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Delito de Opinião

Jornalistas em greve: alerta à cidadania

Pedro Correia, 14.03.24

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Os jornalistas portugueses estão hoje em greve geral. A primeira em 42 anos. Isto é notícia, sem espécie de dúvida.

Há quem concorde, há quem discorde. Entre os que discordam, destacam-se aqueles que apontam para a escolha deste dia concreto, de óbvio vazio governativo. É sempre mais fácil - e muito menos eficaz - paralisar o trabalho em tempo de impasse, quando o Executivo ainda em funções já não manda nada e o que há-de vir ainda não está indigitado. Nem se sabe com estrito rigor qual será a sua cor política, a identidade dos seus futuros elementos ou a data da tomada de posse.

 

De qualquer modo, espero que a greve funcione como alerta para aqueles que lamentam a proliferação desenfreada de aldrabices nas redes e o enfraquecimento dos jornais e do jornalismo, mas não dão um avo para pagar aquilo que consomem de borla pelos dispositivos electrónicos. Condenando assim centenas de jornalistas à penúria e ao desemprego. E contribuindo, no limite, para o fim do jornalismo.

Podiam ajudar? Claro que sim. Numa espécie de militância cívica. Cada vez mais premente, cada vez mais inadiável.

Basta assinar um jornal ou uma revista informativa. Um só, entre tantos títulos disponíveis. Em papel ou digital. E recusar receber versões pirateadas desses títulos que abundam por aí, em clippings organizados - às vezes até oriundos de chancelas oficiais - que vão contribuindo para conduzir tantas empresas jornalísticas à falência. Começando pelas empresas de âmbito local ou regional.

 

Mais de metade do País vive hoje num deserto informativo, sem jornais ou rádios ali localizados. Dos 308 concelhos, 166 estão nessa lamentável situação.

O salário médio dos 5300 jornalistas oficialmente credenciados - 80% dos quais com formação superior - não ultrapassa 1225 euros mensais. Abundam  jovens em início de carreira a receber menos do que o salário mínimo. Muitos profissionais veteranos e conceituados levam para casa menos de 1500 euros ao fim do mês.

Todos trabalham muito mais horas do que a lei estipula e do que as mais elementares normas de prevenção de saúde física e mental recomendam.

 

O trabalho dos jornalistas deve ser recompensado, o esforço financeiro dos investidores deve ter retorno.

Se cada um de nós subscrever um periódico à nossa escolha já faz muita diferença. Para melhor.

É o que faço. Sou incapaz de recomendar aos outros aquilo que não pratico.

 

Quando deixar de haver jornais, quando o jornalismo chegar ao fim, esses mesmos que em nada contribuem para a qualidade da informação, pagando-a, passarão a receber apenas memes idiotas, muitos vídeos com gatinhos e uma brutal enxurrada de lixo desinformativo através dos mesmos dispositivos electrónicos.

Então protestarão: vão querer de volta o rigor informativo.

Mas aí já será demasiado tarde.

Não há almoços grátis. E o que é barato sai caro. A qualidade paga-se. Ou desaparece de vez.

Os pupilos do professor Marcelo

Legislativas 2024 (20)

Pedro Correia, 08.03.24

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A campanha eleitoral termina hoje com bastante especulação, muito compreensível, sobre quem vencerá as legislativas. Mas uma coisa é certa: o jornalismo sai derrotado. Houve cedências crescentes e até chocantes ao infotainment - promíscua amálgama de informação com entertenimento, transformando as redacções em sociedades recreativas. Sobretudo na televisão.

Dúzias de jornalistas recriam-se como figurantes da política enquanto reality show. Procurando a notícia na rua, durante o dia, e encerrando-se à noite nos estúdios, investidos em comentadores do que haviam descrito horas antes - com o bitaite típico da conversa de café a roubar cada vez mais tempo, espaço e protagonismo à reportagem. Vários deles imitando velhos mestres-escola, distribuindo notas. Como pupilos do professor Marcelo, que inaugurou esta frívola modalidade de avaliação política há mais de 30 anos na TSF.

Confesso que abri a boca de espanto ao ver um deles, que sempre considerei um dos melhores repórteres portugueses, também reduzido agora à condição de avaliador numérico. Enquanto uma excelente repórter, que já cobriu guerras e outras calamidades em paragens longínquas, desperdiçava o talento com questionários aos líderes partidários mais próprios das revistas cor-de-rosa. Eis uma das perguntas: «Quando foi a última vez que escreveu uma carta de amor?»

 

Sim, o jornalismo sai derrotado desta campanha. Por culpa própria: anda há anos a esforçar-se muito para se tornar irrelevante. Assim não admira que Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos tenham recusado dar entrevistas ao Expresso, considerado o mais influente jornal português. Preferiram exibir-se perante a Cristina Ferreira nas manhãs da TVI ou marcar presença no programa humorístico do Ricardo Araújo Pereira nos serões da SIC. Faz sentido: se a cobertura jornalística adopta a lógica do reality show, siga-se o original em vez da cópia.

