Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

'Artitectura': os mal-amados (22)

João Carvalho, 04.08.11

Torre Montparnasse,

Paris (França)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Torre Montparnasse (também chamada Torre Maine-Montparnasse), no bairro de Paris com o mesmo nome, foi erguida num terreno preparado em 1969. A primeira pedra surgiu em Abril de 1970, a obra ficou concluída em 1972 e a torre foi inaugurada em 1973. Tudo isto apesar da intensa polémica levantada logo de início.

Com efeito, já vinha dos anos 30 a contestação ao posicionamento da velha Gare Montparnasse e aos problemas de trânsito que ela gerava. Depois da II Guerra Mundial, com o país a recuperar e com a entrada em vigor do plano director da cidade em meados da década de 50 — que visava dar outro arranjo a toda a zona e facilitar o trânsito crescente — surgiram os primeiros projectos para uma torre assente no lugar da gare, torre vivamente criticada a partir de então pela altura excessiva que era proposta.

Em 1968, o projecto existente era apoiado por André Malraux, então ministro da Cultura de Georges Pompidou, o que contribuiu decisivamente para que a construção fosse em frente sem apelo nem agravo.

Os primeiros sinais no terreno começaram a ver-se ainda nesse ano e, no ano seguinte, 1969, o projecto final incorporava um centro comercial e a continuidade da grande polémica pública era definitivamente ignorada pela decisão das autoridades: a torre ocuparia mesmo o lugar da antiga gare, conforme a concepção dos arquitectos Jean Saubot, Eugène Beaudouin, Urbain Cassan e Louis Hoym de Marien.

Porém, os quatro arquitectos, ainda em 1966, já tinham estado envolvidos na construção da nova Gare Montparnasse, a algumas centenas de metros da anterior, e na desactivação e destruição da Gare de Maine, o que sugere um jogo de influências a favor da torre e dos seus autores.

Assente em fundações constituídas por um total de 56 pilares de betão armado que atingem os 70 metros abaixo do solo, parte deles com um diâmetro de 3,5 metros, a obra obrigou a construir um forte separador igualmente em betão armado no subsolo, a fim de proteger a linha muito próxima do metropolitano que passa em Maine e Montparnasse.

Com cerca de 210 metros de altura do chão ao topo, a torre foi o prédio mais alto de Paris e de toda a França durante vários anos, além de ter sido o edifício comercial ou de negócios mais alto da Europa até 1990, ano da inauguração do conhecido edifício Messeturm (à direita), em Frankfurt (Alemanha).

A Torre Montparnasse tem 7200 janelas em 40 mil metros quadrados de fachadas. No interior, contam-se seis andares abaixo do solo, que incluem um parque de estacionamento público, e 58 andares do piso térreo ao topo, com uma área média de 1700 metros quadrados cada piso. No total, são 30 mil metros quadrados destinados ao comércio (as lojas do centro comercial) e cem mil metros quadrados de escritórios (12 mil a 13 mil escritórios).

Além de cinco monta-cargas, a torre possui 25 elevadores destinados a diferentes grupos de andares. O mais rápido deles faz os 196 metros entre o rés-do-chão e o 56.º andar em 38 segundos, o que permite subir da rua ao apreciado restaurante panorâmico Ciel de Paris (à esquerda) a uma velocidade de 22 quilómetros à hora. Mais acima fica a cobertura (por cima do 58.º e último andar), que é um terraço (em baixo) com uma vista soberba a toda a volta sobre a cidade de Paris. Para cima do centro comercial, a entrada de visitantes está limitada precisamente ao restaurante no 56.º andar e ao terraço.

Há tempos, numa dessas top-listas editadas por marcas e títulos reconhecidos, a Torre Montparnasse aparecia em segundo lugar entre os edifícios mais feios do mundo. A mal-amada torre domina a cidade, estorva a harmonia urbana e está condenada a morrer sem deixar saudades. Mais: a destruição e substituição dela até já tem sido incluída em programas eleitorais de alguns candidatos à presidência do município da capital.

Entende-se que lhe destinem um fim inglório, visto que o edifício está situado num dos bairros típicos de Paris e consegue ser, simultaneamente, descomunal e desenquadrado, escuro e sinistro, omnipresente e indisfarçável. E também se entende por que motivo os parisienses gostam de subir ao seu terraço de tempos a tempos: é o único sítio onde os olhos se estendem sobre a cidade-luz sem verem o panorama invadido pela odiada torre...

'Artitectura': os mal-amados (21)

João Carvalho, 29.07.11

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Keret House,

em Wola, Varsóvia

(Polónia)

A Keret House está a ser instalada no distrito de Wola, em Varsóvia — e dizer "instalada" não é uma mera opção da escrita: trata-se da casa mais estreita do país (talvez da Europa, talvez do mundo inteiro) e não possui frente bastante para atingir a dimensão mínima prevista no código municipal para ficar registada como habitação, pelo que está autorizada apenas como simples "instalação" de arte.

O recente projecto do gabinete Centrala, assinado por Jakub Szczęsny, deverá estar concluído já em Dezembro deste ano e prepara-se para ser apresentado e candidatar-se a prémios de urbanismo.

Encaixada num reduzido, inútil, inestético e inexplicável vão entre dois prédios, a exígua moradia assenta numa áerea de 14,5 metros quadrados, com dimensões interiores que variam entre os 122 centímetros e os 22 centímetros. A casa, com um só postigo na frente e um respiro em cima, foi concebida para lugar de trabalho do escritor israelita Etgar Keret (à direita) — que reside em Tel Aviv e gosta de estar em Varsóvia — mas igualmente capaz de servir como habitação-estúdio para quaisquer visitantes, entre jovens criadores e intelectuais de diferentes origens que o proprietário habitualmente recebe.

Para lá das estruturas em betão que resguardam a construção, alguns acabamentos interiores são flexíveis e/ou escamoteáveis. As escadas possuem controlo remoto para se manterem recolhidas ou poderem ser utilizadas.

Com inspiração na tecnologia que se aplica em embarcações, a Keret House dispõe de equipamentos próprios que lhe garantem as necessidades básicas e a tornam independente dos sistemas urbanos de abastecimento. A excepção é a energia eléctrica, cujo fornecimento será proveniente de um dos edifícios vizinhos.

