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Delito de Opinião

As Idiossincrasias da Karlotta

Maria Dulce Fernandes, 10.02.24

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Acredito que a tempestade que nos assola e que desta vez tem nome de mulher é naturalmente aconchegante, encontrando-se apenas a cumprir a tarefa para a qual foi incumbida e que é a de aflar fortemente e despejar água às baldadas de modo a enxurrar as gentes.

Qualquer procela que seja bem formada e tenha sido educada com sabedoria conclui que, independentemente de ter sido o patrão a dar as ordens, a culpa irá recair sempre em quem as executou, porque existe o livre arbítrio e tal…

A Karlotta não gosta mesmo nada que se lhe rogue pragas. É uma tempestade competente que já tem assolado por outras paragens, e até tem feito menos estragos do que quem manda e desmanda (ou já nem manda) por estes lados. Com o multitasking que lhe assiste e que apenas o cérebro feminino consegue alcançar,  resolveu mostrar que está tudo mal a poente, mas que existe esperança a nascente, e que os pactos dos homens leva-os o vento, que agora terão de ir ao sabor da tempestade e terão de ter algum peso na bagagem para conseguirem o tal equilíbrio, tão necessário à preservação da honestidade e do respeito pelo país e pelo povo.

Se as palavras não forem ocas e se as promessas não forem vãs, não há pé de vento que as carregue. Na dúvida, perguntem à Karlotta. A Karlotta tem bom senso e consegue soprar as teias de aranha mais empedernidas e resistentes. A Karlotta ajuda.

A água e o capote

João Campos, 22.09.14

Quando foi inaugurada a rotunda dupla (ou a inceptunda) do Marquês, houve uma imagem passada em directo televisivo que me ficou na memória: a de António Costa, tão hábil na arte de dizer nada como na de sacudir a água do capote, a chutar para a bancada - leia-se: para o melhor bode expiatório que tinha à mão - a pergunta de um cidadão a propósito das sarjetas, ou da falta delas, e de como se faria o escoamento de água caso chovesse em força. Costa, entenda-se, tem mais que fazer hoje em dia (afinal, "muita gente" até votou nele nas autárquicas para lhe dar "força para assumir outras responsabilidades"); e convenhamos, até para falar do tempo é necessário um mínimo de pensamento, algo que se lhe desconhece de todo. Mas não há motivos para alarme: o seu executivo camarário traz na ponta da língua as lições do mestre na arte do passar por entre as pingas da chuva. Como o Público confirma

 

O vereador da Protecção Civil da Câmara de Lisboa acusou o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) de não ter previsto tanta chuva, acrescentando que a cidade se teve de preparar “à última da hora”. 

 

“Houve uma grande precipitação. As informações que nós tínhamos do IPMA não iam nesse sentido, portanto a cidade teve de se prevenir à última da hora, uma vez que não tinha sido lançado aviso laranja para o distrito de Lisboa”, disse Carlos Castro que falava aos jornalistas numa conferência de imprensa convocada devido ao mau tempo.

 

A coisa seria cómica se não fosse trágica. Ou se Lisboa não ficasse inundada pelo menos uma vez por ano, sem que os (ir)responsáveis camarários (estes e os anteriores) movessem uma palha para tentar encontrar soluções para um dos mais previsíveis problemas que a cidade enfrenta a cada Outono ou Inverno - e a culpa é do IPMA, que até previu chuva mas que não previu tanta chuva, obrigando "a cidade" a fazer "à última da hora" aquilo que todos sabemos que de qualquer maneira não teria feito - e que continuará sem fazer agora (até porque outras responsabilidades se alevantam). Se o descaramento pagasse imposto...

mau tempo

Patrícia Reis, 31.03.13

Estão 14 distritos em alerta, a chuva parece que não vai parar e as janelas da casa mínima onde estou ameaçam cair. Oiço o vento lá fora e, confesso, tenho medo. O melhor será um livro.

 

Leio:

 

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Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...

O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no fato de haver coro...

A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...

E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...

[Fernando Pessoa, in Chuva Oblíqua]