Pior ainda quando o modelo dos debates decalca o dos programas de bola, cheios de palpiteiros de cachecol clubístico, imitando claques de futebol. Sem o menor esforço de isenção, rigor, equidistância, frieza analítica, argumento racional: o que importa é exibir o emblema partidário.

O apogeu do ridículo talvez tenha sido esta nota 8 (em dez) atribuída quarta-feira por Ana Gomes na SIC-N ao candidato que entusiasticamente apoia enquanto aplicava ao candidato rival um metafórico pontapé nos fundilhos, brindando-o com implacável nota zero. 

É salutar que as pessoas estejam cada vez mais distantes destes alegados espaços informativos que nada têm a ver com jornalismo. Estou com elas. Se as opções à escolha forem Ana Gomes e Cristina Ferreira, não hesito um segundo em votar nesta. 

A derrota das sondagens

Legislativas 2024 (6)

Pedro Correia, 10.02.24

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Expresso, 30 de Dezembro de 2021

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Expresso, 28 de Janeiro de 2022

Vamos passar mais uma campanha eleitoral a ouvir falar de sondagens. De manhã à noite, de forma seguidista. Sem nunca haver uma perspectiva crítica destas pesquisas de opinião que induzem tanta gente em erro e espalham desinformação. Com base em amostras muito reduzidas e pouco representativas dos eleitores, talvez porque o dinheiro para as pagar não dê para mais. 

Voltou a acontecer, na recente eleição para a Assembleia Regional dos Açores, no passado domingo. Quatro dias antes, a 31 de Janeiro, uma sondagem da Universidade Católica divulgada em parangonas por dois meios de informação estatais (RTP-Antena 1) e pelo jornal Público atribuía a vitória nos Açores ao PS, com 39%, seguindo-se a coligação liderada pelo PSD, com 36%.

Acertou? Nem por sombras. Tiro ao lado, uma vez mais - desta vez com desvio de 9 pontos percentuais nas duas principais forças políticas, invertendo a ordem em que ficaram. O PS perdeu, não ganhou: teve 36% - menos 3 pontos do que a sondagem indicara. E a coligação encabeçada pelo PSD não foi derrotada: subiu mais 6 pontos do que a Católica tinha previsto, alcançando 42%.

 

Um fracasso quase tão clamoroso como o da sondagem do ISCTE para o Expresso que em 28 de Janeiro de 2022, dois dias antes das legislativas que deram vitória a António Costa por maioria absoluta contra Rui Rio, vaticinavam "empate técnico" entre socialistas e sociais-democratas: 35% para as rosas, 33% para as laranjas. 

Não aconteceu nada disto, como sabemos. O PS triunfou por quase 14 pontos percentuais de diferença: 41,4% contra 27,7%. Desmentindo em toda a linha o que ficara escrito não apenas na manchete do semanário publicada 48 horas antes do escrutínio, mas também outra, divulgada a 30 de Dezembro.

«Com a passagem dos anos de hipervalorização mediática dos estudos de opinião, fui ganhando a consciência de que sobre os mesmos não se exerce um módico de reflexão jornalística. Quer sobre o resultado produzido, quer sobre a metodologia e, em especial, sobre o questionário.» Palavras oportunas de Luís Paixão Martins no seu livro Como Mentem as Sondagens.

 

Por mais que estas coisas sucedam, iremos continuar a ouvir horas e horas e horas de peroração nas pantalhas sobre sondagens como se fossem modelos de rigor. Mesmo quando feitas por empresas que já falharam em toda a linha. 

Qualquer semelhança entre isto e jornalismo é mera coincidência. Deviam difundi-las em reality shows, não em telejornais.

Dona Laurinda: uma história de Lisboa

Pedro Correia, 16.12.23

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O bom jornalismo é assim: sabe contar uma história, consegue captar com sabedoria a atenção de quem lê, rejeita o sensacionalismo e a gritaria tipográfica.

Interessa-se pelas pessoas, mantém um olhar atento ao espaço circundante, ocupa-se mais da realidade concreta do que da verdade abstracta, tantas vezes ilusória.

Trata com amabilidade o cidadão comum a quem dá voz.

Trata com discreta cumplicidade o leitor que lhe concede uns minutos de atenção: é a melhor forma de estabelecer contacto.

Com amor à língua portuguesa, nosso traço de união.

 

Isto aprende-se em escolas. Mas aprende-se sobretudo na vida.

Jornalismo desligado da vida é jornalismo condenado ao fracasso. Ao contrário desta reportagem que li hoje, publicada no jornal digital lisboeta Mensagem. Intitula-se «Drogaria Laurinda: o adeus a uma das comerciantes mais antigas da Baixa».

Título apelativo, que não ilude: é chamariz para um relato digno de ser passado a escrito. Com vagar, pausadamente, saboreando a arte de narrar.

 

Parabéns ao jornal, parabéns à autora da reportagem, Eunice Lemos - que não conheço.

