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Delito de Opinião

O Affaire Coimbra (2)

jpt, 16.04.23

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(Após este postal e estoutro)
 
De Maputo continuam-me a chegar novas sobre o "affaire Coimbra". Agora mesmo um manifesto assinado por um grande rol de intelectuais (cerca de 260 pessoas) - alguns dos quais já li para grande aprendizagem minha. O texto é muito justo, convocando Estado e sociedade para enfrentar problemas graves e sempre descurados.
 
Mas é também interessante devido a outra dimensão do seu conteúdo. Pois é um enorme ditirambo contra o "Patriarca Genial" (assim nomeado) mas preservando-lhe léxico (e semântica), reclamando a continuidade de um legado teórico e de militância (mescla dita "activismo", no jargão de agora). E isso é interessante pois será o enterro definitivo nas ciências sociais do país do tópico da "reflexividade", essa crença (até autofágica) de que as condições pessoais e sociais dos investigadores infestam, e até determinam, o discurso analítico. Ora se neste caso é exactamente o contrário (pelo que centenas de intelectuais o assinam) então sintam-se os "mais-novos" livres dessa "maldição"... E os mais-velhos também, mesmo que "tóxicos", "brancos" ou poluídos por outras malfeitorias desqualificativas do mesmo teor.
 
Como está legitimada (e ainda bem) a "autoetnografia", deixo-me perorar nesse rumo. 18 anos em Moçambique, 1 na Bélgica. Outros 6 de facto confinado nos Olivais Sul e na margem Norte do Sado. Dou-me cada vez com menos gente, tanto devido à idade como, decerto, porque vários se terão cansado da minha vacuidade monótona (há quem lhe chame mau-feitio mas não é verdade). Ainda assim, tão afastado do rossio, fui v/lendo o ror de mesuras, de palcos atribuídos (e não só nos jornais mais ligados ao eixo PS-BE), de "respeitinho é muito bonito". E acima de tudo de silêncios críticos - e nisso não incluo polémicas de jornais, que são coisas de outra natureza. É evidente que não leio tudo mas neste quarto de século li 2 ou 3 dos melhores antropólogos nacionais cutucarem, um pouco a latere, as formulações do "Patriarca Genial". E noto com prazer 2 franceses que foram o suficientemente críticos, mas apenas centrados nas suas formulações sobre o percurso histórico português. O resto, repito, mesuras - em última análise "ele é genial mas tem destas coisas" como salvaguarda agora a primeira página do jornal "Público"... E silêncio. E agora mesmo os seus subscritores (até gente que o ombreou no patético gemido de que estava a ser criminalizado devido ao efectivo apoio à Rússia - tropelia a que dediquei um texto de blog que me saiu bem, dinamizado pelo nojo para com aqueles putinescos, o "Da Empáfia Hipócrita") acordam e vêm agregar-se na luta contra... "o patriarcado e o colonialismo". É evidente que a gente pode andar completamente distraída no mundo - mas então não se intitula (e assina) como "grande repórter" (como aqueloutra) ou "investigadora (de ciências sociais)".
 
Cerca de 2005 em Maputo um amigo tinha sido ofertado com dois exemplares de um livro com um bem esgalhado título kantiano. E ofereceu-me um. Era "A Crítica da Razão Indolente". Encetei-o com o tratamento que me é habitual, ler a introdução e, quando há, a conclusão. Fiquei estupefacto. Decerto que devido às minhas limitações intelectuais, porventura por ser também um "positivista" (e "branco" e "tóxico", mas na época ainda não era tão grave sê-lo). Na modéstia do meu calibre fiz aquilo que julgo apropriado a esta condição: escrevi um e-mail a um punhado de colegas que muito respeitava, perguntando-lhes "já leste o último livro do BSS?", com o intuito que algum(ns) me pudesse(m) iluminar, esclarecer, fundamentar aquilo, que me parecera um devaneio ideológico em formato de calhamaço. Uns não me responderam, outros não tinham lido. Mas um, antropólogo a que voto grande respeito intelectual (e muitas leituras), respondeu-me com um evidente carinho de mais-velho, num apenas: "não te metas com o Boaventura". Assim fiz.
 
Há algum manifesto que eu possa agora assinar?

Uma maionese

jpt, 14.04.23

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Sei que os meus amigos têm acompanhado com interesse os meus postais sobre temas gastronómicos. [Adenda para o Delito de Opinião: postais que coloco principalmente no meu mural de Facebook e alguns também no meu blog individual]. Assim sendo aqui regresso a essa matéria. Hoje com uma receita de maionese retórica, bem do agrado dos comensais... "alternativos".

