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Delito de Opinião

Do Nobel da literatura

José António Abreu, 11.10.16

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Quase de certeza será um homem. Em 2015 foi uma mulher (Svetlana Alexievich), em 2014 um homem (Patrick Modiano), em 2013 uma mulher (Alice Munro), em 2012 um homem (Mo Yan). Depois a alternância quebra-se mas o politicamente correcto ganha cada vez mais força.

Será muito provavelmente de fora da Europa. Três anos seguidos para um europeu é impensável. Azar para Milan Kundera (que, ainda por cima, nasceu num país de Leste, tal como Alexievich, e não apresenta o enquadramento político adequado) e para uma das escolhas do Pedro Correia: John Le Carré.

A geografia atribui as melhores hipóteses aos africanos. Infelizmente, é demasiado tarde para Chinua Achebe. Existem outras opções: Ngũgĩ wa Thiong'o e Nuruddin Farah, por exemplo, como lembrou Beatriz em resposta ao desafio que o Pedro Correia lançou na passada sexta-feira (confissão: ainda não li qualquer deles).

Os orientais também têm boas hipóteses. Após escolhas relativamente obscuras, este poderá ser o ano de Murakami, a opção popular.

A Oceania terá uma chance. Peter Carey, talvez. David Malouf. Tim Winton deverá ser demasiado «normal».

Tendo nascido na Índia, Salman Rushdie poderá igualmente ser uma hipótese. Nah, estou a brincar. Intelectuais suecos não são cartoonistas dinamarqueses.

Há a possibilidade de que seja um poeta. Nenhum foi laureado desde 2011, quando o sueco Tomas Transtömer venceu. A propósito: a Suécia é não apenas a sede da Academia Nobel como um dos mais grandiosos berços de gigantes literários, a avaliar pelo número de prémios Nobel conquistados ao longo dos anos - oito (em sete anos distintos, pois em 1974 houve partilha).

Improvável é que seja um norte-americano, não obstante Roth, McCarthy, Pynchon, DeLillo - ou até mesmo Oates, Tyler, Rush. Os norte-americanos, diz a Academia, estão demasiado preocupados com questões locais. Também poderia dizer que são demasiado pessimistas (McCarthy, Roth), demasiado caleidoscópicos (Pynchon, DeLillo) ou - seria mais sincero - não suficientemente críticos da política norte-americana (o que, em vários casos, nem é verdade).

Poderá ser Amos Oz. A menos que a Academia Sueca receie premiar um israelita, mesmo tendo ele uma obra que está longe de glorificar as políticas de Israel. Talvez possa premiá-lo salientando isso mesmo.

Rubem Fonseca? Não nasceu no continente ideal mas pelo menos não é europeu. Contudo, o estilo prejudica-o. Os suecos podem ver nos seus livros apenas violência e cinismo. Ou recear que outros o façam.

Poderá ser um transexual ou alguém com uma obra focada nas questões LGBT - ou, melhor, LGBTTQQFAGPBDSM, que não quero ser acusado de discriminação. Já vai sendo tempo, não é verdade?

 

Eis o grande problema do prémio Nobel da literatura: está cada vez mais político - e mais politicamente correcto. Não estou com isto a dizer que os laureados são maus escritores. De modo nenhum. Nunca se escreveu tanto, pelo que a escolha é vasta; a Academia não precisa de escolher maus escritores. Mas como levar a sério um prémio em que as conveniências parecem sobrepor-se a um juízo sincero?

E, todavia, cá andamos a ler e a escrever sobre ele; a discutir hipóteses; a arriscar vaticínios. Pior ainda, depois do anúncio fica-nos sempre a curiosidade de ler pelo menos uma obra do(a) laureado(a). Mas está certo: como poderíamos ter a certeza de que Kundera merece o prémio se não lêssemos também Modiano?

2 comentários

  • Como escrevi acima, eu não acho que Murakami devesse vencer. Mas também não o considero sem valor. O estilo acessível e fluido dele não é assim tão fácil de conseguir. O livro sobre os atentados no metro de Tóquio está um pouco na linha das reportagens de Svetlana Alexievich, que ganhou no ano passado. E há na obra dele uma faceta humanista e simpática - por muito que às vezes sucedam coisas desagradáveis - que pode agradar aos membros da Academia nestes tempos de optimismo limitado. Enfim, aguardemos.
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