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Delito de Opinião

Sexismo

João André, 12.05.14

Na semana passada estive num retiro de dois dias no qual as actividades, a estrutura e o futuro do meu departamento foram discutidos. Num dos dias esteve o director geral da divisão à qual o departamento pertence e o qual reporta directamente o CEO da empresa. Na sessão de perguntas e respostas que teve lugar, a certa altura falou uma colega minha, que eu ainda conheço mal, e antes da sua pergunta fez uma relativamente longa introdução ao tema que queria abordar.

 

A introdução passou em revista as actividades mais recentes, um processo de reestruturação do departamento e sua harmonização com o resto da divisão e terminou com um elogio a todas as actividades. Naquele momento só pude pensar que ela estava a tentar chamar a atenção para si mesma e estava a engraxar o chefe.

 

Só depois me surgiu outro pensamento: estaria essa minha avaliação errada? Estaria eu a ser sexista? Fiz um exercício simples e repeti na minha cabeça as palavras da minha colega mas dei-lhes a voz de um colega homem. A opinião ressoou imediatamente de forma diferente. Pareceu-me uma opinião sensata, uma introdução inteligente e pertinente para a(s) pergunta(s) e, mesmo discordando de partes da opinião, tornou-se perfeitamente possível respeitá-la.

 

A conclusão foi óbvia: fui de facto sexista. E isso incomodou-me profundamente. Sempre tentei respeitar todas as opiniões de igual forma e fiz sempre os possíveis para defender as oportunidades das mulheres. Tentei também ser sempre sensível às diferenças entre homens e mulheres, que existem. No entanto naquele momento fui tão sexista (felizmente apenas na minha cabeça, já que não exteriorizei a opinião) como o pior dos machistas.

 

O problema - espero - não estará em mim mas no sistema que existe e que é o resultado de centenas de anos. Em sociedades unicamente masculinas que as mulheres têm conseguido penetrar lentamente, uma determinada forma de pensar e agir torna-se dominante. Mesmo as mulheres que atingem determinados postos elevados têm muitas vezes que se conformar a essas atitudes e segui-las, ao mesmo tempo que as tentam ir mudando lentamente.

 

Não é um processo rápido, antes será possível através de muitos esforços conscientes e inconscientes. Na sociedade em geral é possível determinar a igualdade por decreto, mas isso é impossível nas mentalidades dominantes, mesmo que o tentem de forma consciente. A luta em busca de uma igualdade de facto continua e continuará. Naquele dia fiquei consciente que provavelmente não lhe verei o fim.

2 comentários

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    João André 12.05.2014

    Já passei exactamente pelo mesmo processo: fui contra as quotas porque apenas criariam ressentimento entre os homens e fariam avançar mulheres apenas por o serem. A experiência tem-me no entanto demonstrado que as mulheres são rejeitadas também por o serem mesmo quando não há a mínima intenção de o fazer. E isto não sucede apenas no acesso a posições, mas também - diria: principalmente - no trato diário, no ignorar de ideias, rejeitar posições, menosprezar sucessos, etc. É por isso que concordo que as quotas são importantes. Mesmo que mulheres menos competentes acabem por subir, pelo menos provocarão um certo hábito de as ver. E, mesmo sendo incompetentes, poderão ser uma vantagem: os homens verão que as mulheres podem ser tão competentes ou incompetentes como qualquer homem. Apenas de forma diferente.

    A autocrítica existiu de facto porque a constatação daquele pensamento me chocou. É algo de estranho. Já várias vezes me vi perante situações em que fiz tentei avaliar se teria sido preconceituoso (raça, sexo, opiniões, etc) mas raramente notei que o tinha sido de facto até este ponto.
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