"Os Princípios e as Práticas"

... comecei a analisar a crescente prevalência e maior visibilidade do poder cru em relação ao poder cozido [eu, jpt, detesto esses ditos "emoji" e por isso prefiro assinalar esta grosseira "apropriação cultural" da dicotomia do grande Lévi-Strauss com uns valentes !!!] tendo-me centrado numa das manifestações deste fenómeno, da vitória sobre o adversário ao extermínio do inimigo. Continuo agora a análise, centrando-me na segunda manifestação, a híper-discrepância (sic) entre princípios e práticas.

Uma Híper-Discrepância (sic)

A discrepância entre princípios e práticas é talvez a maior especificidade da modernidade ocidental. Qualquer que seja o tipo de relações de poder (capitalismo, colonialismo e patriarcado) e os campos do seu exercício (político, jurídico, económico, social, religioso, cultural, interpessoal), a proclamação dos princípios e dos valores universais tende a estar em contradição com as práticas concretas do exercício do poder por parte de quem o detém. O que neste domínio é ainda mais específico da modernidade ocidental é o facto de essa contradição passar despercebida na opinião pública e ser mesmo considerada como não existente.  (...)

Este mecanismo de supressão das contradições reside no que designo por linha abissal, uma linha radical que desde o século XVI divide a humanidade em dois grupos: os plenamente humanos e os sub-humanos, sendo estes últimos o conjunto dos corpos colonizados, racializados e sexualizados. 

Se é verdade que a contradição entre princípios e práticas sempre existiu, ela é hoje mais evidente do que nunca. (...)"

Boaventura Sousa Santos, "Os princípios e as práticas", Jornal de Letras, 17 de Novembro de 2021, p. 30.

O Affaire Coimbra

jpt, 13.04.23

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O "affaire Coimbra" já se disseminou na imprensa e no binómio FB-Twitter. Uma colega pela qual tenho simpatia e (muito) respeito - tanto que até ambiciono que tal seja recíproco - recomendara-me há dias: "não te metas nesse lamaçal". Mas a vertigem foi mais forte do que eu próprio, e deixei-me botar um texto - ao dia ainda um bocado elíptico - encimado pela imagem do grande Jason Robards, dando conta da minha diversão... Como nesse postal assumo "sou muito pior do que gostaria", e daí o meu ricto bem-disposto. As razões para tal eram pessoais mas agora, dada a panóplia de reacções, são mais diversificadas, assim mais... divertidas.

Enfrentam (a instituição coimbrã e alguns dos seus funcionários) um texto carregado de insinuações. Talvez sejam fundamentadas, talvez não. Mas são máculas prejudiciais às respectivas reputações - e por isso prefiro que o (decerto enorme) desconforto que agora sentem se deva a acusações infundamentadas, pois mais me deliciará que sintam o ferrete da injustiça e não o chamboco punitivo. Pois é gente que não se coíbe de fazer o mesmo (ou compactuar - como referi no tal postal anterior), insinuações - até se perversas e descabidas -, seja para se engrandecerem ou justificarem ou, pura e simplesmente, por desfastio. "Quem semeia ventos colhe tempestades", anda dito pela Bíblia ou outro qualquer clássico, "cá se fazem, cá se pagam" traduz o povo, esse que tudo sabe...

Há um quarto de século os meus amigos Gil e Cristina casaram. Ainda que convidado não fui à boda, tinha seguido há pouco para Maputo. Nesse sábado festivo, durante a tarde, recebi um telefonema de um grupo de velhos amigos, ali congregados - e já um pouco "acelerados", como era usual nessas ocasiões. A pergunta inicial, em verdadeiro coro, foi "Zezé, o que é que tu fizeste ao Boaventura?" e isto vindo de gente que nada tinha a ver com as ciências sociais nem nunca o lera... Pois na véspera o ilustre alterglobalista publicara uma página inteira na "Visão" a pontapear a minha instituição em Moçambique e a mim próprio - sem ter qualquer razão, como bem o sabia. Dir-se-á que ter uma página de revista com um célebre académico a dizer-me incompetente e relapso é menos grave do que levar no ocaso da carreira com uma onda de apupos por acusações de más práticas relacionais. Garanto que para um puto de 32 anos que se despediu para seguir para um bom emprego no estrangeiro tal não será evidente, e tudo aquilo se me afigurou letal. Daí a rajada de palavrões com que respondi aos meus amigos. Os quais logo terão seguido para mais umas rodadas e, depois, para alongadas danças. E eu terei ido até ao "Piripiri" ou à então "Bússola" beber um uísque e resmungar a vida e pensar como iria regressar à Pátria (António Hespanha tinha-me dito que eu poderia sempre voltar caso corresse mal... mas seria um grande "flop" pessoal). O texto doutoral, um chorrilho auto-laudatório e de imprecações descabidas, em particular sobre o meu chefe de então e sobre mim, chamava-se, nunca o esqueci, "Diplomortos e Etnocêntricos" - "etnocêntrico!?" resmungava eu, antropólogo. Sim, sei que todos somos etnocêntricos, condição inesgotável mas burilável - mas ser assim dito por quem acredita em "lusofonias" e "colonialismo de cama"? E terei bebido mais um uísque debruçado sobre essa temática... Depois disso nem um pedido de desculpa privado. Nem um ressarcir público.

