. Através de João Galamba, terão solicitado a Diogo Lacerda Machado, outro benemérito servidor público não remunerado, que intercedesse junto de António Costa de forma a que a lei fosse moldada à medida das sua precisões. Já sabemos que Diogo Lacerda Machado acumulava as tarefas de melhor amigo do primeiro ministro com a de consultor da empresa Start Campus.

Detalhes à parte, nas escutas consta a frase “Isto é muito malandro, mas é por aqui que a gente tem que ir”. Poucos dias mais tarde, o decreto-lei é levado a Conselho de Ministros e é aprovado. João Galamba já tentou dizer que não esteve presente nesse Conselho de Ministro, mas a sua assinatura nos documentos despachados nesse dia desmente-o. 

E é aqui que Nuno Cerejeira Namora usa a expressão “Inês é morta”. O decreto-lei à medida das pretensões da Start Campus foi publicado. O facto foi consumado. Pelas escutas confirmou-se o propósito e suas respectivas diligências, assim como uma reunião de quatro horas em que António Costa esteve presente. Inês é morta. Segundo o referido advogado, é uma questão de tempo até que António Costa seja constituído arguido pelo crime de prevaricação.

Depois de passar o fim-de-semana do Congresso do PS com as orelhas vermelhas, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou o decreto-lei maroto, mas só depois de obrigar o governo a retirar a alínea feita à medida dos interesses Start Campus.

A tentativa de prevaricação é já em si um crime. Não ter passado nas malhas da avaliação presidencial não anula a morte juridica de Inês.