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Delito de Opinião

Sobre a "querida juíza"

jpt, 18.12.17

martelo.jpg

 

 

Nada sei sobre o caso de desavença que Patrícia Reis aborda neste postal, o "Minha querida juíza". Da senhora envolvida lembro que sempre me emocionou, por óbvio sex-appeal. Do cavalheiro lembro que li alguns livros dele, com muita aprendizagem minha. Não leio sobre o assunto, faço por não ouvir quando vem à baila. Mas o postal de Patrícia Reis trouxe-me algo à memória, sobre juízes portugueses. Há três anos, pouco depois de voltar a Portugal, passei por uma experiência tétrica. Dois polícias abordaram o condutor do carro em que eu seguia, por estar ele a re-estacionar sem cinto de segurança. Éramos quatro pacatos cidadãos, dois cinquentões, dois sexagenários. Eram 15 horas, numa muito calma zona da cidade. Fomos tratados como se estivessemos numa cena do Hurt Locker e nós os potenciais talibans ameaçadores dos marines ou similares. No final da actuação militarizada perguntei a que esquadra pertenciam porque iria apresentar queixa daquele comportamento e disse, em remate final, "isto é do caraças!". Fui algemado, detido, passei 3 horas algemado a um banco na esquadra, levado a Santos para me identificarem (as fotos de perfil, ritual que conhecemos do cinema e TV; impressões digitais; tatuagens - desta última busca isentaram-me, por especial favor). E fui convocado para ir a tribunal, acusado de injúrias à autoridade ("ide para o c....", foi a versão que os dois polícias apresentaram). Dois ou três dias depois lá fui. Passei um dia inteiro, acompanhado da amiga advogada pro bono, dos amigos testemunhas do caso, do amigo testemunha abonatória. Às 20 horas fui chamado à sala, onde me iriam comunicar ter sido o julgamento adiado. Entrei na sala, minha primeira vez num tribunal. Um funcionário público, ao fundo da dita sala, sentado atrás de uma mesa elevada, com ar de juiz, perguntou à minha advogada (a amiga ali pro bono) "onde está o José?". Ainda hoje lamento não ter tido a decência de lhe ter respondido aquilo que logo me veio à cabeça: "ó seu fdp o meu nome é Teixeira". Pois, e deixemo-nos de rodeios, de aceitações acríticas dos "novos usos", desta popularização do trato, só um "filho de uma nota de cem" (como antes se dizia), um qualquer Espírito Santo, adoptado na roda, é que se atreve a deixar cair o nome de família de um outro igual. Ou então um qualquer funcionário público, incompetente por incompreender que ganha o salário para me servir e não para se julgar acima de mim. Como aquele "sô dôtor juiz", como me habituei desde criança a ouvir chamar o meu avô, julgou e decerto julga.  Uns dias depois lá voltei a tribunal, mais uma vez acompanhado do quarteto de amigos. Defrontei uma juíza, lisboeta, trintona, alourada, típica e trivial. Também ela me deu o "José", ao que eu pensei, outra vez sem o dizer, "pdm". Depois de nos ouvir deu como provada a acusação dado, segundo teve o desplante de dizer, bem digna do epíteto que lhe havia dedicado, que se os dois acusadores tanto se contradiziam isso constatava que não tinham combinado uma versão o que garantia a veracidade das suas afirmações. Não bateu com martelo na mesa (como vejo nos filmes) mas deu-me uma marretada de 900 euros e, muito pior, bem muito pior, o de ter sido condenado em tribunal. Isto não tem nada a ver com o caso mediático Carrilho vs Guimarães. Em si não tem. Mas também tem muito. Porque mostra que os juízes são uns meliantes. Ao desrespeitarem aqueles para quem trabalham. Os réus, em primeiro lugar. Não nas sentenças, mas no tratamento prévio. E é preciso dizer-lhes isso. São funcionários públicos, servem-nos. E têm que meter isso na cabeça (por mais alourada e trivial que surja). Ou mudar de profissão.

 

5 comentários

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    jpt 18.12.2017

    Em abstracto tem V. toda a razão - eu no postal digo que ainda me arrependo de não ter feito isso (uso outros termos, de indignação, para desdoirar a pílula que estou a dar aos leitores do blog). Mas na realidade está a esquecer o contexto: eu (como a maioria dos vulgares cidadãos que acorrem ao tribunal) estava estuporado por toda aquela situação - falando verdade ainda hoje estou, ainda me altero quando recordo o caso (também por isso o postal que meti), ainda me afasto da polícia quando os cruzo nos átrios ou passeios. Não estou a exagerar, mudou-se-me mesmo o comportamento ("estiveste muito tempo fora, as coisas mudaram, agora não dá para falar com a polícia", foi o que me disse no dia do julgamento o marido da minha advogada, mui digno e nada cadastrado cidadão classe média de bairro central e burguês de Lisboa). Estava estuporado. Não estava treinado para enfrentar um tribunal - a minha primeira vez como participante (em Moçambique assisti a inúmeras sess\oes de outros tipos de tribunal, mas em trabalho). Em última análise estava assustado ("não digas nada ao juiz, amocha, ele vai-te condenar, vamos tentar o minimo possível", foi o que me disseram, todos os amigos). Não tive, nem com o juiz nem com a juiza, a frieza (a "decência", escrevi acima) de os colocar no lugar sociológico deles. O de meus funcionários. Que, insisto, têm a obrigação de me dar o nome de família - sem título algum, face à desejável equidade face à lei.

    Quanto à sentença, não sendo o assunto aqui, foi inenarrável. Mas era o que todos esperavam, não há volta a dar a estas manigâncias. O que me é relevante é este pequeno caso mostrar que o desrespeito no tratamento das pessoas é associável ao desrespeito que transpira das sentenças.
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    bst 19.12.2017

    Os juízes não são funcionários públicos.
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    jpt 19.12.2017

    É a sua opinião. Mas está errado.
  • Sem imagem de perfil

    bst 20.12.2017

    Não estou não. São titulares de órgãos de soberania e todo o esforço a fazer é para que se libertem de qualquer confusão com o funcionalismo público - confusão que eles mesmos por vezes parecem fazer.
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