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Delito de Opinião

Figura internacional de 2019

Pedro Correia, 03.01.20

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BORIS JOHNSON

Nem por ser já esperada deixou de constituir uma das vitórias eleitorais mais marcantes da cena política de 2019. Boris Johnson, que começou por chefiar o Executivo britânico sem passar pelas urnas, limitando-se a receber a pasta de Theresa May, conduziu em 12 de Dezembro o seu Partido Conservador ao maior triunfo eleitoral desde 1987, passando a dispor de uma sólida maioria absoluta na Câmara dos Comuns, ao contrário do que acontecia com a sua antecessora. Tem 365 assentos parlamentares - 39 acima do patamar da maioria absoluta.

O seu estilo excêntrico - mesmo para os padrões britânicos - e a linguagem acutilante que cultiva como imagem de marca levaram alguns, mais distraídos, a considerá-lo uma réplica de Donald Trump. Nada mais errado. Desde logo, Johnson tem impecáveis credenciais académicas e pedigree intelectual. Foi aluno na Escola Europeia em Bruxelas, depois em Eton e Oxford, diplomou-se em Estudos Clássicos, é um reputado biógrafo de Winston Churchill. Exerceu o jornalismo em periódicos conceituados: The Times, Daily Telegraph e The Spectator (sendo editor deste último). Antes de ascender à chefia do partido e do Governo, em Julho de 2019, destacou-se como presidente da Câmara de Londres (2008-2016) e ministro dos Negócios Estrangeiros (2016-2018).

A eleição deste irrequieto nativo do signo Gémeos, nascido há 55 anos em Manhattan e que só em 2016 renunciou à cidadania norte-americana deveu-se em boa parte à sua promessa de solucionar de vez o impasse em torno do Brexit. Johnson é um entusiasta da saída definitiva do Reino Unido da União Europeia, que deverá consumar-se em 2020. Ao contrário de Jeremy Corbyn, o seu rival do Partido Trabalhista, que manteve posições muito ambíguas nesta matéria. O que talvez explique o terramoto eleitoral do Labour: em Dezembro, obteve o pior resultado desde 1935.

 

O DELITO DE OPINIÃO elegeu Boris Johnson como Figura Internacional do Ano na votação mais apertada de 2019. O chefe do Governo britânico superou apenas por um voto (nova contra oito) a activista sueca Greta Thunberg, que liderou a batalha mediática à escala mundial contra as alterações climáticas num ano que suportou o mês de Julho mais quente desde que há registos credíveis e em que a Islândia viu desaparecer o primeiro glaciar.

O terceiro lugar do pódio, com cinco votos, coube ao primeiro-ministro etíope  Abiy Ahmedy, distinguido com o Prémio Nobel da Paz pelos seus esforços para «alcançar a paz e a cooperação internacional», justificou a academia de Oslo. Em alusão ao seu protagonismo na obtenção de um acordo de paz entre a Etiópia e a Eritreia, pondo fim ao tenso impasse que permanecia entre os dois países, envolvidos num sangrento conflito no final do século XX.

Houve ainda dois votos isolados. Um em Juan Guaidó, o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, reconhecido por mais de cinco dezenas de países (incluindo Portugal) como líder legítimo do país, embora Nicolás Maduro ainda ocupe o Palácio de Miraflores. O outro voto recaiu em John Bercow, o carismático presidente cessante da Câmara dos Comuns, que ganhou fama planetária pelo modo peculiar como presidia aos debates - começando pelo seu inconfundível "grito de guerra": «Order! Order!»

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

O medíocre Corbyn

Pedro Correia, 13.12.19

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De um líder político esperam-se posições claras sobre os assuntos mais relevantes. Tudo quanto Jeremy Corbyn não revelou na recente campanha eleitoral no Reino Unido - na linha do ocorrido em 2016, no processo referendário que conduziu ao Brexit - sobre a relação do país com a União Europeia. Em total contraste com o seu adversário Boris Johnson, grande vencedor das legislativas de ontem, emergindo com maioria absoluta na Câmara dos Comuns: o Partido Conservador conquista 365 dos 650 lugares, mais 48 do que na anterior legislatura. Doze pontos percentuais (44%) acima do Partido Trabalhista (32%). O Labour sofre a maior derrota desde 1935 neste seu quarto desaire consecutivo em eleições gerais (já perdera as de 2010, 2015 e 2017).

