Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Os órfãos de Estaline no PCP

Pedro Correia, 07.11.17

2009web_russians-vote-for-stalin_1920x1080[1].jpg

 

Imaginemos que um dirigente de um partido português elogiava Hitler: seria justamente vergastado no tribunal da opinião pública. E o que sucede quando um dirigente de um partido português elogia Estaline, "talvez o maior torcionário da história universal", como hoje o classifica Viriato Soromenho-Marques no Diário de Notícias?

Nada. Não acontece nada.

 

Na edição de domingo do mesmo jornal, um histórico membro da nomenclatura do PCP, Albano Nunes, afirma em entrevista que  "Estaline não tem só aspectos negativos, tem aspectos positivos".

Vale a pena assinalar: quem assim fala é alguém que esteve 42 anos no Comité Central, entre 1974 e Dezembro de 2016, e permaneceu 28 anos consecutivos no Secretariado, órgão de condução efectiva dos destinos do partido, tendo assumido durante décadas a responsabilidade máxima pela secção internacional dos comunistas portugueses.

Albano Nunes diz em voz alta aquilo que a maioria dos dirigentes do PCP pensa a respeito do tirano que conduziu à morte pelo menos 20 milhões de pessoas e aperfeiçoou os mecanismos de terror lançados na vasta Rússia por Lenine, faz hoje cem anos. Instaurando a censura, interditando o pluralismo político, subjugando as mais ínfimas células sociais à bota totalitária do Estado, asfixiando metade da Europa sob o domínio militar de Moscovo, condenando populações inteiras à fome e transformando o país num imenso campo de concentração onde os detidos eram despojados de todos os direitos cívicos e de toda a dignidade humana.

 

O mesmo olhar comovido e complacente pela chamada Revolução Soviética e pelo seu inesgotável cortejo de crimes surge esta manhã, ainda no DN, pela pena do secretário-geral do PCP. Sem um assomo de dúvida ou sobressalto, Jerónimo de Sousa derrama-se em elogios pelo "acontecimento maior da história da humanidade, que inaugurou uma nova época", "lançou as bases de um nova sociedade sem a exploração do homem pelo homem" e possibilitou "a instauração de um verdadeiro e genuíno poder popular".

O líder comunista chega ao ponto de distorcer clamorosas evidências históricas, ao anotar que "no final da década de 80 a URSS encontrava-se na vanguarda em diversas tecnologias, possuía um terço do total de médicos do mundo e a mais baixa taxa de mortalidade do planeta", e ao enaltecer a defunta União Soviética - então sob o mando férreo de Estaline - por ter "enfrentado sozinha durante três anos a besta nazi-fascista e os seus exércitos".

Jerónimo confunde a Rússia com o Reino Unido, que - esse sim, sob o comando de Churchill - combateu as legiões nazis enquanto o déspota do Kremlin assinava o pacto de não-agressão germano-soviético que lhe permitiu partilhar com a Alemanha os despojos da Polónia, garantindo dois anos de amabilidades diplomáticas trocadas com Berlim, entre Agosto de 1939 e Junho de 1941.

 

Leio estas referências dos órfãos ideológicos de Estaline e uma vez mais me interrogo o que pensarão disto alguns destacados militantes do PCP que conheço e respeito. Pessoas como o deputado António Filipe, o ex-deputado Honório Novo, o ex-líder parlamentar Octávio Teixeira, o escritor Manuel Gusmão ou o antigo secretário-geral Carlos Carvalhas.

Estarão confortáveis com esta persistente apologia de um regime criminoso celebrado como libertador pelo partido a que pertencem? Não sentirão pelo menos um vago incómodo ao detectarem o fantasma de Estaline vogando entre as paredes opacas da Soeiro Pereira Gomes?

5 comentários

  • Sem imagem de perfil

    Vlad, o Emborcador 07.11.2017

    "no final da década de 80 a URSS encontrava-se na vanguarda em diversas tecnologias, possuía um terço do total de médicos do mundo e a mais baixa taxa de mortalidade do planeta"

    Faltou-me falar sobre aquilo:

    Segundo as estatísticas, de um qualquer Organismo Internacional, no Nepal a taxa de mortalidade, por acidentes rodoviários, é das mais baixas do planeta

    No Etiópia o número de casos de diabetes e doenças metabólicas, associadas, à obesidade são, em termos quantitativos, dos mais baixos do mundo.

    E isso diz-nos que devemos copiar a Etiópia e o Nepal quanto as temáticas em questão?





  • No princípio da década de 80 estive na URSS .
    Bonito por fora e podre por dentro. Era apenas importante mostrar em grande. Os Gum em Moscovo, o expoente máximo da sociedade comunista, as lojas do povo, estavam vazias de comida, tal como o país. As filas para limões (!!) e vodka eram intermináveis. Ikra do bom, só nas Berioskas e tinha que ser pago com divisa, assim como as entradas no Bolshoi e no Kirov. Tudo Dólar, Marco, Franco ou Libra. Não bebi leite sem coalho nem café sem borra. Carne e peixe ... enfim. No hotel davam 1/4 de laranja por pessoa, o que era considerado um luxo. A água da torneira não era para beber... se calhar nem para banhos... Era baça e escura... desde os candeeiros da rua aos magníficos painéis, quadros, baixos relevos , etc, das estações do metro, tudo era pintado "por cima" em sucessivas camadas brilhantes para mostrar ao povo a magnificência de um regime herdado do "paizinho", do grande homem que deixou apodrecer a raiz das suas crenças, transformando -a apenas em fogo de vista.

    PS. ainda vi o Lenin, ou seja, vi de passagem, olhos baixos e mãos postas e casaco abotoado até ao queixo. Isto para quem a religião é uma droga é um brutal paradoxo. E vi o Gorbashov no Teatro, porque "comprei" por 5 USD dois lugares de camarote.
    Salvou-se Sr. Petersburg ( Leningrad na altura), a alegria das gentes e as White nights.
    Curioso que depois de serem massacrados pelos alemães na WWII, tenham escolhido precisamente o alemão como 2a língua...
  • Sem imagem de perfil

    Vlad, o Emborcador 07.11.2017

    Dulce, não há nada como ver. Nas
    matérias humanas conhece-se vendo. E as misérias vistas descobrem-se com o corpo todo.
  • Um dia destes conto-lhe como "comprámos" o comboio que nos trouxe de St. Petersburg de volta a Moscovo, à troca de isqueiros cricket canetas BIC, uma Parker, um punhado de pastilhas eslásticas e um par de calças Levi's.
    E também da dificuldade que tivemos em "despachar" os Rublos que fomos obrigados a comprar porque nem para comprar pretzels os aceitavam, habst du dolá?
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog tem comentários moderados.