Branca por fora e por dentro, a "coisa" parece uma placa de esferovite caída no intervalo entre dois prédios. Contudo, como exercício de arquitectura, deve reconhecer-se que é invulgar. O morador só não pode adoecer, porque o sobe-e-desce escadas, se já não é fácil em habitações normais com mais do que um piso, neste caso limita perigosamente o próprio e até quem chegar de fora para lhe deitar a mão.

Pelo mesmo motivo, é pouco aconselhável a quem espera envelhecer: sem a fonte da juventude por perto, o melhor é procurar uma casa térrea (de simples rés-do-chão) que seja normalzinha. À medida que avança, a idade do ser humano torna-se pouco dada a fantasias que exijam grande esforço físico quando o corpo exige repouso.

Pese embora a graça de mostrar aos amigos (um de cada vez, claro está) uma propriedade tão insólita e inesperada, a Keret House ainda será mais mal-amada quando toda a gente começar a sentir inveja das sardinhas, que sempre são enlatadas em espaços mais amplos. Por falar nisso: quando o inquilino abrir uma lata dentro de casa, o cheiro a peixe há-de ser insuportável...

'Artitectura': os mal-amados (20)

João Carvalho, 13.02.11

Kowloon Walled City, em Hong Kong

A Kowloon Walled City é uma zona urbana delimitada do território de Hong Kong. (Ao contrário do habitual nesta série, este número não trata de apreciar uma construção ou edifício específico, mas sim um sítio, uma área intra-muros que fica em Kowloon, do lado continental da actual Região Administrativa Especial de Hong Kong, mesmo em frente à ilha de Hong Kong propriamente dita e nas proximidades do perímetro oeste do enorme porto de mar.)

Em meados da década de 70, a área começou a transformar-se. Foram surgindo edifícios de base quadrangular, prédios-caixotes encostados uns aos outros que cresceram como formigas em açúcar e sem o mais pequeno rasgo arquitectónico, pois mais não eram do que construções apressadas para abrigar o boom populacional registado na segunda metade do século XX. Além do desprezo arquitectónico, faltava-lhes qualquer padrão mínimo de qualidade e a área ocupada, que se alastrou como lume em gasolina, também nunca obedeceu a qualquer critério de urbanismo.

Foi preciso responder às necessidades galopantes à margem do senso comum, com construtores e empreiteiros deixados à rédea solta na ânsia da especulação, enquanto o preço do centímetro quadrado atingia valores impensáveis e sempre crescentes.

A par do pandemónio que se instalava, as famílias faziam obras de remedeio para se desenrascar e ainda imperava o mau gosto dessa população nova de origem rural e totalmente impreparada para viver num meio citadino que se oferecia simultaneamente atraente para os negócios e limitado pela fronteira próxima entre o território governado pelos britânicos e a China comunista. Quer isto dizer que ganharam rapidamente relevo milhares de modificações sem intervenção de arquitectos ou engenheiros.

A pequena cidade (uma espécie de cidadela, a bem dizer) tornou-se monolítica. Rebentava pelas suas costuras, nas ruelas e caminhos labirínticos (iluminados por lâmpadas fluorescentes, porque só raramente o sol chegava ao chão) cuja existência nem as autoridades reconheciam e muito menos controlavam. Passou a ser não só a morada da imigração ilegal, mas também de toda a ilegalidade: proliferavam bordéis, casinos sombrios, quartos alugados para consumo de ópio, postigos de venda de cocaína, tascos imundos a servir carne de cão e fabriquetas "secretas" dos mais variados artigos e imitações.

No início dos anos 80, estimava-se que a população na Kowloon Walled City rondaria os 35 mil habitantes, mas em 1984 já era de 50 mil, numa área que mal chegava aos 26 mil metros quadrados, o que representava uma das mais elevadas densidades populacionais à face da Terra.

Para os construtores, havia só duas regras a cumprir: o fornecimento de electricidade (para prevenir incêndios num labirinto em que os bombeiros não conseguiam mover-se) e o limite em altura de 14 pisos, por o (antigo) aeroporto estar muito próximo. A água era distribuída a partir das oito condutas existentes (embora pudesse haver mais a partir das encostas ali perto).

Em 1987, a solução já não podia ser outra: demolir a Kowloon Walled City, arrasar toda aquela tenebrosa zona delimitada. Mas da decisão à prática ainda passaram seis anos.

Depois da demolição, de 1993 a 1994, começou a nascer um parque nesse precocemente envelhecido e degradado antro do crime. Em 1995, era inaugurado o Kowloon Walled City Park. Num território cuja extraordinária paisagem urbana é do conhecimento obrigatório dos arquitectos de todo o mundo, bem que o parque fazia falta.

Só que ficaram por lá uns resquícios "para memória futura", porque ninguém se atreveu a deitar abaixo pequenos templos e coisas assim. Com a agravante de Hong Kong pós-britânicos passar por um novo boom dos que iludem as autoridades para viver a qualquer preço do lado rico da China.

Adivinham-se mais núcleos caóticos ao modo tradicional chinês. E não só no perímetro da Kowloon Walled City mal-amada, que estas coisas (como se viu) aparecem enquanto o diabo esfrega um olho...

'Artitectura': os mal-amados (19)

João Carvalho, 28.11.10

Jardine House, em Hong Kong

A Jardine House (ou Connaught Centre, ou Cheung Kong Center) é uma torre de escritórios na ilha de Hong Kong, no número 1 da Connaught Place, em Central, bem junto das águas do enorme porto de águas profundas. O projecto foi da Palmer & Turner, encomendado pela Hongkong Land Ltd., subsidiária do Grupo Jardines.

Trata-se da multinacional Jardine Matheson Holdings, com sede em Hong Kong, que opera nas Bermudas, está cotada em Singapura e em Londres e se movimenta em muitos pontos do mundo sob várias designações e marcas, um gigante do mercado que serviu de fundo ao filme Nobel House (realizado por Gary Nelson em 1988, baseado no romance com o mesmo título de James Clavell e com Pierce Brosnan no papel de tai pan, o grande patrão estrangeiro).