Leio agora as reacções dos "insinuados" coimbrões - um joga a "carta racial", dizendo-se racializado vitimizado. O outro, veterano, conclui que a difamação que sofre se deve ao "neoliberalismo" que polui as solidariedades interpessoais. Isto é engraçado pois dá para perceber como estes "trunfos" são constantemente jogados, a despropósito, e vão sendo aceites pelos "bem-pensantes". Voltando atrás, àqueles tempos, presumo que tenha sido o "neoliberalismo" que levou Sousa Santos a usar as teclas viperinas contra um grupo de funcionários que, com todos os defeitos que poderiam ter, apenas não prejudicaram outros funcionários em deslocação de trabalho para o beneficiar a ele e aos seus coadjuvantes, fazendo-o poupar uns tantos dólares em quartos de hotel (despesas de projecto de investigação, que não do bolso pessoal, entenda-se bem...).

Mas voltando ao agora fervilhante e ao coro dos que assumem como verídicas as insinuações - acabo de ler a partilha de um texto de alguém que desconheço que, enquanto convoca Bourdieu (é alguém das disciplinas), considera que quem põe em dúvida o insinuado no texto é "positivista", saudoso da era em que "mandavam as estatísticas e os homens" (não se refere aos "brancos" mas isso deve ter sido esquecimento) e avesso às "prespectivas (sic, apesar do Bourdieu) feministas". Em mural muito respeitável leio um lamento que "os homens de esquerda" tenham estas práticas - deixando implícito que os homens de centro ou direita terão, por defeito, tais tendências. E as deixarão correr, até desabridas. Entretanto, à "direita" e ao "centro" é um festim, por evidentes razões ideológicas, tendo-se no entanto a infeliz tendência redutora para associar BSS ao BE - de facto esquecem-se que o académico divergiu e tornou-se também notório apoiante e até mandatário do MES, perdão, do LIVRE. E à "esquerda" afiam-se as cimitarras, impiedosas (aliás, lendo as redes sociais mais parece um confronto entre grupelhos m-l, a la PREC).

Há (mais) uma evidência que me faz sorrir. É que não vejo (se é que há) indivíduos a convocarem o direito à presunção de inocência. Eu continuo na minha, nada me obriga a seguir esse princípio. Aliás, a ética convoca-me (e talvez até a lei) a prescindir dele - morto e enterrado o malvado ditado "entre marido e mulher não se mete a colher" se eu vir constantes equimoses na vizinha devo seguir a presunção de culpabilidade do seu marido e avisar as autoridades. Não era assim quando eu era mais novo... A presunção da inocência é um princípio para as instituições, seu funcionamento, salvaguardando direitos fundamentais dos acusados. Ora essa destrinça, que deveria ser evidente, é muito esquecida.

E por isso me surpreende (minto, não me surpreende, apenas noto) a desfaçatez de vários locutores (académicos ou outros) que estão agora a saltar em cima dos "presumíveis inocentes", aludidos num artigo que é... muito fluido, de facto não passando de um diz-que-diz, por mais cativante que seja. Quando esses mesmos justiceiros passaram anos a defender - em jornais, rádio, televisão, blogs (os "jugulares" por exemplo) e mesmo inserindo-se em candidaturas partidárias - Sócrates. Sempre recusando a pertinência de "alusões" - imensamente documentadas, já agora -, sempre clamando, até mesmo após o estertor da proto-candidatura presidencial do prócere socialista, o direito à presunção da inocência do consabido presumível réu.