Apresentou-me a Dona Laurinda, testemunho vivo de uma Lisboa que já é passado mas ainda é presente, de uma Lisboa com identidade própria que vai resistindo em cada bairro. Também com pessoas transplantadas de outras paragens, como sucede com esta senhora de 88 anos, proprietária de uma velha drogaria prestes a trocar enfim o balcão da loja pelo recato doméstico. Mas sem esconder uma apreensão que nos enche de ternura: «Se fico em casa começo a andar como as outras da minha idade, tudo assim com a bengalinha na mão. Passam a vida sentadas a ver a televisão, ficam marrecas porque a coluna está fraca. Tenho tanto medo de ficar assim.»

 

Jornalismo com gente dentro: motivo para celebrar. É o que faço aqui.

Os rótulos fáceis do jornalismo preguiçoso

Pedro Correia, 13.12.23

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A SIC fez esta estrondosa descoberta: 56% dos eleitores argentinos são de "extrema-direita". Eis uma demonstração prática de jornalismo preguiçoso - aquele que se apressa a pôr rótulos na política e varre contextos, circunstâncias e questões concretas para debaixo do tapete. Neste caso, vale a pena lembrar que a Argentina já foi um dos países mais ricos do globo: em 1912 tinha a nona economia mundial, à frente de países como Alemanha, França e Dinamarca.

Nos últimos anos os rótulos mais frequentes desta subespécie de jornalismo são "populista" e "extrema-direita". Sem nunca haver os respectivos contrapontos. O que define a diferença entre um populista e um não-populista, por exemplo.

Será não-populista o governo peronista que terminou funções com o país mergulhado em 143% de inflação anual, uma moeda que perdeu 99,2% do valor face ao dólar nos últimos 20 anos e quatro em cada dez argentinos em situação de pobreza nesta que já foi a mais próspera nação da América do Sul?

Se proliferam os extremistas de direita, onde andam os extremistas de esquerda, suas réplicas do campo oposto?

Faz sentido designar 56% dos eleitores como extremistas, seja qual for a ideologia política que estiver em causa?

O jornalismo preguiçoso não responde a nada disto. Nem esclarece como é que um ultraliberal, como o recém-empossado Presidente argentino, Javier Milei, pode ser catalogado de "extrema-direita" e até rotulado de fascista quando o fascismo proclama a existência de um Estado forte e este economista, pelo contrário, quer um Estado mínimo. Consciente - mal ou bem - de que na Argentina, nove bancarrotas depois, o aparelho estatal não faz parte da solução, mas do problema. 

 

Hoje, mais que nunca, não há "direita". Há direitas. Meter no mesmo saco os herdeiros ideológicos do marechal Pétain e os herdeiros ideológicos do general De Gaulle, só para mencionar duas figuras históricas da direita conservadora, nacionalista e até reaccionária que se combateram entre si em França, é grave erro de análise. Tal como, por exemplo, meter Giorgia Meloni e Milei na mesma gaveta. A verdade é que Milei acaba de derrotar nas urnas os discípulos ideológicos de Juan Domingo Perón, esse sim um fascista clássico (e amigo de nazis).

Casos diferentes que devem ser analisados não como amálgama, antes como sintoma generalizado dum protesto difuso com aspectos comuns mas motivações tão diversas que escapam a rótulos simplistas. E têm igualmente erupções à "esquerda", como ocorreu em 2015 na Grécia, com a vitória eleitoral do Syriza

A dicotomia partidos velhos versus partidos novos está hoje presente nos cenários eleitorais um pouco por toda a parte. Isto tem a ver com dinâmicas históricas e crises sociais: nenhuma etiqueta pronta-a-colar a explica.

 

A verdade é que os partidos e os próprios sistemas políticos, tal como as pessoas, também envelhecem.

Em Portugal, não por acaso, do vetusto PPD/PSD já emergiram três novas forças políticas na última década. Impulso de regeneração de um sistema que gera anticorpos: nuns casos resulta, noutros nem por isso. Resultou em proporções diferentes, e até ver, com a erupção do Chega e o nascimento da Iniciativa Liberal. Não resultou com a efémera Aliança do evanescente Santana Lopes.

Acontecerá o mesmo ao PS quando passar à oposição.

O grão de ervilha e a bola de neve

Pedro Correia, 07.12.23

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Há muitas incertezas no horizonte. Mas de uma coisa podemos ter a certeza desde já: o próximo ano político vai decorrer em ritmo muito acelerado. Pouco propício, portanto, àqueles políticos que adoram colher benefícios máximos da gestão do silêncio enquanto permanecem mergulhados em dúvidas dignas do príncipe Hamlet, convictos de que os jornais "amigos" não deixarão de desbravar caminho por eles com uma sucessão de não-notícias, capazes de transformar um grão de ervilha numa descomunal bola de neve.

