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Delito de Opinião

Reflexões europeístas (9)

Pedro Correia, 20.05.14
 
O apogeu do modelo social europeu alicerçou-se entre 1950 e 1980  em espectaculares taxas de crescimento económico e de produção industrial na Europa (na década de 60 o produto francês aumentou em média 5% por ano, enquanto em Portugal e Espanha crescia 6% e na Irlanda 4%, no mesmo período). E deveu-se também à contínua renovação de gerações face à elevada taxa de natalidade. E ao afluxo de matérias-primas baratas, oriundas dos mercados coloniais. E -- pormenor que convém não esquecer -- ocorreu antes do controlo do mercado internacional do petróleo pelas chamadas nações emergentes. E quando mais de dois mil milhões de pessoas -- residentes para além da cortina de ferro e da cortina de bambu ou nos países subdesenvolvidos -- permaneciam à margem do mercado globalizado do trabalho, incapazes portanto de concorrer com os trabalhadores deste lado do planeta.
Tudo isso acabou.
 
Vivemos hoje num mundo pós-colonial, caíram os diques no velho império comunista. A época é já outra.
O "progresso" não nos trouxe só a internet, a pílula do dia seguinte, a televisão por cabo e a easy jet. Trouxe a globalização também no domínio laboral: largas dezenas de países entraram nas últimas duas décadas em competição directa e acesa com a Europa, que deixou fatalmente de estar no centro do mundo.
Um modelo em crise numa Europa em crise? Certamente. Em meio século, o índice de fecundidade caiu quase para metade, de cerca de três filhos por casal em 1960 para 1,6 em 2013. Em 1980 havia no espaço europeu mais 36 milhões de crianças do que reformados, hoje existem mais seis milhões de reformados do que crianças. Com o número de contribuintes para a segurança social a cair e as despesas de saúde a aumentar num continente onde as pessoas com mais de 65 anos deverão ser 22,5% do total de habitantes já em 2025.
Não há sistema de segurança social que resista à implacável dureza desta demografia em declínio. Por algum motivo chamamos Velho Continente à Europa.

Eis-nos portanto num espaço crepuscular, onde cada vez menos cidadãos financiam o estado social, o que conduz fatalmente a uma escolha que é de natureza política mas não pode deixar de ser condicionada por parâmetros financeiros para além dos quadrantes ideológicos: haverá aumentos consecutivos da carga fiscal ou novos cortes nas prestações sociais?
O resto é quadratura do círculo. Ou cenários de alquimia.
Enquanto não descobrirmos petróleo temos de viver com as receitas que gerarmos. A menos que regressemos ao ciclo infernal da dívida & do défice que nos coloque de novo nas mãos dos prestamistas internacionais e nos reconduza a esta apagada e vil tristeza em que começamos por perder o respeito alheio e acabamos por perder também o respeito por nós próprios. Ficando assim à mercê do primeiro candidato a "homem providencial" que se apresentar em palco munido de impecáveis credenciais populistas. Sem um cavalo branco, como o do Sidónio. Mas a galope acelerado, ao ritmo a que a História dos nossos dias se processa.

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