Johnson arrasou nas urnas. Sai com uma sólida maioria absoluta - a mais expressiva deste século para o seu partido, só comparável à terceira vitória eleitoral de Margaret Thatcher, em 1987.

Relutante e ambíguo, refugindo-se no silêncio enquanto todos no seu partido iam manifestando posições desassombradas (na grande maioria favoráveis à permanência do país na Europa), o dirigente trabalhista semeou mais dúvidas do que certezas quanto à sua verdadeira posição nesta matéria. Sabendo-se que no referendo de 1975 votara contra a permanência do Reino Unido no espaço comunitário.

 

Não por acaso, alguns dos maiores nichos eleitorais do Brexit situaram-se em regiões de tradicional influência trabalhista, como Birmingham, e genericamente no norte de Inglaterra, onde os membros da outrora orgulhosa classe operária britânica não hesitaram em votar pelo corte dos laços com a União Europeia no histórico referendo de 2016. Com casos tão emblemáticos como o da circunscrição de Leigh, na cintura operária de Manchester: até aqui venceram os conservadores, o que não acontecia desde 1922.

Corbyn foi assistindo à derrapagem do país para fora da União Europeia com uma chocante indiferença, bem reveladora da sua impreparação para os desafios políticos de primeiro plano. Depois do descalabro sofrido nas eleições locais, onde o Partido Trabalhista foi varrido do mapa eleitoral da Escócia, e após ter assistido a uma  rebelião do seu próprio grupo parlamentar na questão da solidariedade ao povo sírio, a sua falta de liderança deixou de ser caricata para se tornar chocante. De pouco lhe valeu o aplauso que ia recebendo de alguns assumidos admiradores neste rectângulo lusitano.

 

Jeremy Corbyn está há décadas na política. Nunca desempenhou uma função executiva. Nunca se distinguiu em nada excepto na teimosa manutenção de um lugar em Westminster: é deputado desde 1983, eleito sempre pela mesma circunscrição da área metropolitana londrina.

Eterno parlamentar de segunda linha, tornou-se líder do partido em 2015 impulsionando pelas "redes sociais", declarando a intenção de «defender causas e promover debates», o que diz tudo sobre a retórica balofa deste homem que militou contra o «imperialismo britânico», detesta o Estado de Israel, foi um ardente admirador do Syriza grego e considera Karl Marx uma «fascinante figura».

Aliado dos republicanos irlandeses que durante décadas pegaram em armas contra os britânicos no Ulster, indignou os próprios correligionários ao convidar dois membros do IRA a discursar em Londres escassos dias após o atentado bombista promovido em Outubro de 1984 pela organização separatista no congresso do Partido Conservador em Brighton. Um atentado que matou cinco pessoas, incluindo um deputado, e do qual a primeira-ministra Margaret Thatcher só escapou ilesa por um triz.

 

Com ele ao leme, o Labour ficou mais forte?

Não: foi-se dividindo como nunca. Logo após o Brexit, mais de três quartos dos 229 parlamentares trabalhistas votaram uma moção de rejeição do líder. Registou-se uma  debandada do Governo-sombra, com dois terços dos seus membros - incluindo o prestigiado Hilary Benn, responsável pelos negócios estrangeiros - recusando colaborar com o eurocéptico Corbyn, que parece manter-se congelado desde a década de 70, época em que desfilava nas ruas em defesa do «desarmamento unilateral» da Europa ameaçada pelos mísseis soviéticos e da renacionalização em larga escala da falida indústria britânica. 

O seu antecessor, Ed Miliband, chegou-se à frente: foi o primeiro a pedir que se demitisse. O mesmo fizeram muitas outras personalidades oriundas das fileiras trabalhistas - dos ex-primeiros-ministros Tony Blair e Gordon Brown ao economista Thomas Piketty. Mas Corbyn, apegado ao que lhe restava do poder interno, não hesitou em fragmentar ainda mais o partido.

 

A deriva trabalhista para a esquerda radical já causou profundos estragos ao partido num passado não muito longínquo, com a traumática ruptura de 1981 que levou à criação do Partido Social-Democrata, conduzida por quatro ex-ministros dos executivos de Harold Wilson e James Callaghan: Roy Jenkins, David Owen, William Rodgers e Shirley Williams.