Na não-notícia, como se infere, o não é palavra fundamental. "Beltrano de Tal não desmente que possa avançar para o cargo X, informação que nos foi transmitida por fontes próximas. Beltrano, ao que sabemos, não se tem revisto nas opções políticas de Fulano Y embora opte por não entrar em ruptura com o dito cujo. Os seus mais destacados apoiantes não excluem uma candidatura ao posto de comando embora não haja ainda a certeza de quando e onde e como isso possa suceder."

Fica aceso o rastilho.

O curso habitual destas não-notícias é aquele que todos sabemos: com três canais informativos a emitir durante 24 horas e à míngua de matéria para preencher antena nos intervalos dos desafios de futebol, qualquer pequeno ruído mediático, amplificado por incessantes ecos de hora a hora, ganha os contornos de uma Cavalgada das Valquírias. O grão de ervilha numa coluna matutina de jornal transforma-se na bola de neve a rolar em horário nobre das pantalhas nessa noite.

Este processo, que poderia colher frutos noutros tempos, torna-se inconsequente em anos de acelerado calendário político, como 2024 sem dúvida será. Um ano pouco propício às dúvidas hamletianas de gente sempre tolhida nas teias do seu próprio tacticismo. Quem quiser ir a jogo terá de assumir-se como tal, à esquerda e à direita, sem subterfúgios. Caso contrário, o xadrez político jogar-se-á com as peças que estão no tabuleiro.

As que não estão, estivessem.

 

Imagem: Laurence Olivier em Hamlet (1948)

Ler (28)

Nos 70 anos de uma das revistas da minha vida

Pedro Correia, 19.11.23

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Há uma grande revista informativa europeia que acompanho há décadas. Li-a durante a adolescência, nos anos decisivos da minha formação intelectual. Naquele Portugal pós-revolucionário, tinha uma característica ímpar: era de pendor liberal e não se envergonhava de o proclamar: pelo contrário, fazia-o com manifesto desassombro, com vocação para romper tabus. Por penas tão prestigiadas como as de Raymond Aron e Jean-François Revel, pensadores de excelência. Quando a moda eram os socialismos de todos os matizes que prestavam culto a Marx e epígonos menores. 

L' Express surgiu, contra a corrente, num dos países mais jacobinos e centralistas da Europa Ocidental, que então encaravam o liberalismo como vírus maléfico importado do lado de lá do Atlântico, capaz de ferir o majestático Estado gaulês. Quando a França via crescer o Partido Comunista - que chegou a ser o segundo mais poderoso do continente a oeste da Cortina de Ferro - enquanto procurava salvar os últimos redutos do seu império colonial, na Indochina e na Argélia. Tinha os seus pensadores de referência - com destaque para Albert Camus, que também quebrara tabus, naquele início da década de 50, ao lançar O Homem Revoltado com a célebre frase de abertura: «O que é um rebelde? Um homem que diz não.»

Fundada em Maio de 1953, adoptou pouco depois o formato da Time norte-americana, marcando assim também uma diferença face ao clássico padrão da imprensa europeia em matéria de estilo. Assim a conheci naqueles anos ávidos em que se rasgam todas as janelas sobre o mundo, quando em minha casa a recebiamos por assinatura, tal como à Newsweek. Serviu não apenas para consolidar os meus conhecimentos da língua francesa mas também para a minha formação no domínio das ideias. Ler Aron e Revel naqueles anos bastava para alargar horizontes.

 

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1954: Servan-Schreiber e François Giroud com François Mauriac, Nobel da Literatura

 

Quando falo dos meus heróis do jornalismo, jamais esquecerei a dupla que durante cerca de três décadas vertebrou L'Express: Jean Jacques Servan-Schreiber (JJSS) e Françoise Giroud. Criaram uma revista arrojada, moderna, interveniente e livre. Que fazia da reportagem um dos seus pilares e da qualidade de escrita um lema. Que foi pioneira na infografia e cultivava o cartoon político com a mestria do traço de Sempré e Tim. Uma publicação assumidamente europeísta, anticolonialista e antitotalitária onde escreveram várias das penas mais prestigiadas de França e que jamais deixou de questionar o poder - incluindo o poder do general De Gaulle, herói nacional que resgatara a honra manchada do país nos dias de fogo e cinzas da II Guerra Mundial. 

L'Express manteve-se como marco de referência na imprensa europeia. Enfrentou com sucesso todas as crises - políticas, geracionais, económicas, tecnológicas. Sobreviveu a cisões - que deram origem às rivais Le Nouvel Observateur (fractura pela esquerda) e Le Point (fractura pela direita)- e à partida dos fundadores, sabendo renovar-se. Continua a ser um produto de excelência, fiel ao lema de JJSS: «Devemos dizer a verdade tal como a vemos.» Ou na versão mais requintada de Camus: «O gosto pela verdade não impede tomar partido.»

Durante uns tempos, por motivos diversos, distanciei-me dela. Mas reencontro-a agora, como quem recupera um amor antigo, nesta magnífica edição especial destinada a celebrar o 70.º aniversário. Guardo-a desde já como objecto de colecção: serei sempre grato a tudo quanto L' Express me ensinou.

