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Delito de Opinião

Séries do ano (6) - Penny Dreadful

Diogo Noivo, 25.10.16

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Ambientada na Londres dos finais do século XIX, Penny Dreadful junta sob o mesmo tecto ficcional personagens lendárias, produzidas pela literatura da época, como Dorian Grey, o Doutor Jeckill e o Mr. Hyde, Victor Frankenstein e as suas criaturas, e ainda figuras míticas saídas da pena de Bram Stoker, como Mina Harker, Dr. Seward, e Renfield. Nesta série de televisão, o Reino Unido do século XIX fornece os personagens e o ambiente cénico, mas também o título: “penny dreadful” foi o nome pejorativo dado à literatura popular publicada em pequenos fascículos e com periodicidade semanal, pequenos livrinhos vendidos por um 'penny'.
Muito embora reúna todos estes personagens temíveis num só guião, Penny Dreadful não é uma sucessão de episódios de terror puro, cheios de efeitos especiais, mas sim uma história dramática que explora os limites e as contradições de personagens que não inventou, mas aos quais soube dar novas cores sem os descaracterizar. Este ponto é aliás um dos aspectos mais fortes da série. As personagens são feitas de conflitos internos, de antagonismos íntimos, narrativamente explorados com inteligência, sem cair no lugar-comum do personagem atormentado, e respeitando a estrutura original das criaturas saídas da literatura do século XIX.

 

A criatura de Victor Frankenstein é um bom exemplo do sucesso da série no equilíbrio entre a inovação e o respeito pelo molde original dos personagens. Leitor voraz, dono de um vocabulário digno de Shakespeare, a criatura de Frankenstein é tal forma apaixonada por poesia que escolhe para si o nome John Clare, em tributo ao poeta britânico do século XIX. A violência e bestialidade que caracterizam o monstro encontram na literatura um freio, que pouco a pouco lhe devolve a humanidade perdida com a morte. É uma criatura tão bruta quanto sensível à arte, tão sanguinária como capaz de actos de uma compaixão e de um amor desarmantes. Como é bom de ver, a versão da criatura de Frankenstein que nos é apresentada na série Penny Dreadful é bastante respeitosa com aquela que Mary Shelley escreveu em 1818.
O desenrolar da história não é de todo previsível ou fácil, mérito de bons guionistas e de grandes actores. De resto, em matéria de actores, quase todos britânicos, é de salientar as excelentes interpretações de Eva Green (que se não foi já protagonista na série Belle Toujours é uma falha imperdoável), de Timothy Dalton (foi um mau James Bond, mas não é mau actor), de Billy Piper, de Simon Russell Beale, e sobretudo de Rory Kinnear. Sobra, como em todos os elencos que integrou, o actor americano Josh Hartnett.
A terceira e última temporada foi emitida este ano. A abordagem conservadora dos criadores e dos produtores à extensão da série foi um sinal de inteligência raro na indústria de televisão. As audiências permitiam a continuação da saga, mas isso distenderia a história muito para além do que era estritamente necessário. Ao ficar-se pelas três temporadas, Penny Dreadful é perfeita do ponto de vista narrativo. Conta o que tem que contar, explica o que tem que explicar, desenvolve os personagens e o guião na medida justa. Produzida por Sam Mendes (realizador de American Beauty, Jarhead, Skyfall e Spectre), Penny Dreadful é uma série sombria e arrojada. Foi uma das surpresas mais agradáveis da televisão em 2016.

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