O edifício — que substituiu um prédio de 1948 com 16 andares da mesma empresa, mas situado noutra área — construído em 16 meses num aterro conquistado ao mar, com 52 andares e uma altura de 178,5 metros até ao topo, marcou o início da modernidade arquitectónica em Hong Kong: foi concluído em 1972 e inaugurado em 1973; até 1980, era o mais alto da Ásia. Foi também pioneiro de uma técnica que passou a tornar-se comum desde então na zona Central de Hong Kong, que consiste em acessos interligados entre as inúmeras torres aí erguidas. Com as vias quase exclusivamente destinadas ao trânsito frenético, poucos locais para estacionamento no espaço público e raros passeios para peões, o processo permite que as pessoas circulem de edifício em edifício (centros comerciais, hotéis, etc.) através de escadas e passadeiras rolantes, sempre no conforto do ar-condicionado.

Pelo lobby, no piso térreo, percebe-se que a frieza do ambiente corresponde à utilização de materiais de grande resistência e limpeza fácil, onde se encontram os elevadores (da Otis) e a respectiva caixa de escadas (da Schindler).

Nestas décadas recentes, os espantosos exemplos da paisagem urbana de Hong Kong, a par de Manhattan (Nova Iorque), são estudados em todos os cursos de arquitectura e têm feito muitas capas das melhores revistas da especialidade em todo o mundo.

Hoje em dia, a Jardine House está completamente diluída na mancha imensa e arrojada das enormes construções naquele território chinês "fundado" pelos britânicos e desenvolvido pelo comércio norte-americano internacionalizado. O edifício confunde-se e quase desaparece entre os monstros que o rodeiam, é certo, mas não era assim nos anos 70.

Portanto, não pode dizer-se que passava indiferente quando surgiu aos olhos admirados da população, com as suas janelas redondas (diz-se que são 1700 vigias) incapazes de disfarçar a massa cinza metálica que o sustenta. Essa admiração, na altura, oscilou entre um certo orgulho pela grandeza e alguma desconfiança pela ostentação.

Na sua primeira década, a Jardine House dos postigos redondos foi realmente um mal-amado, logo baptizado pela vox populi com um nome que me parece que só um chinês, com as suas metáforas e alegorias muito próprias, se lembraria de chamar-lhe (e que me dispenso de traduzir): The Building of 1000 Assholes...

'Artitectura': os mal-amados (18)

João Carvalho, 10.06.10

Monumento Nazionale a Vittorio Emanuele II

(ou Altare della Patria, ou "Il Vittoriano"),

em Roma (Itália)

O Monumento Nazionale a Vittorio Emanuele II (ou Altare della Patria, ou "Il Vittoriano") foi erguido no centro de Roma, em memória de Vittorio Emanuele II (1820–1878), o primeiro rei da Itália unificada, que era rei da Sardenha e filho do rei Carlos Alberto (que abdicou do trono a favor do filho e decidiu viver no Porto, onde morreu). Foi projectado em 1885 pelo arquitecto italiano Guiseppe Sacconi e as diferentes esculturas são da autoria de vários artistas de toda a Itália.

Inaugurado em 1911, só foi concluído em 1935. Para os especialistas, trata-se de um conjunto intrincado no alto da configuração já de si complexa de uma colina e constitui «uma terrível brutalidade» arquitectónica. Simultaneamente pomposo e gigantesco, encima o Monte Capitólio, uma das sete colinas de Roma.

Construído em mármore branco, com escadarias majestosas e colunas coríntias altíssimas, integra fontes, uma enorme escultura equestre de Vittorio Emanuele II e duas estátuas da deusa Vitória a conduzir quadrigas. A estrutura tem 135 metros de largura e 70 metros de altura; incluídas as quadrigas com as alegorias aladas, a altura total é de 81 metros.

O monumento abriga o Túmulo do Soldado Desconhecido (onde arde uma "chama eterna"), por baixo de uma estátua alusiva à Itália pós-Grande Guerra (ideia do general Giulio Douhet, estratega e visionário do combate aéreo), e o seu piso térreo é ocupado pelo Museu da Reunificação Italiana.

Nos anos 90, Carlo Azeglio Ciampi, 10.º presidente da Itália, abriu o Monumento Nazionale a Vittorio Emanuele II como um fórum público e miradouro privilegiado de Roma, para torná-lo mais popular entre os romanos e atrair mais visitantes. Com novos acessos e jardim, as obras de renovação acrescentaram-lhe em 2007 um elevador panorâmico que leva o público ao topo, de onde se colhe uma estupenda vista de 360 graus de boa parte da cidade.

No entanto, se a iniciativa presidencial de Carlo Ciampi atenuou alguns sentimentos pouco favoráveis, a reputação do Altare della Patria não subiu muito, pois a forte controvérsia que ele suscita já vem do início. Por bons motivos, diga-se: além de desmesurado e ostensivo (pode ser avistado de quase toda a cidade), a sua construção obrigou a destruir uma ampla área da simbólica colina do Capitólio com vastos vestígios medievais na vizinhança e constrasta violentamente com a traça e as cores sóbrias que caracterizam a antiga Roma envolvente.

Não admira, portanto, que os romanos nunca tenham acolhido pacificamente a grandiosidade excessiva do monumento e se refiram a ele como "a zuppa inglese" (v. foto à esquerda — um doce italiano de aspecto invulgar e origem incerta que a lenda aponta para a Corte inglesa de outrora), "o bolo de noiva", "a dentadura postiça" e outros nomes pouco abonatórios. O nome que mais pegou vem da II Guerra Mundial e foi dado pelas tropas norte-americanas em 1944, na invasão de Roma: "the typewriter" — "a máquina de escrever".

Não foi por acaso, certamente, que o filme The Core (Detonação), de 2003 (v. foto à direita — história de ficção em que o movimento de rotação da Terra cessa e se torna urgente encontrar um modo de reactivá-lo), escolheu "Il Vittoriano" para protagonizar uma das mais dramáticas destruições contempladas no guião. Só que o colapso não passou de um espectacular efeito visual...