O jornalismo dos "cenários"

Pedro Correia, 10.11.23

Cenários e mais cenários e mais cenários. Os canais informativos abdicam cada vez mais da informação enchendo os estúdios de jornalistas que preferem dedicar-se ao comentário. Quando não sabem, inventam. Quando não têm certezas, especulam. Quando lhes falta informação, debitam uma narrativa ficcional.

"Cenarizam", como agora se diz. 

É também telenovela, embora com outro nome. No fundo, há poucas diferenças. A principal é sentarem-se em cadeiras em vez de sofás. 

 

Podiam mudar de nome para Pasquim

Paulo Sousa, 12.10.23

A fachada frontal da Assembleia da República iluminou-se, esta quarta-feira, com as cores azul e branca da bandeira de Israel. O acto, proposto pelo Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Israel, foi aprovado por PS, PSD, Chega e Iniciativa Liberal. O PCP e o BE votaram contra. Pelo que li, interpreto que o PAN e o Livre se tenham abstido.

Se observarmos a distribuição dos deputados, podemos concluir que de entre os 230 deputados da AR, esta proposta foi votada favoravelmente por 217 (94,3%) e contra por 11 (4,7%).

O Público nunca desilude.

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O mundo está estranho e o jornalismo segue-lhe os passos

Paulo Sousa, 10.10.23

Hoje à tarde, tropecei numa “notícia” do Público, segundo a qual uma “portuguesa de 25 anos desapareceu em Israel. Família acredita que foi encontrada pelo Hamas.”

Pouco depois, na TVI, uma jornalista acompanhava uma vigília em Lisboa pelas mais recentes vítimas do terrorismo do Hamas. Mesmo antes de passar a transmissão para o estúdio, ainda teve tempo de acrescentar que os presentes estavam à espera da chegada de um Rabi, que ali iria celebrar uma missa.

O fim de uma era

Pedro Correia, 29.09.23

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«Não penso sentar-me no chão, à porta de uma livraria. Mas procurarei, muitas vezes, bancos de jardim, à sombra. E assim me deixarei ficar, absorto, tomando notas para uma improvável emissão futura, feita de silêncios e de palavras elementares, assim me pouse no ombro a ave clandestina.»

O Olhar Perto do Chão: a última crónica do Fernando Alves. Foi hoje, na TSF. O fim de uma era na rádio, sintoma do fim de uma era no jornalismo português.

Quanto mais incompetente, melhor

Pedro Correia, 23.09.23

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O intragável naco de prosa que aqui reproduzo foi ontem dado à estampa num dos principais diários portugueses, aliás com pergaminhos na defesa do nosso idioma, surgindo com a assinatura do próprio director dessa publicação. Alguém que, aparentemente, se mostra incapaz de distinguir entre Conselho e Concelho. Não digam que é um problema do teclado, ou do corrector digital, ou do revisor de textos - figura já quase inexistente nas redacções dos jornais que ainda restam. 

É ignorância mesmo. O que me leva a questionar, uma vez mais, que critérios de competência e qualificação são hoje adoptados pelos administradores dos órgãos de informação para porem à frente de títulos históricos da imprensa portuguesa indivíduos que ignoram a diferença entre ConselhoConcelho

Não se incomodem a inventar uma justificação politicamente correcta. A resposta verdadeira sei muito bem qual é.

Fala-lhes do sonho, Martin!

Pedro Correia, 26.08.23

Faz amanhã 60 anos, um reverendo baptista de baixa estatura e vontade inquebrantável, militante anti-racista, pronunciou um dos melhores discursos do século XX. Martin Luther King culminou a gigantesca marcha de Washington, que congregou cerca de 250 mil pessoas, com a última de dez intervenções proferidas nas escadarias do Memorial Lincoln - local emblemático por evocar o presidente norte-americano que libertou os EUA da escravatura e pagou com a vida por isso.

Falando perante aquele que era então o mais vasto auditório de sempre no seu país, com as três estações de televisão nacionais transmitindo em directo, King começou o discurso lendo um texto que levava escrito, mas - segundo reza a lenda - quando já havia muitas pessoas a dispersar naquela tarde de 28 de Agosto de 1963, a cantora Mahalia Jackson incentivou-o em voz bem audível: «Fala-lhes do sonho, Martin!»

Ele largou os papéis, passando a falar de improviso. Destes dois momentos conjugados nasceu um discurso extraordinário, pontuado de referências bíblicas (com citações do Salmo XXX, 5 e do livro de Isaías, XL, 4-5) em defesa da igualdade racial e em sonoro protesto contra todos os actos de discriminação de que os cidadãos americanos de pele negra continuavam a ser alvo um século após a guerra civil, sobretudo nos estados do sul governados por caciques do Partido Democrático.

