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Delito de Opinião

Sopesar os pesares

jpt, 20.03.18

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Um voto de pesar da Assembleia da República convoca-me a pesquisar se um análogo terá sido feito há alguns meses. No "dia da Paz" em Moçambique, data da assinatura do tratado de Roma em 1992, que estipulou o final da guerra civil, foi no ano transacto assassinado o presidente do conselho municipal (o equivalente à câmara municipal) de Nampula. Eu cheguei à cidade uns dias depois, percebendo o trauma generalizado que vigorava. Para mais, foi-me descrito o assassinato por um amigo meu que o acompanhava naquele preciso momento. Nestes últimos dias aconteceram as eleições autárquicas, com vista a substitui-lo.  

Procuro agora no Google se a Assembleia da República se pronunciou sobre aquele atentado. Nada encontro, após várias buscas. Presumo pois que o facto tenha passado ao lado das preocupações e das agendas parlamentares portuguesas. Dos pesares dos senhores deputados e respectivas direcções partidárias. Se assim é (se o Google não estiver a esconder alguma referência ao assunto ...) isto demonstra bem a mundividência de centenas de parlamentares e de alguns milhares de influentes luso-opinantes.

Ou sej, uma vereadora do município do Rio de Janeiro, segunda cidade do Brasil, país da CPLP, é assassinada ("brutalmente assassinada" é uma redundância, e isso poderia ser ensinado aos deputados), e a AR vota o seu pesar. O presidente do município de Nampula, segunda cidade de Moçambique, país da CPLP, foi assassinado e a AR ignora o facto, não expressa o "pesar". Se não o votou porque será? Porque é em África, lá onde os gajos se matam uns aos outros, a necessitarem de umas "campanhas de pacificação"? Ou porque não pertencia ao partido feminista? Ou porque era homem? Ou porque, raisparta, o homem era negro, não uma mestiça (mulata/parda), bom material para os estes racistas subscritores do ideário "one-drop" a afirmarem "negra" ("preta", no português brasileiro)?

O recente assassinato é lamentável e indicia um ambiente político tétrico no Brasil. Mas a minha questão, antipática, é a dualidade de critérios analíticos da totalidade da elite política portuguesa, expressa na reacção a estes dois casos. No afã demagógico de seguir o agit-prop de agora, a abjecta filiação ao "correctismo", mostra-se bem a hierarquia de significados, importâncias e solidariedades. E transpira, de facto, bem lá no âmago, o fedorento racismo colonialista. Por mais tralhas intelectuais, a coberto da patetice dita "lusofonia", que regurgitem.

Agora vão lá agitar as caudas no Can-Can gauchiste.

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