'Artitectura': os mal-amados (17)

João Carvalho, 25.05.10

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tancící dum

(Dancing House),

em Praga

(República Checa)

A Tancící dum — ou Dancing House — é o nome de um edifício no centro de Praga, junto do Rio Vltava, projectado em 1992 pelo arquitecto checo Vlado Milunic e pelo celebrado arquitecto canadiano Frank O. Gehry.

  

Foi Gehry a baptizar inicialmente o prédio como Astaire & Rogers Building e ainda hoje muitos lhe chamam o Fred and Ginger, em memória da famosa dupla Fred Astaire e Ginger Rogers. Isto por se destacarem no edifício duas torres arredondadas que podem sugerir (com algum esforço) a metáfora: uma torre-macho, de ar elástico e encimada por um efeito de cabelo imaginário, e uma torre-fêmea (de vidro), magra e mais ondulante, que formam como que um par de dançarinos.

Os interiores são maioritariamente da arquitecta britânica de origem checa Eva Jiøièná e a obra foi inaugurada em 1996.

 

É preciso que se diga que a construção não sacrificou qualquer edifício histórico. O casarão pós-renascentista de finais do século XIX que ali existiu fôra destruído durante o bombardeamento de Praga por aviões dos EUA, a 14 de Fevereiro de 1945. Em 1992, o terreno ainda devoluto foi comprado pela companhia de seguros holandesa Nationale Nederlanden, que seleccionou o trabalho do arquitecto checo e para o qual foi pedida a colaboração de Frank Gehry, cuja intervenção incluiu as torres-dançantes.

A Dancing House é um edifício de escritórios, caro e apetecível, com um café e snack-bar e, na cobertura, um dos mais apreciados restaurantes da capital checa, o Celeste Restaurant, com a sua cozinha francesa e um terraço de onde se desfruta uma bela vista do rio, da cidade e do magnífico Castelo de Praga.

 

Há que reconhecer que o prédio tem a seu favor a volumetria, que não choca com as construções antigas que o envolvem. As pessoas já se habituaram à sua presença e os visitantes olham-no com um misto de estranheza e apreço. Não foi por acaso que a revista Time lhe dedicou o prémio da categoria de design em 1996. Contudo, durante a construção, gerou uma enorme polémica que varreu tudo quanto é comunicação social.

Não devemos esquecer-nos de que Praga — conhecida como a "cidade das cem cúpulas" e famosa pelo seu vasto património histórico e vida cultural a emoldurar as margens do sinuoso Vltava e das suas muitas e antigas pontes — tem um centro histórico classificado como Património da Humanidade pela UNESCO em 1992, precisamente quando o Fred and Ginger começava a sair do lápis para emparceirar com uma vizinhança conservadora. Por isso, a discussão foi longa e acesa, mesmo depois da inauguração e de ter sido cunhada uma moeda de ouro alusiva à obra.

Ainda hoje há quem insista em trocar-lhe o nome de Dancing House por Drunken House, designação pouco edificante que pegou e não descola...

'Artitectura': os mal-amados (16)

João Carvalho, 15.05.10

Palais Bulles, em Théoule-sur-Mer,

Cannes (Côte d'Azur, França)

O Palais Bulles é sobranceiro à baía de Cannes, em Théoule-sur-Mer, uma comuna francesa que pertence aos Alpes Marítimos, em plena região administrativa da Provença-Alpes-Côte d'Azur. Foi concebido pelo arquitecto finlandês Annti Lovag, pioneiro (nos anos 70) das chamadas casas-bolhas em ferrocimento, que permitem deixar de lado as divisórias verticais e respectivos ângulos e, supostamente, dão azo a um design de interiores mais flexível.

 

Trata-se de uma habitação com múltiplos corpos e desníveis que começou a ser erguida em 1975 para um industrial milionário, com 1200 metros quadrados de área de construção e 8500 metros quadrados de arvoredo, jardins e piscinas, tudo enquadrado pelas escarpas envolventes.

Porém, o industrial morreu antes da sua conclusão e a obra parou. Quem acabou por se chegar à frente, na década seguinte, foi o italiano naturalizado francês Pietro Cardin, mais conhecido como o estilista de alta-costura Pierre Cardin. Comprou a propriedade por 50 milhões de francos, em 1989, e ainda teve intervenção na adaptação do projecto e no evidente sublinhado da excentricidade a seu gosto.

Com o complexo terminado, Pierre Cardin passou a viver aí grande parte do ano e a receber muitos amigos, instalados principescamente nas amplas alas da casa. Começou também a aproveitar a propriedade para uma cintilante apresentação anual de novas colecções da sua cobiçada marca, na presença de muitas estrelas convidadas e não menos cobiçadas.

Há vários casos de habitações de idêntica concepção um pouco por todo o mundo e talvez outros exemplos ainda venham a esta série, como um que já aqui passou (v. Arquitectura: os mal-amados – 3), mas nada com a grandeza e extensão do Palácio Bolhas (é de supor que soe melhor em francês...) e a sua associação a Cannes, Cardin, Côte d'Azur, etc., nomes que deixam os olhos a brilhar e que geram naturais hesitações aos críticos.

É possível que isso justifique as palavras cautelosas dos poucos que se atrevem a tecer considerações "levemente" mais ousadas, do género "parece uma coisa de outro mundo" e "talvez não seja do mais bonito que há, mas ninguém recusaria passar lá uma temporada". Claro que não, porque é enorme, possui todo o conforto e a praia e o mar estão logo ali, depois do imenso portão.

Como palácio pós-modernaço, está suficientemente bem implantado para que a vizinhança (afastada) pudesse chamar-lhe mal-amado — e os convidados ainda menos. Mas sofre de todos os inconvenientes das bolhas: àquela ideia peregrina sobre a flexibilidade do décor interior opõe-se a óbvia dificuldade (ou melhor: impossibilidade) de encaixar mobiliário, equipamento e adereços que acompanhem as paredes (imaginem só a colocação de uma cama, do frigorífico ou de um quadro).

Já quanto ao arquitecto Annti Lovag pode contrapor-se o nosso Mestre Afonso Domingues: uma bolha em ferrocimento (apoiada por uma quantidade de paredes internas, por muito arredondadas que sejam) deve ficar um bocadinho aquém de uma abóbada gigantesca há seis séculos.