«Sonho que um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos esclavagistas serão capazes de se sentar à mesa da fraternidade. Sonho que um dia até o Mississipi, um estado que sufoca sob o calor desértico da injustiça e da opressão, se transformará num oásis de justiça e liberdade. Sonho que um dia os meus quatro filhos viverão numa nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo seu carácter», declarou King nesta obra-prima da oratória política, peça essencial para a promulgação da legislação que reconheceria direitos civis a todos os norte-americanos, promulgada dez meses mais tarde pelo presidente Lyndon Johnson.

 

James Reston, um dos mais categorizados jornalistas do New York Times, fez a cobertura do acontecimento, no qual John Kennedy, então inquilino da Casa Branca, chegou a pensar participar antes de ter sido fortemente dissuadido pelos seus conselheiros, receosos de que a marcha pelos direitos raciais degenerasse em tumultos na capital dos Estados Unidos. Mas Reston, apesar do seu inegável instinto jornalístico, não foi capaz de descortinar a força mobilizadora do discurso do futuro Prémio Nobel da Paz, tendo-lhe reservado um modesto 19.º parágrafo na peça de reportagem que o mais influente diário norte-americano dedicou no dia seguinte à memorável manifestação de Washington - prova evidente de que nem sempre o jornalismo está em condições de ser o primeiro rascunho correcto dos livros de História.

Em 2023, com tantas segregações ainda em vigor - de modo explícito ou implícito - nos mais diversos locais do globo, faz falta uma nova Mahalia Jackson a incentivar: «Fala-lhes do sonho, Martin!» E faz falta, acima de tudo, um novo Luther King, transformando a resistência passiva e a não-violência em poderosos instrumentos de combate cívico em defesa dos direitos humanos, com a sua retórica de profeta iluminado, capaz de mobilizar incontáveis multidões através dos continentes só com o poder da palavra.

O pódio da vergonha

Pedro Correia, 11.05.23

Consulto o Índice Mundial de Liberdade de Imprensa, da prestigiada organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras. Neste anuário, os três últimos lugares - autêntico pódio da vergonha - são ocupados por três países comunistas: Coreia do Norte, República Popular da China e Vietname.

Outra ditadura comunista, Cuba, figura nos dez piores entre 180 Estados analisados. Os restantes? Irão, Turcomenistão, Síria, Eritreia, Birmânia e Barém.

Não há coincidências. 

 

Vítimas, assassinos e jornalismo

Cristina Torrão, 02.04.23

Através do facebook, tive conhecimento de uma news-letter de Bárbara Reis, no Público, no passado dia 29. Dizia ela:

Li há anos, num ensaio sobre como os media devem noticiar os assassínios em massa, que uma técnica simples a usar – e o jornalismo é sobretudo técnica – é falar o mínimo sobre o assassino e o máximo sobre a vítima.

(...)

Os defensores desta técnica pedem para os media não publicarem sequer o nome do assassino, muito menos a sua fotografia. Por contraste, dizem que devemos falar sobre as vítimas, contar as suas histórias, prestar-lhes homenagem, celebrarmos as suas vidas.

Isto vem, claro, a propósito do ataque no Centro Ismaili, em Lisboa, no passado dia 28.

À primeira vista, esta parece ser a técnica ideal. Sabemos como o destaque dado, pela comunicação social, a assassinos deste tipo, causa fascínio em certas pessoas. Tanto fascínio, que o perigo de imitação é real, já por várias vezes aconteceu.

Por outro lado, não devemos aceitar a alternativa de ânimo leve. Pergunto-me quanto destaque dado às vítimas será legítimo. Contar as suas histórias? Muitos dos familiares não desejam ver as vidas dos parentes mortos devassadas. Causa-me bastante impressão os jornalistas irem pesquisar sobre as vítimas e publicarem os resultados, sem autorização dos familiares mais próximos. Ao mesmo tempo, pedir a autorização, num momento de luto pesado, não é sustentável, do ponto de vista ético. Pais e mães que acabam de perder um filho ou uma filha, por exemplo, não estão em condições de lidar com o assédio de jornalistas, tendo de decidir o que deve ser, ou não, publicado. Tenhamos em mente que o facto de se ser vítima de um crime hediondo não faz de ninguém santo, tão-pouco cidadão exemplar. Todos nós temos aspectos da nossa vida que não gostaríamos de ver expostos publicamente.

E como agir em casos de assassinatos em massa, como o foi o da Noruega, há vários anos, no qual foram mortas setenta e sete pessoas (e feridas 319) em Oslo e em Utøya? Contar as histórias de todas as vítimas tornar-se-ia fastidioso, o que acabaria por ter o efeito contrário, ou seja, causaria a indiferença do público. (A propósito deste caso, é interessante verificar que, na sua news-letter, Bárbara Reis, defensora desta técnica de nem sequer se publicar o nome do assassino, acaba por o fazer em relação ao norueguês).