Enfim, para estes socratistas (socialistas, bloquistas, livristas) é mais imediata e necessária a punição sobre uns quaisquer que façam assédio sexual e moral do que sobre uns tipos que rebentem o país.

Deve ser isto o conteúdo profundo destas posições avessas ao "positivismo" e concordantes com as tais "prespectivas (sic) feministas". Salvem-se o feminismo e as ciências sociais de tamanhas atoardas e seus locutores.

Em suma, sou mesmo muito pior do que gostaria de ser - mas isso já é consabido pelos meus amigos, os visitantes do blog e os meus amigos-FB.

O "Público" e Boaventura Sousa Santos

jpt, 13.03.22

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Boaventura Sousa Santos publicou no "Público" (pelo menos) dois textos de opinião dedicados à invasão russa da Ucrânia. Nada do que neles escreveu diverge das concepções que nas últimas décadas vem pronunciando sobre as diversas matérias do mundo, e que tão queridas e aclamadas vêm sendo em nichos da intelectualidade portuguesa: uma filosofia da história de teor conspiratório, crente na "mão invisível" que tudo causa e comanda, a omnipotência dos omnimalevolentes Estados Unidos da América; um método particular, o manuseio por cardápio das realidades históricas (ditas como apenas "construídas" pelos observadores) para sustentar um discurso apresentado como progressista e que se embrulha como democrático - ainda que refute a "democracia formal"...

Nestes dois últimos textos essas condições estruturais lá estão patentes, mais uma vez. A sua paupérrima deriva pela monocausalidade, intelectualmente indigna - convém notar que até chega a dizer que a dissolução guerreira da Jugoslávia em 1991 se deveu a que os EUA não queriam que subsistisse um país europeu do Movimento dos Não-Alinhados (em 1991!!!), um perfeito dislate. Disparatada mundividência que o leva agora à simples responsabilização dos Estados Unidos da América, da NATO e das democracias liberais europeias pelo advento da guerra russo-ucraniana. E uma verdadeira hipocrisia, ao anunciar que desde há muito existia a necessidade de extinguir a NATO para fazer uma força militar europeia conjunta - sendo óbvio, sem ser necessária grande especulação, que se isso tivesse acontecido nas últimas três décadas, decerto que sob influência maior do par franco-alemão e implicando grande aumento de despesas na Defesa, Boaventura Sousa Santos e todos os seguidores viriam constantemente criticar esse esforço armamentista capitalista, imperialista e anti-democrático.

Enfim, e por mais que se possa discordar destas opiniões, nada do que ali surge é surpreendente para quem costume ler o autor. Aparentemente é mais do mesmo... Ainda assim esta abordagem, verdadeiramente descabida, à invasão russa abanou o "Público". Daí o violentíssimo editorial de anteontem, escrito pelo seu director Manuel Carvalho, ripostando explicitamente ao mestre conimbricense, coisa rara pois afrontando quem há tanto tempo segue do jornal colunista. E o título diz quase tudo, naquilo da "miséria moral"..., que abarca, é certo, outros componentes do eixo russófilo mas que, é evidente, se centra naquele autor.

Será de esperar que esta auto-crítica do jornal se possa alargar, afrontando outras derivas internas de extremo racialismo, também elas surgidas em roupagens "pós-modernas" e, ainda, "pós-coloniais". Que em nada perdem face ao seu velho mestre no que respeita à superficialidade demagógica e ao constante demonizar das sociedades democráticas. A ver vamos...

Para quem não conseguir ler a imagem aqui deixo a transcrição da inusitada crítica ao colunista do jornal: 

“A miséria moral da esquerda iliberal”

Manuel Carvalho 11.3.22, Público


 

O Professor Sem Medo

jpt, 02.02.22

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Na ressaca eleitoral, Boaventura Sousa Santos invoca-se húmus teórico do Bloco de Esquerda e sentencia a sua actual coordenadora, numa invectiva que se quer letal pois assumindo-se qual Professor Sem Medo face a uma afinal assim até salazarenta Catarina Martins - esta agora decerto que duplamente dorida, pela derrocada nas urnas e pela tonitruante reprimenda do Founding Father.

