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Delito de Opinião

O eucalipto e a luta de classes

Pedro Correia, 22.07.17

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A história dos eucaliptos, no discurso geringoncês, substituiu o tradicional paleio da "luta de classes" com essas árvores a representarem a "classe opressora" e as putativas espécies autóctones a figurarem como "classe oprimida", ressaltando-se a necessidade de plantar uma floresta "patriótica e de esquerda" que expulse e puna a espécie invasora.

Vai daí, ensaia-se o assalto ao palácio de Inverno em plena canícula, com aquelas árvores folhosas a fazerem o papel do czar derrubado pelo proletariado em luta. São árvores colonialistas e capitalistas: além de serem originárias da Austrália, servem fundamentalmente para produzir pasta de celulose, utilizada no fabrico de papel: é um grande negócio para a indústria do sector, aliás elogiadíssima por Sua Excelência o primeiro-ministro.

«Tal como está previsto desde 2015, na estratégia florestal nacional, a área prevista para a plantação de eucaliptos permitirá responder àquilo que é a procura crescente por parte da indústria, permitindo aumentar a produção de pasta e de papel» , declarou há seis meses António Costa. Não há seis anos, notem, mas apenas há seis meses.

O eucalipto alimenta o segundo maior circuito exportador português, que tem como destinatários 118 países - motivo acrescido para ser combatido e dar espaço a árvores proletárias, portuguesas de gema. Árvores como o carvalho, que produz a deliciosa bolota - produto comestível e talvez (quem sabe?) de elevado valor nutritivo também para o sector exportador nacional.

 

É curioso verificar como estas coisas mudam. No século XIX, quando começaram a ser plantados os primeiros eucaliptos em Portugal, dizia-se que eram árvores quase milagrosas. Como em 1920 anotava Jaime de Magalhães Lima, botânico e pioneiro do  vegetarianismo em Portugal, era vista como uma espécie que «crescia rapidamente, multiplicaria milagrosamente a riqueza florestal em proporções descomunais, povoava os desertos, sofria toda a inclemência da atmosfera e do solo, purificava os lugares insalubres, livrava das febres paludosas, dava madeira excelente para todos os fins, rebelde à podridão, e destilava óleos, essências e medicamentos preciosos».

há cem anos, segundo o mesmo especialista, «a cultura do eucalipto» se havia tornado «corrente» em Portugal: «Hoje, o eucalipto vende-se nas feiras à dúzia e ao cento como as couves, enterra-se depois pelo meio dos matos em covachos abertos a esmo, e nesta barbárie, com estes cuidados elementares por demais resumidos, vinga, se o terreno lhe agrada e a humidade atmosférica o favorece».

Nos dias que correm, noutras paragens, não falta quem elogie o eucalipto por ser um instrumento activo de combate ao efeito de estufa devido à sua capacidade de reter dióxido de carbono: cada árvore "sequestra" 20 quilos anuais de CO2 e um hectare de eucaliptal jovem retém cerca de 35 toneladas de gás carbono por ano. O que talvez devesse reponderar algumas posições de ambientalistas, mais vermelhos que verdes, que o encaram como sinistro símbolo da exploração florestal.

 

Alguns alimentam até a fábula que os incêndios em Portugal só ocorrem onde existem eucaliptos.

O problema, como acontece com muitas fábulas, é a sua falta de adequação à realidade.

Há uma semana houve um grande incêndio em Moura, no Alentejo, numa zona onde não há eucaliptos e o sobreiro é a árvore largamente dominante.

Logo a seguir, o brutal incêndio de Alijó, em Trás-os-Montes, confirmou como o fogo arde também de forma devastadora onde não há eucaliptos.

«Desta vez, o Governo não vai poder desvalorizar o incêndio de Alijó com a mesma negligência com que menorizou o assalto em Tancos. O pinhal que este fim-de-semana foi destruído no planalto do meu concelho era feito de árvores antigas, grandes, de enorme valor económico e ecológico. Era o pulmão verde da região, onde passei muitas tardes de Outono a apanhar cogumelos silvestres caminhando sobre uma manta húmida e fofa de musgos, onde as giestas e os tojos tinham por vezes dificuldade em sobreviver na penumbra permanente das copas frondosas», escreveu Manuel Carvalho no PúblicoUm artigo que devia ser lido por todos quantos, confortavelmente instalados em Lisboa, pretendem "reorganizar" a floresta portuguesa a partir de preconceitos ideológicos e lugares-comuns. E que, com toda a coerência de que um lisboeta é capaz nesta matéria, olham para as árvores apenas como espécies decorativas, destinadas a "embelezar a paisagem", dissociando-as por completo do seu potencial económico e do seu valor comercial como fonte de receitas e de emprego em regiões pobres e deprimidas do País.

O discurso anti-eucalipto tem servido para os cabeçalhos da imprensa e a mais desenfreada demagogia política em voga neste Verão. Mas nenhuma verdadeira reforma da floresta pode ser feita assim em Portugal.

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