Em suma: o projecto é mais difícil do que juntar uns quantos balões, mas convenhamos que parece mais simples do que erguer mosteiros abobadados. De resto, na bela costa sul francesa há mais algumas moradias do género e o próprio Lovag tem uma casa-bolha na região, só que está à venda há uns tempos...

 

 

'Artitectura': os mal-amados (15)

João Carvalho, 14.04.10

Igloo, em Brice (Ohio, EUA)

Este igloo de imitação está em Brice, um vilarejo em Franklin County, região de Ohio. A própria promoção de Brice já deixa a desejar («An Early American Village»), mas a pretensa casa de gelo é o toque definitivo da falta de sentido.

Pouco mais se sabe sobre a ideia peregrina de erguer este casinhoto. Podia ser uma loja de gelados, podia ser um quiosque, podia até ser um lavabo público. Mas não: tem uma porta onde não devia ter, tem uma abertura ampla e abrigada com uma espécie de balcão onde devia ter a porta e tem um postigo, mas nada disso alguma vez se abriu. Nasceu como as ervas daninhas em redor e parece estar apenas à espera que arranquem aquilo dali para fora antes que comece a afectar a saúde mental das pessoas.

O mais espantoso é que a "casa de neve" tem ar-condicionado, como pode ver-se no exterior, além de um extractor e de um respiradouro de casa-de-banho (ou de uma chaminé tubular estreita) nas traseiras – se é que pode considerar-se que a construção tem traseiras.

Seria razoável concluir que as pessoas não lhe ligam, indiferentes à minúscula construção. Só que isso não é verdade: Brice não tinha mais de 70 residentes no ano 2000, não consta que tenha mudado por aí além e a incrível casa-obelisco está instalada num espaço largo e desafogado. Num meio assim pequeno, é impossível evitar que todos os olhares esbarrem com uma instalação sem qualquer utilidade e que detestam. E o caso não é para menos: basta vê-la em fotografia para qualquer eventual visitante se desviar e passar ao largo de Brice...

'Artitectura': os mal-amados (14)

João Carvalho, 21.03.10

Haines Shoe House, em Hellam (Pensilvânia, EUA)

Esta casa-sapato (ou casa-bota) é a Haines Shoe House e fica em Hellam, um lugar rural na região de York, Pensilvânia. Foi erguida em 1948/49 pelo coronel milionário Mahlon M. Haines, patrão da Shoe Wizard, uma cadeia com 40 sapatarias e muita publicidade, em Pensilvânia e Maryland.

A estrutura é em estuque e madeira, sustentada por rede de arame. Tem sala, cozinha, três quartos e duas casas-de-banho, distribuídos por cinco níveis diferentes. No rés-do-chão havia uma garagem, mais tarde transformada em loja de gelados. A casa deu o nome à via que lhe passa em frente, a Shoe House Road.

As janelas têm vidro temperado, com decoração alusiva, e à entrada está a figura do próprio Haines com uma bota em cada mão e os dizeres: "Haines – The Shoe Wizard".

A verdade é que Haines nunca viveu nesta casa. Em vez disso, começou por oferecê-la a casais de meia-idade para fins-de-semana românticos: 38 casais tiveram a sorte de ser contemplados por ele, que tinha fama de ser um benemérito. Mais tarde, passou a sortear fins-de-semana de sonho a casais em  lua-de-mel, com todo o conforto e serviço completo – tratados  como  "reis e rainhas" – entre os que tivessem uma  Haines Shoe Store na localidade em que morassem. Cada casal recebia ainda calçado de primeira categoria.

Depois de morrer, em 1962, foi comprada por um dentista, que passou a vender gelados, snacks e souvenirs na antiga garagem, até que a casa ficou muito deteriorada e foi fechada, no início dos anos em 80.

Em 1987, foi comprada em leilão por uma neta de Haines, que passou quatro anos a restaurá-la para ser uma pousada. Não chegou a abri-la e vendeu-a em 1991, quando passou a ser uma atracção turística e novamente a vender gelados. Voltou a ser vendida em 2003, com a condição de se manter aberta a turistas e o interior preservado como casa-museu. Finalmente, em 2007, foi restaurada e passou a integrar o programa das Hampton Inn's "Save-a-Landmark", uma cadeia hoteleira do grupo Hilton. Na loja, pode adquirir-se o livro The Life and Times of Mahlon Haines e o serviço no snack-bar incluiu petiscos  sugestivos, como "heelbasi" e "toedogs".

O terreno em volta da casa conserva elementos em forma de sapato: a casota do cão, o motivo colocado no portão, a caixa do correio, o campo de jogos e por aí fora.

 

Seria injusto dizer que a Haines Shoe House é vista com maus olhos, até porque está no campo. Ou seja: é uma bota ao pé de coisa nenhuma.  Mas representa um problema social sem solução: ninguém se sente muito atraído pela ideia de levar à boca (ou sequer ao nariz) um gelado ou um snack que sai de um sapato! Por isso, é  previsível que continue a mudar de mãos. Só não se prevê que mude de pé...

'Artitectura': os mal-amados (13)

João Carvalho, 06.02.10

Doris's Place, em Hackney (Grã-Bretanha)

O Dori's Place é uma pequena moradia recente, projectada pela Peter Barber Architects, que teve em vista o aproveitamento integral e maximizado de uma área minúscula. A construção assenta numa base cujas frentes opostas rondam os 4,5 metros e ergue-se em três pisos: rés-do-chão e dois andares, sendo o de cima parcial e descontínuo.

Embora lhe chamem "arte grega", tem todo o ar contemporâneo de uma casa urbana, com a sua fachada branca, cobertura elíptica e janelas irregulares. Possui um terraço descoberto ao nível do segundo andar interrompido, onde Doris (com Marian Lewis) junta os amigos quando pode. Estranhamente, a varanda avançada no andar de cima tem um piso transparente, o que não pode seguramente transmitir conforto a quem a utiliza e que deve constrastar com o mobiliário, descrito como quente e acolhedor.

 

Esta casa constitui uma espécie de unidade-cobaia a servir de exemplo para a criação de moradias numa zona urbana de grande densidade e que precisa de ser regenerada, de modo a integrar 650 quartos por hectare para agregados familiares numa área residencial, precisamente em Hackney, que fica a norte de Londres e tem fama de grande criminalidade.