Mas o que me é relevante não são as querelas sucessórias ali decorrendo. E sim as interpretações sobre o acontecido. O dr. Ba, aclamado activista avesso ao "apartheid" português - como nos classifica um teórico do "racismo sistémico" (ou "estrutural") -, já elucidara algumas das mudanças no painel parlamentar, explicitando-as como a ascensão de uma "Nova Direita" qual a suspeitosa "alt-right" mais ou menos global. A qual, no seu elevado parecer, se traduz agora numa vintena de monos parlamentares fascistas, racistas e neoliberais. Esta interpretação não diverge muito da generalizada entre bem-pensantes, particularmente propensos à interjeição "neoliberal", esse apupo simplório que acalenta a demonização de tudo o que não seja arreigadamente estatista.

Aliás, algo a latere, recordo o que após a votação me disse uma queridíssima amiga ("que nariz, que nariz..."): "esses betos [IL, entenda-se] em quem votaste são uma distopia anunciada". Respondi-lhe, algo desabrido (mea  maxima culpa, piorada devido ao referido "que nariz..."), remetendo-a para a página do partido Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa, convocando-a a melhor reconhecer os traços da perfídia distópica, tão certeiramente denunciados pela Iluminista "esquerda" lusa. Mas recupero essa breve conversa porque me é exemplo de uma versão interpretativa sobre esta parcela da tal "alt-right", racista, fascista e neoliberal, portuguesa: a de que é um movimento de classe média alta, os tais "betos", assim nada desapossada mas apenas gulosa.

Ora o que agora é significante, e terá que ser integrado na análise sobre este movimento fascizante, é o contributo do Professor Sem Medo. O qual aparenta ter uma visão algo diversa. Pois Boaventura Sousa Santos enuncia as causas destes votos nos distópicos liberais. Para ele, estes não são votos ancorados em qualquer razão, numa avaliação mais ou menos ponderada da situação nacional e do seu enquadramento internacional, mesclando expectativas individuais com anseios para o país, num saudável patriotismo, mesmo que este erróneo ou até errático. Bem pelo contrário, os votos no tal partido distópico, são fruto da emoção, numa reacção irracional face à crise potenciada pela pandemia, sendo assim um fenómeno de "ressentimento" - um ressentimento de camadas sociais decerto que provocado por se encontrarem estas desapossadas, tanto em termos reais como de expectativas, presumo - que se reflecte num ressentimento invidual condutor das opções de voto, propiciador da adesão ao cruel culto do "darwinismo social".

Parece assim óbvio - e disso quero informar a minha queridíssima amiga, bem como alguns outros que com ela partilhem a interpretação do que vai acontecendo - que este distópico, fascista-racista-neoliberal, movimento de retórica liberal (a tal IL, recordo) não se limita aos tais privilegiados "betos". Ainda para mais se aceitarmos o óbvio, e tantas vezes repetido por sociólogos: isso de que Portugal continua a ser uma sociedade bastante estratificada, onde os privilégios de classe (os dos tais "betos") seguem impunes. Será, como o anuncia o Professor Sem Medo, um movimento irracional, desprovido de Razão, dos descamisados (ou, vá lá, "colarinhos brancos" puídos), ressentidos.

Há pois que actualizar, seguindo neste sentido, a interpretação do processo actual nacional. Pelos vistos é isto que a Sociologia nos ensina.

Trump e Hitler?

jpt, 09.01.21

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Há um mês, durante a campanha publicitária do seu novo livro, o jornalista e escritor José Rodrigues dos Santos falou com leviandade sobre a "Solução Final" nazi, o extermínio dos judeus (e ciganos, etc.). Gerou-se um coro indignado - ver por exemplo o artigo de Irene Flunser Pimentel; e as respostas de JRS às críticas recebidas (também eu botei sobre o assunto) - com aquela leveza, a medíocre incapacidade de perceber a especificidade de Hitler e seus milhões de sequazes, a sua "normalização" que JRS assim promovia. 

Leio agora, pois basto partilhado nas redes sociais, um texto do renomado sociólogo Boaventura Sousa Santos, "maître à penser" de vastos feixes da intelectualidade portuguesa: "Trump não tomará cianeto". Que surge imensamente mais leviano, indo muitíssimo mais longe nessa "normalização" do nazismo, na sua "banalização". No artigo vem o habitual (no autor) ditirambo contra os EUA, e para isso ali se compara - em retórica de "analogia" - Hitler e Trump, Himmler e Pence, os passos ocorridos no final do regime nazi com este final da presidência americana.

Nem vale a pena comentar o conteúdo. Mas é interessante, pois relevante, notar o silêncio crítico que uma "coisa" destas colhe. Tantos contestaram José Rodrigues dos Santos e todos se calam diante de algo muitíssimo mais intenso nesta "naturalização" do nazismo. Um silêncio que é muito significativo deste "pensamento crítico" em voga: há quem não possa espirrar que logo é apupado. E há quem diga as atoardas que quer, que logo é louvado (e "partilhado"). Chama-se a este seguidismo apatetado "epistemicídio". Pois trata-se do genocídio da análise crítica.