O medíocre Corbyn, indiferente ao naufrágio iminente da maior força da oposição no Reino Unido, continuou a  pedalar furiosamente rumo a lugar nenhum. Sai arrasado desta contenda eleitoral, confirmando uma tendência de longo prazo: a última eleição geral ganha pelo Labour remonta a 2005, quando Tony Blair ainda estava ao leme do partido.

No rescaldo desta pesada derrota que leva os trabalhistas a perder 60 assentos parlamentares, vem agora anunciar que abandonará o posto de comando num futuro próximo, mas por enquanto segura-se no cargo, alegando a necessidade de conduzir um «período de reflexão» na família trabalhista.

Ambíguo, relutante e medíocre até ao fim.

Bettel e Boris

jpt, 18.09.19

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Luxemburgo tem a fama (e terá o proveito) de ser um paraíso fiscal. Ontem o seu primeiro-ministro teve uma atitude inadmissível para o PM britânico, Boris Johnson. Estúpida, pois só reforça as posições brexitianas na GB, contrariamente ao pretendido por Bettel (é o nome do menino). Anti-democrática, apesar da retórica, pois totalmente avessa àquilo do voto, o britânico. Com um enorme desplante organizou uma conferência de imprensa a 10 metros de manifestantes anti-Boris/Brexit. E como aquele recusou participar na conferência de imprensa naquelas condições, falou sozinho e gozou com o PM britânico. De modo estúpido e arrogante. Imbecil.

Acredito que muita gente concordará com ele. Principalmente à esquerda, subitamente toda europeísta. Portanto organizem-se lá: quando o morcão cá vier vão lá a S. Bento, ou ao CCB. E peçam ao Costa para abancarem a 10 metros dele. E gritem-lhe os impropérios devidos a um tipo que governa um recanto corrupto de evasão fiscal. Ou é a este tipo de escroques que apreciam? Ainda para mais porque mui romântico, com o seu primeiro-damo, meneio que o imunizará às críticas mais que merecidas?

A traição institucional

João Pedro Pimenta, 05.09.19

Há quem ache muito bem que os 21 deputados tories que se opuseram a Boris Johnson (que ganhou a fama em boa parte pela sua rebeldia) sejam expulsos, porque "traíram" o governo e a vontade democrática exposta no referendo de há 3 anos. Convém lembrar que foram eleitos em eleições gerais DEPOIS do referendo, e por isso a decisão é absolutamente democrática, e que a base da soberania do Reino Unido reside na democracia indirecta representada pelo Parlamento (e noutra dimensão pela Coroa) e não na democracia directa. Além disso, os deputados não reverteram a decisão do referendo, limitaram-se a prolongar o tempo do "divórcio" para permitir nova solução que impeça o caos  - ou no mínimo a indefinição - de uma saída sem acordo. Ou seja, respeitaram a vontade dos 51% que votaram na saída, sem fazer tábua rasa dos outros 48%, impedindo males maiores para o país. No cumprimento da vontade popular e da instituição parlamentar. É a isto que chamam traição? Todas as traições fossem essas...

Enganos académicos

João Campos, 25.07.19

Tem sido interessante ler algumas defesas de Boris Johnson - sobretudo à direita, mas também uma ou outra à esquerda - por ele ser um "intelectual", um "académico", formado "em Balliol" (Oxford, vá), estudioso dos clássicos latinos e helénicos. A propósito disto ocorrem-me duas coisas mais ou menos óbvias. A primeira, que comparar o currículo universitário do novo primeiro-ministro britânico à mediocridade académica da nossa classe política não significará grande coisa - perante a "licenciatura" de Sócrates, o "currículo" de Passos Coelho ou o "português falado" de António Costa,  qualquer licenciado com um curso (qualquer curso) concluído com média de 12 nos quatro (três? cinco?) anos regulamentares que saiba a diferença entre um sujeito e um predicado parecerá um prodígio. E a segunda, quase tão evidente como a primeira, que um bom aluno não é necessariamente um bom profissional, seja na sua área de estudo ou em alguma outra. Dito de outra forma: Johnson até poderá ser um intelectual de primeira água (não faço ideia se o será), mas isso, por si só, será insuficiente para que seja um bom primeiro-ministro, ou até um primeiro ministro razoável. É um pouco como um fato de três peças: ao vesti-lo, um grunho até poderá parecer elegante, mas nunca deixará de ser um grunho. E, convenhamos: de grunhos licenciados e bem vestidos está este mundo cheio.