Sejamos francos quanto ao projecto: o resultado é inovador, aproveita o espaço como um bem precioso nos meios urbanos e possui um certo charme. Por isso, seria injusto chamar-lhe um mal-amado típico. Apenas a vizinhança, nas suas casinhas tradicionais de bairro antiquado, ainda olha de soslaio para o que insiste em considerar uma aberração, um vírus intrometido.

Portanto, é muito capaz de se justificar que esteja na curta lista de candidaturas aos Prémios RIBA, instituídos pelo prestigiado Royal Institute of British Architects. Mesmo com os sérios inconvenientes que a descontinuidade da habitação implica... 

'Artitectura': os mal-amados (especial)

João Carvalho, 21.01.10

Casa-avião (Brasil?)

A casa-avião é suposto estar algures no Brasil. Pelo menos, a informação disponível dá-a como propriedade de um piloto brasileiro reformado, que a concebeu para uso próprio.

 

O interior, forrado a madeira, torna a habitação mais confortável e a ampla varanda sobre o que resta de uma asa permite desfrutar uma luxuriante paisagem litoral dos trópicos.

No entanto, a escadaria que conduz à entrada não há-de ser agradável para qualquer um e é provável que os ataques da diversificada bicharada tropical contribua para que as visitas achem a estadia inesquecível pelas piores razões. Igualmente provável é que seja muito sensível a ventos e tempestades – e não é por o trem de aterragem estar em baixo que irá pousar em terra com segurança...

 

O certo é que a casa-avião não passa de uma ideia infantil que apenas um piloto excêntrico levaria a cabo. Excêntrico e solitário, porque o aproveitamente da exígua largura da fuselagem obriga a passar de um quarto para o outro, com óbvios inconvenientes para a privacidade dos hóspedes.

Sejamos justos: a insólita moradia só não perturba o meio envolvente, visto que qualquer avião poderia ter acabado ali a vida dele. Se este não caiu ali, caiu ali um antigo piloto com uma fixação incomum.

Conclusão: pode ser uma graça, mas nunca será funcional e aceitável. Fica também por provar que, por não chocar com o ambiente florestal, não choque quem pensar que os restos mortais da pequena aeronave estão no local de uma possível tragédia. E chocar os mais impressionáveis é quanto basta para a graça ser de gosto duvidoso.

'Artitectura': os mal-amados (12)

João Carvalho, 20.01.10

Biblioteca Nacional da Bielorrússia,

Minsk (Bielorrússia)

A Biblioteca Nacional da Bielorrússia, fundada a 15 de Setembro de 1922, foi transferida para um novo edifício que levou cerca de dois anos a ser construído, inaugurado a 16 de Junho de 2006. A encomenda governamental manifestava o desejo de que fosse uma construção para deixar qualquer um embasbacado e que servisse de polo de atracção para turistas. O projecto ficou a cargo dos arquitectos Michael Vinogradov e Viktor Kramarenko.

O que nasceu foi um edifício carregado de painéis envidraçados, com 72 metros de altura e 23 pisos, que é um verdadeiro rombicuboctaedro, um sólido formado por oito triângulos e 16 quadrados, com uma iluminação do tipo led, de colorido variável, para ser visto a cintilar de noite. É, afinal, uma construção estranhíssima que assenta numa equação incongruente, com círculos viciosos, triângulos forçados e rampas em forma de asas.

O "Diamante", como muitos lhe chamam, não impede que se mantenha a tradição de ser o principal lugar de cultura e informação que a Biblioteca Nacional sempre foi (em particular, após a recolha de todo o material impresso, na sequência da II Guerra Mundial), o que faz dela a terceira maior colecção do espaço russo, logo atrás da Biblioteca Estatal Russa, em Moscovo, e da Biblioteca Nacional Russa, em S. Petersburgo.

Possui cerca de 8,3 milhões de títulos em diferentes suportes, que incluem um desenvolvido sistema tecnológico e abrangem os mais diversos temas, e é amplamente frequentada por boa parte da população (menos de dez milhões de habitantes): 90 mil bielorrussos são utilizadores regulares e consultam uma média anual de 3,5 milhões de documentos; recebe mais de 2200 pessoas diariamente e emite perto de doze mil documentos também por dia.

Para ser mais convidativo, o edifício fica junto do rio e está rodeado por um parque público, onde foi colocada a estátua de Francysk Skaryna, um erudito da primeira metade do século XVI que traduziu para bielorrusso a Bíblia, que assim se tornou a primeira obra impressa em alfabeto cirílico.

Um elevador panorâmico e um terraço no topo oferecem uma estupenda vista sobre o rio e sobre Minsk. Mas tudo isto e as boas condições interiores não disfarçaram a polémica que estalou na inauguração do incongruente "Diamante" feito biblioteca pública.

'Artitectura': os mal-amados (extra)

João Carvalho, 11.12.09

Casa na montanha

Esta pequena casa algures numa montanha tem a vantagem de obrigar à prática de exercício físico, como a escalada de encostas e a subida aos postes.

Todos os que se queixam das linhas de alta tensão que lhes passam perto de casa podem contar sempre com o meu apoio. Que ninguém se sinta só em tudo quanto seja lutar contra as decisões polémicas que afectam a nossa vida comunitária.

Porém, nesta quadra natalícia de tolerância e solidariedade, pareceu-me bem lembrar que há sempre quem esteja pior...

'Artitectura': os mal-amados (11)

João Carvalho, 04.12.09

Piano House, em Huainan (Anhui, China)

A Piano House está em Huainan, a segunda cidade da província de Anhui, na República Popular da China. Foi criada pelas autoridades locais com o objectivo de atrair mais investimento e maior desenvolvimento para a região.

O nome do edifício, como pode ver-se, prima pela modéstia, uma vez que, além do piano, há um violino transparente com uma escadaria e cuja decoração interior consiste numa exposição de projectos e ideias destinados ao futuro desabrochar da cidade e arredores.

Convenhamos que a construção é desajeitada: falta altura nas três pernas do piano, sobem-se muitas escadas para entrar e o violino que serve de quarto apoio ao chão é totalmente desproporcionado.

