Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Pacheco e a "excepção" comunista

Pedro Correia, 15.12.16

mw-860[1].jpg

 Foto: Fernando Veludo/Lusa

 

O recente congresso do PCP em Almada foi a expressão mais acabada de um acto litúrgico transposto para a política: nada se discutiu, nada se pôs em causa. Todos os delegados se sucederam na tribuna, numa coreografia pré-estabelecida com rigor mecânico, repetindo a velha litania comunista sem o mais leve sobressalto de dúvida.

Foi um congresso que terminou no momento em que começava. Porque tudo já estava decidido de antemão. Para fora do "partido com paredes de vidro", na expressão algo irónica de Álvaro Cunhal, nada transpareceu - aliás com a lamentável cumplicidade de um jornalismo complacente.

 

Registou-se debate interno sobre o adiado processo de sucessão de Jerónimo de Sousa?

Houve críticas à notória subalternização do PCP na impropriamente chamada "geringonça"?

Terão soado alertas perante a contínua descida do partido nas sondagens à custa do PS?

Mulheres comunistas ter-se-ão atrevido a contestar a absurda menorização de género na cúpula partidária, incluindo o Comité Central, onde a representação feminina ronda os 26%?

Escutaram-se vozes de perplexidade perante a acumulação de um  rico património imobiliário no partido que diz representar os pobres?

Alguém terá arriscado insurgir-se contra o facto de o PCP figurar na primeira linha da defesa desse controverso privilégio que isenta igrejas e partidos do pagamento do IMI?

 

Perguntas que permanecem sem resposta.

Nem um sussurro a respeito de qualquer destes temas se escutou no congresso de Almada: o PCP subsiste em larga medida à margem do escrutínio mediático, o que constitui um atestado de incompetência ao nosso jornalismo político, bafejado com a surpreendente condescendência de Pacheco Pereira, em regra tão exigente na necessidade de conferir transparência aos mecanismos de decisão política, não apenas em Portugal mas ao nível das estruturas comunitárias.

Dois pesos, duas medidas.

 

"O PCP não pode ser analisado com os mesmos critérios dos outros partidos. Tem que se usar outro tipo de critério para o PCP, que não é propriamente um partido político: é uma comunidade muito especial, com códigos próprios", declarou há dias o biógrafo de Cunhal no programa Quadratura do Círculo, da SIC Notícias. Caucionando com estas suaves palavras o manto de silêncio que envolve os comunistas, embalados nas certezas do materialismo dialéctico, do determinismo histórico e dessa espécie de fatalidade biológica que impede um burguês de adquirir "consciência operária".

Como se a tribo vermelha permanecesse imune às paixões humanas. Como se ali não houvesse o que existe nas restantes forças partidárias, por vezes até em doses reforçadas: divergências políticas, animosidades pessoais, carreirismo militante, lutas pelo poder, anátemas à dissidência.

Como se o dever dos jornalistas não fosse iluminar o que é obscuro - seja na burocracia de Bruxelas, seja na oligarquia partidária em Lisboa. Sem excepções de qualquer espécie.

8 comentários

  • Sem imagem de perfil

    lucklucky 14.12.2016

    "Se o PCP escolhe não ter discussões em público e apresentar-se de forma perfeitamente unânime, é lá com ele."

    O PCP é um Partido, logo representa um lobby que pretende afectar a vida de todos os Portugueses - aliás é o partido que pretende afectar mais a vida de todos os Portugueses - por esse motivo o seu comportamento não são lá com "ele".
    Como e porquê defende o que defende, como se chegam a decisões, como são tratados quem perde e quem discorda do poder tudo é importante saber.
  • Sem imagem de perfil

    Conde de Tomar 14.12.2016

    " aliás é o partido que pretende afectar mais a vida de todos os Portugueses"

    Uma coisa é querer, outra poder. Se o país está como está procurem os responsáveis noutro lado que não o PCP.

  • Imagem de perfil

    Pedro Correia 14.12.2016

    É verdade. O PCP está muito melhor do que o País. Um exemplo: dos 146 membros do Comité Central não há um só desempregado. Há até 53 "operários" (incluindo Jerónimo de Sousa, Arménio Carlos e o ex-candidato presidencial Francisco Lopes), sete "intelectuais" (denominados assim mesmo) e 25 "empregados".
    http://www.pcp.pt/comite-central-do-pcp
    Ninguém no desemprego. É obra.
  • Sem imagem de perfil

    Conde de Tomar 14.12.2016

    Dúvida:
    Os 7 intelectuais incluem-se no operariado? Segundo me lembro os comunas não gostam da palavra intelectual, sozinha.

    Bom o PSD também está melhor que o país (ex: José Luís Arnaut, na Goldman Sachs - ainda lá está?; Maria Luís na Arrow, qualquer coisa; Durão Barroso, naquilo; Dias Loureiro, naquele outro; Duarte Lima, um Lucky Luck;)
    O PS também não está mal (Pina Moura, na Iberdrola; O delfim Vitorino, no BCP, e mais umas centenas de empresas; Armando Vara, no peixaria....)
  • Imagem de perfil

    Pedro Correia 14.12.2016

    Apenas no PCP "empregado" é profissão: e são vinte e cinco, só no Comité Central.
    O que dirão os sete intelectuais disto?
  • Sem imagem de perfil

    ozymandias 15.12.2016

    hmmm sim, é realmente estranho que um partido que se identifica como "partido dos trabalhadores portugueses", tenha maioritariamente trabalhadores no seu comité central.
    estranho estranho, its a mistery for the ages.

    Para comparação, uma procura superficial nos outros partidos mostra que nos seus órgãos de decisão estão repletos de desempregados, donas de casa e sem abrigo, tais como .... e..... e ainda ..... enfim é só exemplos.

    No comité centra do pcp há no entanto um montador de caixilharia, o que convenhamos dá jeito para montar a geringonça e uma auxiliar de educação, para aturar as birras da direita.ecléctico e funcional!

  • Imagem de perfil

    Pedro Correia 15.12.2016

    Vinte e cinco "empregados", como se "emprego" fosse profissão, serve apenas para disfarçar quem lhes paga o salário: o partido-patrão.
    Espero que tenham bons delegados sindicais para não se deixarem explorar.
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog tem comentários moderados.