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Delito de Opinião

O dia mais longo da minha vida

Pedro Correia, 11.09.16

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Faz hoje quinze anos ocorreu o dia mais longo nas vidas de muitos de nós. Uma data que poderia passar à História como o "dia da infâmia" se essa designação não tivesse sido escolhida por Franklin Roosevelt para reagir ao cobarde bombardamento de Pearl Harbor pela aviação nipónica, em 7 de Dezembro de 1941.

Parecia uma tranquila terça-feira de Verão como qualquer outra em Nova Iorque. Mas aquele 11 de Setembro de 2001 - quando o século XX terminou de vez e este século teve o seu verdadeiro início, afogado em estilhaços e cinzas - assinalava afinal uma fronteira histórica.

Daqui a centenas de anos os herdeiros dos nossos herdeiros evocarão esta data como nós hoje lembramos a queda de Constantinopla (29 de Maio de 1453, outra terça-feira) ou a tomada da Bastilha (14 de Julho de 1789, também numa terça-feira). Uma data que fez vacilar, talvez para sempre, as linhas divisórias que críamos imutáveis entre segurança e liberdade.

 

Naquela trágica manhã, as Torres Gémeas do World Trade Center - símbolos do orgulhoso poderio financeiro norte-americano que pareciam desafiar o céu com a sua aura de fortalezas inexpugnáveis - desmoronaram-se como pedras de dominó. E pressentimos logo ali que um pedaço da nossa existência mudaria para sempre. A era global tornava-se também na era do terror sem fronteiras nem barreiras, à mercê dos caprichos homicidas de uma guerra insidiosa que passou a ter por palco os mais inesperados e banais pontos do quotidiano de qualquer de nós. Uma estação ferroviária, um bar, um autocarro, um hotel, uma praia, uma avenida, um templo, um pátio de escola.

O casamento do mais impiedoso fanatismo ideológico com a tecnologia de vanguarda consumava-se ali, naquelas torres em chamas - prelúdio de muitos outros incêndios que devastariam tantos países na década e meia subsequente. Com múltiplos pontos negros em cidades mártires: Londres, Madrid, Paris, Istambul, Bombaim, Bagdade, Moscovo, Haifa, Jerusalém, Ancara, Beirute, Riade, Cabul, Grozni, Bruxelas, Tunes, Mombaça, Davao, Casablanca, Carachi, Charm el-Cheik, Amã, Mossul, Islamabade. E nas ilhas de Bali, Djerba e Mindanau. E na Península do Sinai. E no Quénia. E na Nigéria.

 

Estava em casa à hora do almoço e assisti a tudo na televisão, como aconteceu a tantos de nós. Logo acorri ao jornal, iintegrando-me numa das equipas de trabalho que se mantiveram em laboração contínua, produzindo sucessivas edições. Surgiria nas bancas um jornal diferente, praticamente sem outro tema: naquele dia, na redacção do Diário de Notícias, estávamos convictos de que não escrevíamos só para o leitor da manhã seguinte. Estávamos também a dar um contributo para o rascunho da História.

E sabíamos de algum modo que tudo seria diferente a partir daí.

 

Cerca das três da madrugada de 12 de Setembro, quando abandonei enfim as instalações do jornal e cruzei em ritmo fatigado as ruas circundantes, entretanto despovoadas, percorreu-me uma sensação de estranheza: havia calor mas senti frio. As imagens das vítimas indefesas de Nova Iorque, com os seus apelos lancinantes e as suas preces desesperadas, não me saíam da cabeça.

Ainda cá estão quinze anos depois.

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