Porém, o maior problema é que não atrai investimento nem desenvolvimento. Os escassos visitantes apenas têm manifestado curiosidade e concluem invariavelmente que o insólito edifício ainda se torna mais controverso por estar plantado no "asshole of nowhere". Isto é, em bom português: está "no meio de nenhures", ou "no cu de Judas".

 

'Artitectura': os mal-amados (10)

João Carvalho, 28.11.09

Alvalade XXI,

Lisboa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Alvalade XXI é um complexo em torno do Estádio José Alvalade, do Sporting Clube de Portugal (SCP), que inclui ainda o Edifício Visconde de Alvalade (sede do clube), um centro comercial, um pavilhão desportivo, uma clínica e outros serviços. Foi projectado por Tomás Taveira e custou cerca de 154 milhões de euros, dos quais o estádio custou quase 105 milhões.

O arquitecto ficou conhecido por diferentes polémicas: as polémicas Torres das Amoreiras, o polémico Edifício Arco-Íris, dois outros polémicos estádios de futebol em Portugal, o polémico projecto para um estádio do Palmeiras em São Paulo (Brasil) e um polémico filme pornográfico amador rodado no seu escritório das Amoreiras e que uma revista promoveu a escândalo sexual nacional.

Alguém menos avisado que se aproxime da obra poderá achar estranho que a Selecção do Brasil tenha um estádio e, mais ainda, que esse estádio seja em Lisboa. São as cores do SCP, é certo, mas a aplicação de verde e amarelo é excessiva.

Tem de reconhecer-se que, se assumido o lado artístico da criatividade, um arquitecto é sempre polémico nos projectos (e nos filmes caseiros) que faz. O problema é quando se trata de um clube e muitos adeptos também torcem o nariz.

'Artitectura': os mal-amados (9)

João Carvalho, 28.11.09

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

The Obelisk,

em Puerto Maldonado

(Peru)

The Obelisk é um monumento com a altura de um prédio de cinco andares na City Plaza de Puerto Maldonado – um monumento de autoria anónima numa cidade pouco mais do que anónima, cuja única atracção é ser a terra mais importante do distrito de Madre de Dios e eventual ponto de partida para conhecer a Amazónia peruana em que se insere.

O topo do monumento permite observar toda a cidade – uma terra praticamente parada – e, sobretudo, para lá dela, espalhar a vista sobre a selva. O problema é que a subida lá ao alto tem de fazer-se com grande parcimónia, porque o espaço é pouco.

Cá em baixo, a base do obelisco é redonda e apoia uma coluna quadrangular com pretensões futuristas que termina no dito observatório exíguo e que mais parece um fungo dos trópicos nascido sem ser convidado.

Numa região em que faria sentido encontrar uma ruína dos incas, esbarrar com um conjunto piroso em que a base de apoio hostiliza a torre e o cabeção que lhe pesam é absurdo. Resta a tal vista, que não é de cortar a respiração a partir daquela altura modesta de cinco andares.

O protesto de quem abomina a obra nunca se fará ouvir longe, mas uma coisa é certa: além de ser um caso menor e de mau gosto como tantas outras, não passa de mais uma auto-celebração das vistas em redor que se plantam por todo o mundo. Podia ser mais alta e mais sóbria, simultaneamente, e deve ser por isso que custa tanto encontrar uma imagem decente deste hino aos fungos, por muito que se procure.

'Artitectura': os mal-amados (8)

João Carvalho, 25.11.09

 

Ed. Mirador,

em Madrid

(Espanha)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Edifício Mirador data de 2005 e está em Sanchinarro, uma zona suburbana de Madrid, para o lado norte. A concepção pertenceu ao MVRDV – um grupo holandês de jovens arquitectos com alguns trabalhos arrojados (quer temporários, quer permanentes) espalhados por alguns lugares do mundo – e à espanhola Blanca Lleó.

Trata-se de um bloco de habitação com 21 pisos e 165 apartamentos de nove tipologias diferentes. Os apartamentos estão organizados de acordo com cada tipologia, formando uma espécie de bairros dentro do prédio, pelos quais se circula como se o fizéssemos por uma espécie de arruamentos e que se distinguem no exterior e no interior por umas fantasias arquitectónicas e pelos tons: branco, uns cinzas, corredores e áreas comuns a vermelho. Só falta saber se é distribuído um manual de instruções à porta.

O edifício incluiu um enorme buraco na estrutura, cuja base constitui uma zona comum de lazer – uma espécie de terraço – com vista para a Serra de Guadarrama. Como a serra não faz 360 graus em torno do observador, o resto da vista não consta que tenha algum interesse. O que condiz com o inverso: quem estiver na serra a apreciar a vista para Sanchinarro, esbarra com uma estrutura em betão que tem um buraco e que não devia estar lá.

Com os seus 63,4 metros de altura, destaca-se definitivamente numa área em que a urbanização tem crescido a olhos vistos. Foi erguido junto de uma rotunda e serve de cortina de fecho a uma avenida que aí desemboca.

Se a ideia foi conseguir travar de todo a vista para lá da avenida, o resultado teve sucesso. Se o buraco foi para evitar a ideia de uma cortina, o resultado foi continuar a ser uma cortina gigantesca com um enorme rasgão.

'Artitectura': os mal-amados (7)

João Carvalho, 25.11.09

Secret Intelligence Service (SIS),

em Londres (Reino Unido)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vulgarmente conhecido por MI6, o Secret Intelligence Service acabou de celebrar em Outubro o seu primeiro centenário, instalado desde 1995 na nova sede, na Vauxhall Cross, em Londres. O projecto é de Terry Farrrell, que se aproximou do governo britânico em 1987 para ver se vendia a ideia. Na altura, o MI5 (que tem funções internas, ao contrário do MI6) procurava novas instalações e foi estudada a possibilidade de ter os dois serviços juntos, só que se entendeu ser arriscado que as duas instituições passassem a constituir um único alvo. Mas a primeira-ministra Margaret Thatcher, no ano seguinte, aprovou a reinstalação do MI6 e acabou por aparecer este bolo-de-noiva-armado-em-fortaleza, salpicado com um creme de corantes.