E vão três

Pedro Correia, 24.07.19

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O Brexit já enterrou dois chefes do Governo do Reino Unido, ambos conservadores: David Cameron, que convocou o referendo de 2016 comportando-se como aprendiz de feiticeiro, saltou do comboio em andamento, no rescaldo imediato desta consulta eleitoral; hoje, sem pompa nem glória, foi a vez de Theresa May abandonar a residência oficial em Downing Street sem ter solucionado um só dos problemas que o referendo suscitou. 

Um terceiro conservador, Boris Johnson, acaba de tomar posse - sem passar pelo decisivo teste das urnas nacionais. Com o reino cada vez mais desunido e rodeado de incertezas. Será capaz de corrigir a rota dos correligionários que o antecederam? A seu favor tem apenas as baixas expectativas que o rodeiam neste início de funções como 14.º primeiro-ministro empossado pela Rainha Isabel II. É muito pouco como carta de recomendação.

Biógrafo de Winston Churchill, o sucessor de Theresa May não ignora certamente uma das frases mais argutas do estadista que conduziu o destino das ilhas britânicas durante a férrea resistência às hordas nazis. «A política é a única guerra em que se pode morrer duas vezes», ensinou Churchill. Todos os governantes deviam ter esta citação sempre presente, do primeiro ao último dia dos seus mandatos.

Penso rápido (91)

Pedro Correia, 10.04.19

David Cameron cometeu um suicídio político ao convocar irresponsavelmente, em 2016, o referendo junto dos britânicos sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. Não por acaso, nem Margaret Thatcher nem Tony Blair alguma vez tomaram iniciativa semelhante.
Cameron procurava firmar o poder interno, minado pela corrente eurofóbica do seu Partido Conservador. Enganou-se redondamente: revelou-se um péssimo aprendiz político. Perdeu o referendo, ficou isolado. Do partido, dos parceiros europeus, dos eleitores. Saiu pela porta mais baixa deixando o país sob ameaça de fragmentação e a sociedade britânica dividida como nunca.

Três anos depois, o Reino Unido não conseguiu recompor-se do choque do Brexit, que permanece em ponto morto, sem solução à vista. "União desunida" é o que podemos hoje chamar à extinta Grã-Bretanha. Escoceses, irlandeses do norte e londrinos querem fazer parte da UE, ingleses não-londrinos e galeses não. 
Eis um bom exemplo do que seria o conjunto da Europa se não existisse UE: todos e cada um a puxar pelo seu lado. A única consequência positiva do Brexit foi ter gerado um pacto firme entre os 27 parceiros das instituições comunitárias: nem um só país quebrou a unidade, ninguém mais imitou o triste exemplo britânico. 

Às vezes os povos e os os países precisam destas vacinas. 

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A crise do Brexit.

Luís Menezes Leitão, 26.03.19

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O Reino Unido está neste momento a atravessar uma crise constitucional sem paralelo desde a Revolução Gloriosa de 1688. Embora desde sempre o sistema de governo britânico tenha assentado na soberania do parlamento, a verdade é que essa soberania era delegada no governo e no gabinete, criando assim o que se convencionou chamar de parlamentarismo de gabinete. Nem na "hora mais negra", em que as tropas de Hitler arrasaram o exército britânico na Europa, ou durante a batalha de Inglaterra, em que Londres foi sistematicamente bombardeada, alguma vez o parlamento se imiscuiu nas competências do gabinete. Hoje, quando decide tomar o processo do Brexit directamente nas mãos, o parlamento britânico abandona o sistema parlamentar de gabinete para adoptar um sistema parlamentar de assembleia. É extraordinário é que a primeira-ministra se mantenha no cargo depois de ser desautorizada desta maneira.

