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Delito de Opinião

Abundância de políticos, escassez de estadistas

Pedro Correia, 20.08.14

 

O que distingue um estadista de um político mediano? Fundamentalmente, a capacidade de ter razão antes de tempo. Há exemplos clássicos nesta matéria, mas nenhum tão expressivo como o de Winston Churchill, que ao longo da década de 30 foi praticamente a única voz relevante a chamar a atenção no Reino Unido para a necessidade de encarar a Alemanha de Adolf Hitler como uma ameaça mortal. Sabe-se o que aconteceu: Churchill foi ridicularizado por todos os presumíveis sábios do momento. Nenhum político daquela época acabou por ser tão vilipendiado  como ele. Acusaram-no de tudo – de belicista a louco – por ousar romper o consenso em torno do dogma da “paz” a qualquer preço.

Churchill, a notável biografia escrita por Paul Johnson e editada em Portugal pela Alêtheia, descreve bem o que foram esses tempos de persistente cegueira em Londres perante a escalada guerreira de Hitler. O Partido Trabalhista britânico manteve-se teimosamente contra a adopção de medidas preventivas. “Opomo-nos terminantemente a todo e qualquer processo de rearmamento”, declarou na Câmara dos Comuns o futuro líder trbalhista, Clement Attlee, em Dezembro de 1933, 11 meses após a subida dos nazis ao poder. E só mudou de posição seis anos mais tarde, ao eclodir o maior conflito bélico de todos os tempos. Seria depois vice-primeiro-ministro no Governo de unidade nacional liderado por Churchill durante a guerra.

Até os primeiros tiros serem disparados, a cegueira persistiu: abundavam políticos, escasseavam estadistas. “Gostaria de encerrar todos os postos de recenseamento militar, dissolver o exército e desarmar a força aérea. Gostaria de abolir os horríveis equipamentos de guerra e de dizer ao mundo: ‘Façam o que quiserem’.” Esta foi uma mensagem eleitoral do líder trabalhista, George Lansbury, na campanha para as intercalares de Junho de 1933 – quatro meses após o incêndio do Reichstag.

Paul Johnson enumera outros exemplos. O lorde trabalhista Clifford Allen, ex-director do jornal Daily Herald, afirmou-se “convencido” de que Hitler alimentava “um desejo genuíno de paz”. O arcebispo Temple, de York, elogiou o “grande contributo” do chanceler nazi para “a paz e a segurança”. Lord Lothian, futuro embaixador britânico nos EUA, foi ao ponto de invocar o Tratado de Versalhes imposto aos alemães em 1919 para justificar, “em grande medida”, as perseguições que já então se verificavam aos judeus. “A ala pacifista do clero, que era dominante, fundou uma União de Apelo à Paz” pedindo aos britânicos a recolha de “assinaturas pela paz” – iniciativa que obteve um estrondoso sucesso, assinala Johnson.

Entre os notáveis detractores que Churchill teve durante a década de 30, em que alertou os britânicos para a necessidade de rearmar o Reino Unido, destacam-se John Maynard Keynes e Bertrand Russell. O primeiro, já com Hitler no poder, justificou perante a opinião pública em Londres a atitude dos alemães, apontando o dedo acusador ao Tratado de Versalhes, que procurou impor uma "paz cartaginense" a Berlim. Russell, um pacifista de sempre, preferiu traçar cenários de horror no caso de um suposto ataque nazi à capital britânica: "Bastam 50 bombardeiros de gás para envenenar Londres inteira", declarou em 1934. Estes intelectuais prepararam o terreno para a "paz com honra" assinada por Neville Chamberlain com Hitler em Munique, 11 meses antes do início da II Guerra Mundial.

"Teremos a desonra - e a guerra", alertou Churchill. Cheio de razão antes de tempo.

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