Trata-se de uma questão polémica, quanto a mim, sem solução fácil. É verdade que não se devia dar tanto destaque aos assassinos, tornando-os famosos e aliciando mentes mais frágeis. Contudo, das vítimas, a meu ver, basta saber o nome, a idade e a profissão. Mais do que isso, só mesmo por iniciativa dos parentes próximos. Há quem goste de contar as histórias dos seus mortos (contra o qual nada tenho a apontar, pois pode ajudar no luto). Mas isso não se aplica a toda a gente. E, quando acontece, costuma ser mais tarde, não no momento do choque.

Desvarios do "nosso" jornalismo

João Pedro Pimenta, 01.04.23

Não resisto a este desvario do nosso jornalismo: a dada altura do jogo entre o Luxemburgo e Portugal, no último Domingo, que acabou com meia dúzia de "secos" infligida à equipa do grão-ducado, saiu um jogador luxemburguês com uma tatuagem de uma ave no pescoço. O comentador televisivo, de imediato, afirmou que era um sinal de pertença usar uma tatuagem "da águia do Luxemburgo".

Pena é que o símbolo do Luxemburgo seja um leão rampante e que a ave da tatuagem fosse uma coruja. É o que acontece quando os comentadores desportivos decidem encher chouriços durante a partida, desatando a inventar. Qualquer dia surge um jogador sportinguista com uma tatuagem de uma andorinha e há de aparecer alguém a referir-se à "águia do Sporting".

 

 

Ah, e claro, também houve isto. Se não conseguirem ver, é a página de Facebook de Ribeiro e Castro em que ele mostra uma reportagem na RTP-3 em que o ministro do Interior francês se refere à violência de grupos de "extrême gauche" e nas legendas aparece "grupos de extrema-direita". Julgo que podemos falar num pequeno finis hebdomadis horribilis ("fim de semana" em latim macarrónico) para o jornalismo português.

Aqui não há transgénero

Pedro Correia, 02.02.23

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Chantal Goya no filme Masculin Féminin, de Jean-Luc Godard (1966)

 

Oiço muitas vezes por aí chamar "o" Iniciativa Liberal ao quarto maior partido parlamentar português. No seu programa de domingo à noite, Ricardo Araújo Pereira pôs a ridículo este absurdo desnorte gramatical exibindo excertos de noticiários televisivos (incluindo da própria SIC) que mencionavam a IL, alternadamente, como pertencente aos géneros feminino e masculino. Chegando-se ao ponto de ouvir jornalistas diferentes, no mesmo telediário, usarem as duas fórmulas. Questiono-me se não haverá livros de estilo e editores que assegurem o controlo de qualidade nestes canais para impedir esta algaraviada sem senso algum.

A norma gramatical é clara: artigo e substantivo concordam em género e número. Aqui não há transgénero: masculino é masculino, feminino é feminino. Nem há transnúmero: singular é singular, plural é plural.

Assim, dizemos os Verdes ao aludirmos a um partido que integra a actual coligação governamental na Alemanha - no plural. E a UNITA ou a FRELIMO quando mencionamos estes partidos políticos, um em Angola (União para a Independência Total de Angola), outro em Moçambique (Frente de Libertação de Moçambique). 

A sigla IL só deve ser lida com artigo feminino - por a primeira letra ser abreviatura de Iniciativa. Ninguém diz "o FRELIMO" ou "o UNITA". Diferente é se disserem "o partido Iniciativa Liberal" - só aí o artigo é masculino. Mas faz pouco sentido usar 24 letras para aquilo que pode ser dito só com duas.

Enfim, regras que deviam ser fixadas desde as aulas da instrução primária, mas que jornalistas supostamente com formação universitária são incapazes de aplicar. O que diz muito sobre a qualidade do nosso ensino. E sobre a qualidade do nosso jornalismo.

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O prazer da descoberta de revistas antigas

Pedro Correia, 28.01.23

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De novo confesso a minha paixão por frequentar alfarrabistas. Não apenas para adquirir livros antigos (como os três volumes da Guerra e Paz, em estado impecável, na edição portuguesa de 1957 com tradução do filósofo José Marinho), mas também revistas. Volta e meia, num dos meus alfarrabistas preferidos, abasteço-me de exemplares antigos da Paris Match, que ainda se publica. 

Já tinha falado disso aqui, há mais de dois anos, estávamos ainda aprisionados pela pandemia. Regressei lá recentemente, trouxe mais umas quantas. E deixo-me absorver por estes restos de uma colecção particular, agora desfeita certamente por decisão dos herdeiros.

Como se mergulhasse noutros tempos, contemporâneos ou anteriores ao dia em que nasci, e testemunhasse quase em directo acontecimentos entretanto transportados para enciclopédias e manuais de História. 

 

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«Isabel e Filipe reunidos em Lisboa», proclama um dos títulos. É o da edição n.º 412, de 2 de Março de 1957. Sobre a Rainha britânica, há pouco falecida, e o seu marido, o Duque de Edimburgo, que morreu quase centenário em Maio de 2021. Então eram ainda jovens, tinham décadas de vida à sua frente. 