Adenda: A ligação entre EUA e a Alemanha nazi é um tópico nos escritos de Sousa Santos. Veja-se este texto de 2019: "Os EUA flertam com o direito názi" (sic).

Já agora, e porque este vem a talho de foice, não deixa de ser notável que o consagrado académico escreve sobre este "flertar" (de novo, sic) entre EUA e o nazismo a propósito das invenções de "inimigos internos" e não surja agora no mesmo molde a associar António Costa ao nazismo - pois também este cultor da imagem do "inimigo interno", assim tratando os sociais-democratas que lhe são críticos. É notável mas não surpreendente ...

Só Netanyahu segue Boaventura

Pedro Correia, 29.09.17

A Turquia, a Síria, o Irão e os EUA não alinham em referendos convocados à margem da legalidade internacional.

Já vieram, portanto, contestar sem rodeios a iniciativa de chamar os eleitores às urnas para validar o projecto separatista e a fragmentação da soberania de um Estado membro da Organização das Nações Unidas, com fronteiras reconhecidas pela comunidade internacional.

 

De Teerão vem uma condenação enérgica, concretizada desde logo num voto de rejeição aprovado pelo Parlamento iraniano.

Washington demarca-se desta "iniciativa unilateral".

Damasco não concede a menor validade à consulta referendária.

líder turco admite até desencadear uma acção armada para travar o separatismo posto em marcha com este referendo.

O Presidente iraquiano, por sua vez, é categórico: a Constituição do país impede a separação de qualquer das suas parcelas territoriais.

 

Apenas o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, apoia e aplaude o referendo independentista no Curdistão.

Só ele parece ter sido sensível às teses de Boaventura Sousa Santos e José Pacheco Pereira.

Grécia antiga (3)

Pedro Correia, 15.05.15

«A vitória do Syriza teve o sabor de uma segunda libertação da Europa. A primeira ocorreu há setenta anos, quando os aliados libertaram a Europa do jugo alemão nazi e puseram fim ao horror do Holocausto. (...) A ortodoxia tremeu, e o tremor da sua bancada subalterna foi, como era de esperar, o mais patético. No caso português, indigno.»

Boaventura de Sousa Santos, na Visão (5 de Fevereiro de 2015)

Obrigado, Syriza, por trazeres alegria a anciãos

José António Abreu, 30.01.15

Depois da tristeza que constituiu a perda da liderança do Bloco, estes são os dias felizes de João Semedo.

Depois da tristeza que constituiu a prisão de Sócrates, estes são os dias felizes de Mário Soares.

Depois da tristeza que constituiu o 'assassinato' dos Kouachi e de Coulibaly por parte da polícia francesa, estes são os dias felizes de Boaventura Sousa Santos.

A boa-aventurança

Rui Rocha, 18.01.15

Bom dia, senhor Terrorista. Espero que esteja tudo bem consigo, senhor Terrorista. Se me permite, senhor Terrorista, apresento-me. Sou agente das forças especiais francesas e estou aqui para o prender, senhor Terrorista. Mas não se enerve, senhor Terrorista. Estou certo que o senhor Terrorista tem imensas atenuantes que justificam ou até legitimam o incómodo que provocou aos caricaturistas do Charlie que acabou de despachar. Assim sendo, senhor Terrorista, não se importaria, gentilmente, de me entregar a sua arma? Ai, senhor Terrorista, que palavras tão feias que acabou de dizer. Ai, senhor Terrorista, não dispare assim a Kalashnikov que ainda acaba por me acertar. Olhe, ó senhor Terrorista, fazemos assim: eu tenho mesmo de disparar, mas vou fazer mira para a janela e o senhor Terrorista põe-se do lado da porta para eu não o atingir. E o senhor Terrorista pode continuar a disparar contra mim sem se magoar. Está bem, senhor Terrorista?

 

Ou, dito de outro modo, a desejável intervenção policial, segundo São Boaventura:

A resposta francesa ao ataque mostra que a normalidade constitucional democrática está suspensa e que um estado de sítio não declarado está em vigor, que os criminosos deste tipo, em vez de presos e julgados, devem ser abatidos, que este facto não representa aparentemente nenhuma contradição com os valores ocidentais