Sempre a lidar com crescentes exigências governamentais, o projecto foi revisto e a obra arrancou com as normas de segurança sofisticadas que foram impostas, parte das quais ainda são mantidas em segredo e encareceram substancialmente os custos. Por curiosidade: foram abolidas janelas e, a par de câmaras que espiam tudo o que se passa em redor, apareceu na base um fosso defensivo envolvente, com água e tudo, como nos castelos medievais!

O certo é que lá ficou pronto e recebeu o SIS em 1995, tendo sofrido um ataque a 20 de Setembro de 2000 (atribuído aos republicanos irlandeses) com um rocket russo RPG-22 anti-tanque, que atingiu o oitavo piso e não causou mais do que estragos superficiais.

Por sinal, o imenso prédio já apareceu em alguns filmes do James Bond (primeiro, até sem autorização para ser filmado e, depois, já nos créditos da ficha técnica): GoldenEye, 007 – O Mundo Não Chega, 007 – Morre Noutro Dia e Casino Royale. Diz quem sabe que só mesmo Bond conseguiria descobrir e pousar um helicóptero nas coberturas certas, tal é a profusão e variedade dos planos de topo.

Compreende-se o desgosto de muitos londrinos (e não só por lembrar um hotel de estância balnear): o insólito complexo parece uma construção feita por fases, tem uma volumetria gigantesca e mal distribuída por diversos volumes e ignora por completo qualquer enquadramento estético. Mais a mais, aquela área de Vauxhall, junto da ponte com o mesmo nome, é uma zona tradicional de habitação social que tem estado, nos últimos anos, a ser requalificada.

Ora, plantar tamanho edifício numa zona urbana sensível e, pior ainda, fazê-lo praticamente em cima do Tamisa – como um muro a tapar a vista da marginal para a água e vice-versa – para muito boa gente foi asneira grossa e jamais disfarcável. E quem é que aceita pacificamente que esteja de frente para o rio e que, do lado oposto, seja uma traseira virada à rua e não outra frente?

Por isso, os londrinos só não olham de soslaio para a casa-forte do SIS porque é impossível olhar para ela de outro modo que não seja com os olhos esbugalhados.

'Artitectura': os mal-amados (6)

João Carvalho, 24.11.09

Le Palais Idéal, em Hauterives (França)

O Palácio Ideal (Le Palais Idéal du Facteur Cheval) tem uma história insólita: Ferdinand Cheval (1836-1924) começou por trabalhar como padeiro, aos 13 anos, mas veio a ser carteiro; um dia, em 1879, disse que tropeçou numa pedra invulgar, que apanhou, e que se sentiu inspirado pela forma dela, pelo que voltou ao mesmo lugar no dia seguinte para apanhar mais pedras; nos 33 anos seguintes, juntou pedras que encontrava pelo caminho e levava nos bolsos, primeiro, num cesto, depois, e num carrinho de mão, mais tarde; muitas vezes, fazia-o à noite, com a ajuda de uma lamparina; pelas suas mãos e sem abandonar a profissão, foi construindo assim o que considerava a sua casa ideal, o seu palácio.

Durante cerca de 20 anos, levantou as paredes, ligando as pedras com arame, cal e cimento, e passou a seguir à profusa ornamentação. Com a casa pronta, fez saber que queria ser sepultado nela, mas as autoridades informaram-no de que não poderia ser. Foi então erguer um mausoléu no cemitério de Hauterives, em que gastou mais oito anos. Morreu no ano seguinte.

Nos últimos anos de vida, Cheval obteve o reconhecimento de surrealistas, como Pablo Picasso e André Breton, e Anaïs Nin destacou a sua obra num ensaio publicado. A casa é uma mistura impressionante de estilos (?) e de elementos decorativos, que incluem inspirações bíblicas e da mitologia hindu. Para muitos, é um exemplar ímpar de arquitectura naif.

Em 1969, o ministro da Cultura francês, André Malraux, decidiu proteger o Palácio e classificá-lo como património cultural. Passou a estar diariamente aberto ao público e, desde aí, recebe visitantes com regularidade. Por certo, vão menos para ver o nonsense do Palácio como casa de habitação e mais para observar o ideal sonhado por um homem solitário, ingénuo e obstinado.

'Artitectura': os mal-amados (5)

João Carvalho, 21.11.09

Pałac Kultury i Nauki (ou PKiN), Varsóvia (Polónia)

O Palácio da Cultura e Ciência perdeu o resto amaldiçoado do nome que já teve: Pałac Kultury i Nauki imienia Józefa Stalina. José Estaline mandou fazê-lo e disse que era uma oferta da União Soviética ao povo polaco. Foi construído entre 1952 e 1955 e passou a dominar Varsóvia dia e noite.

Espécie de bolo-de-noiva gigante (o "bolo russo", como lhe chamam os polacos), nasceu das mãos de Lev Rudnev, que o projectou como tantos outros arranha-céus russos da época, misturou-lhe renascentismo e uns maneirismos variados, juntou-lhe alguns traços polacos que colheu no caminho, deixou-o crescer desmesuradamente, salpicou-o com uma pitada de estalinismo q.b., enfeitou-o com o que lhe veio à cabeça e serviu-o bem quente.

O nome de Estaline foi banido com a "destalinização", mas a memória ficou: Varsóvia odeia o dador e a oferta. Não admira: o novo-riquismo disforme ditou que fosse, de 1955 a 1957, o edifício mais alto da Europa e ainda é o maior do país e o oitavo mais alto da União Europeia; o complexo Palácio abafa uma cidade cujo centro histórico, ainda por cima, é Património Histórico classificado pela UNESCO.

Durante a construção, 3500 operários russos foram instalados num bairro suburbano a expensas da Polónia – com cinema, restaurante, centro comunitário e piscina – e a obra registou 16 acidentes de trabalho mortais.

Depois da saída soviética, em 1989, o ódio esmoreceu e o impacto do complexo foi atenuado: recebeu no topo quatro relógios de 6,3 metros de diâmetro, em 2000, e os prédios erguidos entretanto alteraram a volumetria urbana. Mas será possível um dia gostar de tamanha aberração? Nunca: a sua omnipresença é uma sombra do passado odioso que ficou a pairar sobre a sofrida capital.