Revoke or not revoke

Alexandre Guerra, 17.01.19

Quem redigiu o famoso Artigo 50 do Tratado de Lisboa nunca deverá ter imaginado que, anos depois (e não foram assim tantos), aquela disposição legal iria estar no centro de uma tempestada política no Reino Unido.  E talvez por não ter perspectivado um cenário deste tipo, é que se explica que exista um vazio legal no Artigo 50, porque depois de accionado, a sua alínea 3 apenas permite o prolongamento da negociação, mas não a sua reversão ("revoke"). Ou seja, mesmo que Theresa May quisesse reverter o Brexit, à luz da formalidade do Tratado, não o poderia fazer. É um caminho sem retorno. Quanto muito, teria que concretizar de facto e de jure a saída do Reino Unido da UE para depois, ao abrigo do Artigo 49, voltar a pedir a sua adesão.

Até ao momento, ninguém assumiu claramente que o Artigo 50 não contempla todos os cenários possíveis e, por isso, há pouco mais de um mês, e dando seguimento a um pedido de parecer interposto por um grupo de políticos escoceses, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) veio preencher o tal vazio legal. De acordo com o seu parecer, não vinculativo, mas com força jurídica e política, o TJUE defende que o Reino Unido pode, unilateralmente, reverter o processo de Brexit sem a autorização dos Estados-membros da UE. Na prática, permitiria a Theresa May parar o processo e voltar tudo à situação inicial, com o Reino Unido de pleno direito na UE. Para todos os efeitos, este parecer introduz a medida que está em falta no Artigo 50.

Esta questão começou a ganhar relevância nos últimos tempos, quando se começou a perceber que o processo no Reino Unido estava a caminhar para um impasse e que era preciso encontrar várias possibilidades de acomodar essa situação, nomeadamente, um mecanismo que permitisse manter o Reino Unido na UE. Uma esperança e vontade que os líderes europeus sempre tiveram e que ainda esta semana Donald Tusk voltou a sublinhar de forma subtil, abrindo espaço para uma solução que evitasse a rutpura definitiva.

É certo que logo após ter sido conhecido o parecer do TJUE, May afastou de imediato o cenário de qualquer "revoke", no entanto, perante os desenvolvimentos mais recentes, quem sabe se esta opção ainda não poderá vir a dar jeito.

Speaker do parlamento britânico em montagem de canal televisivo alemão

José António Abreu, 17.01.19

 

Duas notas:

1. Quem disse que os alemães não têm sentido de humor?

2. Até se fica a perceber melhor por que é que os Monty Python nasceram no Reino Unido.

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Mais a sério, uma sugestão interessante para cortar o nó górdio em que o Brexit se transformou: Inglaterra e Gales fora da UE, Escócia e Irlanda do Norte dentro da UE - e do Reino Unido.

May é fraca, mas coerente. Corbyn nem isso!

Alexandre Guerra, 14.12.18

Tony Blair voltou esta Sexta-feira a falar sobre o Brexit numa entrevista à BBC News e num discurso dirigido aos líderes europeus. Fê-lo com clareza e sem floreados: em breve haverá uma maioria no Parlamento britânico que exigirá um “final say referendum” sobre o Brexit. O antigo primeiro-ministro inglês tem feito aquilo que o actual líder do Labour nunca assumiu de forma objectiva e focada, ou seja, empenhar-se na manutenção do Reino Unido na União Europeia. Há umas semanas, Blair já tinha dito na sua intervenção na WebSummit, em Lisboa, que o Brexit era reversível, embora não tivesse, na altura, concretizado de que forma. Agora, deixa bem claro que, perante o descalabro total em que se tornou o processo negocial entre Londres e Bruxelas e o impasse político interno, serão os próprios deputados britânicos a poder desencadear o derradeiro referendo.

 

Efectivamente, o Brexit acabou por se transformar num pântano onde Theresa May e Jeremy Corbyn se foram afundando. A primeira-ministra foi incapaz de corrigir a rota desastrosa traçada pelo seu antecessor David Cameron, enquanto ao líder da oposição tem faltado firmeza e coragem para assumir uma postura história na defesa da manutenção do Reino Unido na União Europeia. Esta atitude algo cínica e cobarde prende-se, em parte, com a ditadura das sondagens e com aquilo que foram os resultados do referendo de 2016. Aliás, basta ver a posição oficial do Labour caso não se desbloqueie o impasse no Parlamento, deixando em aberto todas as opções, seja aquela em que o Brexit segue por diante num modelo intermédio, aquela em que se realizam eleições antecipadas ou aquela em que se realiza um novo referendo. Para o Labour, tudo é possível, mesmo posições antagónicas, sendo incapaz de assumir um caminho único. Há momentos na história das lideranças políticas em que posições dúbias como esta têm custos elevados para os povos. Corbyn tem evitado comprometer-se com uma ideia de esperança para aqueles que vêem no Brexit uma ameaça ao estilo de vida britânico.