Com três enviados especiais, a Paris Match faz uma cobertura exaustiva em 12 páginas da visita da monarca a Portugal, onde reencontrou o marido, que andara em missão oficial à volta do globo. Após 125 dias de separação, «uma nova lua-de-mel» começou em Lisboa, assinalaram os repórteres. Com excelentes fotografias em destaque, nunca funcionando como tapa-buracos de textos. 

 

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Somos, assim, testemunhas da História.

O primeiro sorriso de Isabel, desembarcada no Tejo, para o marido. Ao lado, o Presidente Craveiro Lopes (Lopez, lia-se na legenda).

O desfile pela capital, no mesmo coche real que transportara o seu bisavô Eduardo VII em 1903, na anterior visita de um monarca britânico.

A passagem pelo Rossio, cheio de mirones «até nas árvores», como assinalava a revista, com um mar de gente a gritar «Isabel!». Num país onde as manifestações populares estavam proibidas.

As imagens do faustoso esplendor na tribuna presidencial do Teatro de São Carlos, com Salazar - rara aparição em eventos públicos - num discreto segundo plano.

Uma extraordinária fotografia do jovem casal numa apoteótica recepção no Porto, cidade que a Rainha quis expressamente conhecer, em visita à margem do protocolo de Estado. 

 

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Portugal surge em foco noutra revista. A n.º 618, de 11 de Fevereiro de 1961. Dedicada em grande parte ao assalto ao Santa Maria, então emblema máximo dos nossos navios dedicados ao turismo de luxo.

Paris Match foi o primeiro grande título da imprensa internacional a embarcar no paquete com centenas de passageiros à mercê de um grupo armado luso-espanhol de opositores de Salazar e Franco. Os repórteres chegaram da forma mais insólita: de pára-quedas. Um deles, falhando o salto devido ao vento, passou longos momentos de angústia no mar, rodeado de tubarões.

Era o fotojornalismo no apogeu, muito antes da tecnologia digital e dos actuais meios de transmissão de imagens e texto.

Mergulho com assombro neste trabalho que valeu à Match reputação mundial. Com fotos exclusivas dos passageiros (incluindo muitas crianças), dos tripulantes portugueses e dos assaltantes, com destaque para o comandante dos "corsários": Henrique Galvão (a quem a revista chama Enrique Galvao), ex-salazarista convicto convertido à causa da democracia e apostado no derrube violento de Salazar.

 

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Tantas outras histórias estas revistas continuam a narrar-nos, várias décadas após terem sido impressas.

A edição n.º 749, de 17 de Agosto de 1963, informava que a vivenda californiana de Marilyn Monroe, ali falecida um ano antes numa noite em que não conseguiu suportar a solidão, acabara de ser vendida. Um letreiro, colocado no exterior do portão, confirmava com linguagem expedita de negociante americano: «Vendida - mas temos outras». Ignorava-se a identidade do novo proprietário, mas a Match desvendava um segredo: Joe di Maggio, o segundo dos três maridos da malograda actriz, mandava depor rosas no seu túmulo três vezes por semana.

Na edição n.º 625, de 1 de Abril de 1961, com a deslumbrante actriz belga Catherine Spaak na capa, deparo com este título: «Gable júnior repõe na viúva um sorriso de mamã.» Nascia o filho póstumo de Clark Gable, quatro meses após o súbito desaparecimento do intérprete de E Tudo o Vento Levou. A vida imitando a ficção, em toada de melodrama: o eterno galã das matinés sempre alimentara o sonho de ser pai. Aconteceu, mas já cá não estava para conhecer o bebé.

 

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Regresso à edição n.º 749: o destaque vai para o Presidente norte-americano. De semblante sombrio, nada sorridente. O casal John e Jacqueline acabava de perder Patrick: o filho recém-nascido sucumbira ao fim de dois dias, naquele funesto Agosto, vítima de graves problemas respiratórios. 

Um instantâneo revelava-nos um Kennedy destroçado, ao fundo de um elevador que o conduzia ao quinto andar do hospital onde iria velar o filho que mal chegara a viver. «Como o Presidente foi apenas um pai dorido», proclama o título. 

A revista desfia pormenores. Jackie transportada de helicóptero para o hospital quando se encontrava na casa de praia e logo submetida a uma cesariana, o marido interrompendo uma audiência na Casa Branca com membros do Comité Contra os Ensaios Nuclares e voando para Boston. Depois, horas de angústia perante a incubadora: o recém-nascido nem tinha força para chorar. Foi o próprio John a dar a desoladora notícia à mulher, ainda a recuperar do parto prematuro.

Tragédia no sonho americano. Como se antecipasse um luto de muito maior impacto, prestes a chegar, três meses depois. Com Kennnedy ceifado por balas traiçoeiras em Dallas que lhe roubaram a vida e abalaram o mundo.

Fragmentos de História. Que nos elucidam, comovem e deslumbram em simultâneo.