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Delito de Opinião

Nada disto tem sentido

Sérgio de Almeida Correia, 09.11.15

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Tudo o que tem vindo a acontecer desde a altura em que o Presidente da República marcou a data das eleições legislativas para 4 de Outubro revela o anacronismo do nosso sistema político. A falta de correspondência com a realidade raia o absurdo e é bem sintomática da ausência de sentido útil e de desfasamento da realidade em que os nossos actores políticos exercem as suas funções.

Um sistema eleitoral que vive longe dos eleitores, um modelo de representação que grosso modo representa apenas metade do país, partidos sem militantes, entregues às suas camarilhas, desligados dos simpatizantes e dos eleitores, querelas inexplicáveis entre órgãos institucionais, tudo numa dimensão e com uma coreografia que só é compreensível à luz da pequenez dos titulares dos cargos e da ausência de uma elite política que crescesse com a democracia.

Esta manhã li no Expresso que durante dois dias a digníssima Assembleia da República e os comissários dos partidos que por lá se encontram, mais conhecidos como deputados, irão discutir o programa de um Governo que nasceu morto. Durante dois dias e umas intermináveis horas, para gáudio dos jornais e televisões, cumprindo-se o formalismo necessário à sua anunciada rejeição pela maioria dos deputados.

É claro que em causa não está a legitimidade do órgão ou de qualquer solução de governo saída da Assembleia da República.

A legitimidade dos deputados eleitos é igual entre todos e qualquer solução que dali desponte será do ponto de vista político inatacável, por muito que isso custe aos apaniguados da coligação. Poder-se-á falar de ética, de moral, de "golpada política", de falta de seriedade, do que quiserem, tudo isso é discutível, mas jamais de falta de legitimidade.

Uma coisa é o que nós desejaríamos que acontecesse, outra a vontade dos decisores políticos, dos mandatários.

Os eleitores escolheram os seus representantes. Vivemos num sistema de representação proporcional, o que eles fizerem de bom ou de mal, usurpando o mandato, excedendo os limites do contrato que estabeleceram com o eleitorado, dando-lhe outro sentido, correndo riscos desnecessários, promovendo soluções que não foram eleitoralmente sufragadas, tudo isso será eventualmente criticável e deverá ser discutido à luz dos factos, mas por agora é irrelevante e só será sancionado na altura própria pelos eleitores quando ocorrer o próximo acto eleitoral.

Por agora, limito-me a verificar o quão distante tudo isto está da vida dos portugueses, dos seus anseios enquanto comunidade, do seu sentir enquanto pessoas e cidadãos que pagando impostos gostariam de poder viver num país melhor, mais decente, menos desequilibrado e mais civilizado.

O tempo que agora alguns irão perder num inconsequente exibicionismo parlamentar, enquanto o país aguarda que apareça quem governe e aprove um orçamento, é bem a imagem do nosso atraso, da distância que afasta a democracia dos eleitores e da importância de se terem elites a governar, em vez de funcionários subservientes, provincianos e dependentes de tenças políticas, de cronómetros e de calendários eleitorais.

Infelizmente, Portugal hoje é isto, e pouco mais do que isto.

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