 

Após o erro histórico de Cameron, a função do Labour teria sido essa e só essa, independentemente dos eventuais custos eleitorais. A verdade é que Corbyn parece ter ficado refém dos resultados do referendo de 23 de Junho de 2016 e nunca se libertou dessas grilhetas. Este facto impeliu-o para uma política titubeante, com milhares de britânicos a ficarem órfãos de um líder que represente os 48 por cento (provavelmente, agora até serão mais) de eleitores que votarem no “remain”.

 

O sistema britânico defronta-se actualmente com dois líderes fracos, Corby e May, mas por razões diferentes. A primeira-ministra britânica não teve arte para gerir a difícil “herança” de Cameron e deixou-se encurralar, cometendo imensos erros, acabando por colocar-se na posição humilhante de ter que “bater à porta” de Bruxelas para lhe “dar a mão”. Apesar disto, tem que se reconhecer que May foi sempre coerente com o princípio da concretização do Brexit, dando corpo aos resultados do referendo. Porém, a Corbyn nem a coerência se pode reconhecer, tendo sido incapaz de se bater por uma posição clara pela permanência do Reino Unido na União Europeia. Não só não fez isso, como tem seguido uma política difusa e confusa, orientada por um taticismo eleitoral que, muito provavelmente, não lhe dará grandes frutos.

 

De Corbyn – que uma certa ala esquerda quis fazer dele um Bernie Sanders à inglesa – nada de inspirador se ouviu para os muitos britânicos que acreditam nas virtudes de um Reino Unido integrado na União Europeia. Corbyn podia ter respondido aos anseios destas pessoas e deixado uma marca importante na história do Labour, batendo-se por um projecto europeu que continua a ser o farol dos valores e dos princípios para milhões de cidadãos, mas, em vez disso, foi pusilânime e hesitante, optando pelo calculismo eleitoral e nuances políticas mais turvas.

May Day.

Luís Menezes Leitão, 10.12.18

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Quando um chefe de governo faz esta figura no Parlamento, é óbvio que o seu tempo acabou. Theresa May deveria ir-se imediatamente embora e poupar o Reino Unido a mais episódios tristes destes. Quem vier a seguir que aproveite a abébia que o Tribunal de Justiça da União Europeia (tão criticado pelos defensores do Brexit) acaba de lhes dar. A continuarem neste caminho arriscam-se a afundar de vez a sua ilha.

Lançar a confusão e dar de frosques

Sérgio de Almeida Correia, 10.07.18

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(créditos: Kirsty Wigglesworth /Getty Images)

Há pouco mais de dois anos, num pequeno texto que aqui deixei chamei-lhe "the perfect English fool". Houve quem não gostasse do que então escrevi, mas no dia seguinte Lord Michael Heseltine, uma das mais sólidas referências do conservadorismo britânico, parlamentar desde 1966, figura de proa dos governos de Margaret Tatcher e John Major, acusava-o de ter dado origem à maior crise constitucional em tempos de paz que lhe fora dado assistir e de desbaratar as poupanças dos seus concidadãos.

Steph, com o seu traço genial, um ano depois, deu conta do modo como já via as consequências dos resultados eleitorais nas negociações para o Brexit.

Volvido este tempo, os eleitores do Partido Conservador, os ingleses e o mundo em geral assistem estupefactos à continuação do deprimente espectáculo burlesco de Boris Johnson tendo por referência o Brexit.

Na carta de demissão que remeteu a Theresa May, a cada vez mais descalça primeira-ministra britânica, o despenteado de Eton escreveu que "[w]e are now in the ludicrous position of asserting that we must accept huge amounts of precisely such EU law, without changing it an iota, because it is essential for our economic health – and when we no longer have the ability to influence these laws as they are made. In that respect we are truly headed for the status of colony – and many will struggle to see the economic or political advantages of that particular arrangement".

Com a saída de David Davis, primeiro, e agora de Boris Johnson, é possível perceber o atoleiro em que o Reino Unido se encontra e que os custos do Brexit estão a ser incomensuravelmente superiores aos que a irresponsabilidade de tipos como Johnson e Farage prometia aos eleitores.

