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Delito de Opinião

PS: tanto barulho para quê?

Pedro Correia, 05.06.14

 

1. Há uma 'vaga de fundo' no PS que pretende usar António Costa para um projecto que jamais será o dele.

 

2. Alguns socialistas já cortaram com o PS tradicional, o PS histórico, o PS de centro-esquerda, o PS do memorando, do Tratado Orçamental, da responsabilidade financeira. Basta ver o registo das votações parlamentares: esses socialistas votaram ao lado do Bloco de Esquerda, no Parlamento, em diversos momentos cruciais ao longo da legislatura. Por outras palavras: um partido que vale hoje só 4,5% nas urnas, mesmo numa eleição que potencia o voto de protesto, lidera do ponto de vista estratégico esses socialistas que pretendem transformar o PS naquilo que nunca foi nem jamais será.

 

3. Mesmo assim, existe a intenção deliberada de moldar o maior partido da oposição portuguesa à semelhança de um Syriza ou um Partido de Esquerda francês ou um Die Linke alemão, aproveitando a recente deriva esquerdista de Mário Soares. Não por acaso, Soares recusou fazer campanha pelo PS nas europeias enquanto autorizava a difusão da sua imagem nos cartazes de propaganda eleitoral do Syriza. Dando assim caução intelectual aos expoentes daquela ala.

 

4. Tendo um certo revanchismo socrático como aliado e alguns órgãos de informação como marcos instrumentais nesta estratégia, de que são peças complementares o fragilizado BE, por um lado, e o novíssimo Livre, por outro, esses socialistas que aspiram à formação de uma frente de esquerda sob a palavra de ordem "não pagamos" e sonham queimar a efígie da "senhora Merkel" na praça pública só necessitam de uma figura de proa que os represente. Soares está excluído, pela sua avançada idade. José Sócrates é um has been. Francisco Assis pertence à ala oposta: alguns no PS até têm pesadelos só de imaginar que um dia o partido poderá vir a ser liderado por ele.

 

5. António José Seguro - que contou sempre com um grupo parlamentar profundamente hostil - serviu enquanto nada havia a fazer senão carregar tijolo após o partido ter ficado quase reduzido a escombros nas legislativas de 2011 e não havia novas eleições no horizonte.

 

6. O calendário político potenciou o ataque ao poder interno. E agora todas as armas valem, começando pelas tentativas de assassínio de carácter vindas de alguns aliados conjunturais de outrora: esta é uma das piores características da política e explica em grande parte a péssima reputação de que gozam os partidos junto dos portugueses.

 

7. Resta Costa. Essa ala socialista de matriz lisboeta e urbana chic, muito activa nas redes sociais, mobiliza-se agora contra Seguro na esperança de que o ainda presidente da câmara de Lisboa sirva de bandeira à mirífica "unidade de esquerda" sempre perseguida e nunca alcançada desde a Revolução dos Cravos.

 

8. Mas podem desenganar-se. Costa jamais será o Tsipras ou o Lafontaine ou o Mélenchon desta facção. E, até por experiência muito pessoal, está vacinado desde há muito contra a tentação de formar "frentes de esquerda", que se destinariam apenas a abrir um fosso talvez irreparável entre o PS e a generalidade dos portugueses.

 

9. Ser em 2014 o que Manuel Serra esteve a um passo de conseguir em 1974, satelizando o PS às forças situadas à sua esquerda? No way. Costa jamais cometerá tão clamoroso erro. Desde logo por saber que nunca conquistará o poder sem conquistar o centro.

 

10. Neste ponto, pelo menos, Seguro e Costa convergem. E, convenhamos, o essencial é isto. O resto são jogos florais de alguns incapazes de entender a política para além da lógica de trincheira, estribada em confrontos de personalidades. Como se as ideias não importassem. Mas importam. E o que intriga no confronto em curso no PS é este mesmo: palavras a mais, ideias a menos. Tanto barulho para quê?