Se Johnson antes quis substituir o motorista do táxi que não sabia inglês, e o levava para onde não queria ir, por alguém em quem confiava e que falava a sua língua, agora que o GPS deixou de funcionar e a condutora está completamente aos papéis, a solução que encontrou foi a de abrir a porta e saltar do táxi antes deste se despenhar pela primeira ribanceira que apareça na escorregadia e sinuosa estrada a que ele, navegador, o conduziu com as suas sempre brilhantes tiradas. Como antes já fizera quando surgiu a hipótese de liderar o Partido Conservador.

Não conheço expressão inglesa equivalente, mas na minha terra chama-se a isto "dar de frosques".

Que, por sinal, era o que normalmente fazia o palhaço que na minha infância vestia o fato de idiota no final daqueles números de circo a que assisti. Só que neste caso a tragédia é real. E há quem no final limpará as lágrimas e pagará a conta pelos disparates dele e dos amigos.

Godot e as listas transnacionais

Diogo Noivo, 23.01.18

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O Brexit parece ser o Godot da política europeia, mas ao contrário. Se na peça de Beckett Godot não chega, da União Europeia Godot não sairá. Enquanto o personagem não se decide vamos discutindo como será a Europa sem o Reino Unido. A confirmar-se o Brexit, vagarão 73 lugares no Parlamento Europeu. Há quem pretenda simplesmente eliminá-los. E há quem pretenda transformá-los em cadeiras a ocupar por deputados eleitos através de um círculo eleitoral único, supranacional, destinado a representar a Europa como um todo. As inclinações para um lado e para o outro obedecem em grande medida aos movimentos das placas tectónicas europeias aqui identificadas pelo Luís Naves.

 

Indo ao detalhe, e segundo a proposta em debate, 22 dos 73 lugares serão distribuídos pelos 27 Estados-Membros com o intuito de colmatar deficiências na representação parlamentar, pois os rácios actuais de eleitor por deputado europeu são bastante desequilibrados. A título de exemplo, um parlamentar francês representa 900,833 eleitores, o que compara com 72,401 eleitores por cada deputado de Malta ou com 96,042 por cada deputado do Luxemburgo. A fórmula em vigor beneficia os países mais pequenos em detrimento dos maiores e a redistribuição de 22 lugares permitirá atenuar os desequilíbrios existentes.

 

Os restantes 51 lugares serão então ocupados mediante listas transnacionais, uma ideia com méritos. Em primeiro lugar, introduz no debate público de cada Estado-Membro temas que são do interesse comum e sobre os quais as instituições europeias têm um papel determinante. Em segundo lugar, reforça a identidade europeia junto dos eleitores. Em terceiro lugar, e pelo menos em tese, cria um grupo de deputados livres de interesses paroquiais.

 

Sendo certo que nenhum Estado-Membro perderá deputados – o que está em causa é a distribuição dos lugares britânicos – há, contudo, boas razões para encarar a inovação com receio. Por um lado, é preciso definir como serão elaboradas estas listas, garantindo que não se transformarão num expediente para aumentar a força dos Estados com maior poder. Por outro lado, trata-se de mais um passo na direcção de uma Europa federal, o que é problemático (et pour cause não pode ser feito à revelia dos cidadãos dos vários Estados-Membros). Assim, são legítimas as dúvidas do nosso Adolfo Mesquita Nunes – pelo contrário, já não é legítimo embrulhar o assunto na lógica de trincheira esquerda vs. direita, abordagem seguida por Rui Tavares, que apenas serve para obscurecer o debate.

 

Onde discordo do Adolfo é, creio, na conclusão. Todas as dúvidas e receios podem ser acautelados e, como tal, os méritos da ideia impõem-se. As listas transnacionais não têm de se constituir numa antecâmara do federalismo. Podem, aliás, ser uma maneira eficaz de explicar aos europeus – cidadãos e governos – que a identidade europeia é compaginável com as identidades nacionais, recusando desta forma o jogo de soma zero que os populismos (e os federalismos desenfreados) desejam impor. Numa época em que os radicais nos querem vincular uma a identidade única – ideológica, nacional, religiosa – não é má ideia aproveitar as circunstâncias para demonstrar pluralismo. Se Godot sair a Europa deve transformar o episódio de fraqueza em sinal de força e deixar claro que mais União não corresponde forçosamente a menos Estados.

Os mesmos

Pedro Correia, 07.10.17

Aqueles que há um ano se indignaram contra o primeiro-ministro britânico David Cameron por convocar o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia são os mesmos que agora se insurgem contra o chefe do Governo espanhol, Mariano Rajoy, por não reconhecer validade ao suposto "referendo" separatista na Catalunha.

Há um ano, argumentavam que decisões de carácter institucional tão relevante e com consequências políticas tão sérias, como o Brexit, não podiam estar à mercê dos mecanismos plebiscitários por alimentarem o populismo mais rasteiro e subverterem o espírito da democracia representativa. Agora são os primeiros a advogarem tal princípio na questão catalã, fazendo tábua rasa do que antes defendiam.

É o que costuma acontecer a quem professa princípios de geometria muito variável. Acabam a defender tudo e o seu contrário ao sabor das circunstâncias.

Brexit: negociar a negociação

Diogo Noivo, 07.04.17

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Em regra, negociar é difícil. Negociar na arena política é especialmente difícil, sobretudo no plano internacional. No entanto, o Brexit está a levar a dificuldade de negociar a um novo patamar: não só é uma negociação difícil per se, como as partes não estão de acordo quanto à forma de negociar. Primeiro terão, portanto, que negociar a negociação. O Reino Unido defende que se trate da saída da União ao mesmo tempo que se negoceiam os termos de uma relação futura. Já Bruxelas não quer conversas paralelas e prefere uma abordagem sequencial. Se “Brexit means Brexit”, defende Bruxelas, então saiam e depois logo veremos em que termos colaboramos.

O artigo 50º do Tratado de Lisboa não ajuda a dirimir o conflito. Lê-se neste artigo que a desvinculação de um Estado-Membro passa por “um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União”. Ou seja, e mesmo sem especiais dotes de retórica, é possível defender que o artigo 50º autoriza as duas abordagens.

 

A União Europeia quer deixar claro que está a negociar a desvinculação do Reino Unido, e não os termos de uma futura relação. O discurso oficial argumenta que a negociação paralela contaminará os dois processos. Mas, na verdade, esta posição política pretende demonstrar que a Europa não está refém do Reino Unido. Como afirmou Donald Tusk, Presidente do Conselho Europeu, “teremos saudades. Obrigado por tudo e adeus”. Curto e seco.

Mais do que pundonor, para a União trata-se de uma estratégia negocial assente em dois objetivos: (i) definir condições de desvinculação que dissuadam outros Estados-Membros de pretensões de ruptura; (ii) reduzir a margem negocial de Londres – se os dois dossiers, saída e relação futura, forem negociados em simultâneo, o Reino Unido pode obrigar Bruxelas a fazer “horse trading”, o que evidentemente colide com o primeiro destes dois objectivos.

 

Theresa May não está impressionada. A Chefe do Executivo britânico afiançou que não chegar a acordo é melhor do que chegar a um mau acordo. O Governo britânico, além de desejar a margem negocial que Bruxelas lhe quer tirar, considera que uma negociação a dois tempos prolongará o clima de incerteza económica, em parte porque atrasará eventuais acordos bilaterais a estabelecer entre Londres e outras capitais. Para o Reino Unido, o Brexit é um processo make it or break it.

O drama é que esta postura parece ser para levar a sério. Simon Tilford, investigador no Centre for European Reform e um dos mais notáveis analistas de política europeia, considera provável que o Brexit acabe sem acordo e, dessa forma, com uma saída desenquadrada. Olhando para as projecções do FMI sobre as economias europeias, e em particular para as referentes ao Reino Unido, escreve Tilford que “[t]he forecast for the UK assumes that the British government succeeds in negotiating far-reaching access to the EU’s single market, which is unlikely. Indeed, there is probably a greater likelihood of negotiations between Britain and the EU breaking down, resulting in the UK leaving without any agreement in place. Under this scenario, the outlook for UK growth would be far worse than forecast by the IMF."

Extremar posições na fase inicial de uma negociação é normal e expectável. Mas continuar a extremá-las desta forma levará ambos os lados a um ermo do qual não poderão sair sem perder a face. O tempo passa, mas não saímos do Brexit à bruta.