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Delito de Opinião

Jornalismo a sofrer de amnésia

Pedro Correia, 02.05.17

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 Paulo VI e Salazar: fotografia do Século Ilustrado, Maio de 1967

 

A asneira anda cada vez mais à solta nas redacções. Sem revisores de textos, sem editores com capacidade ou competência para detectar erros, com jornalistas cada vez mais impreparados, os periódicos debitam disparates a uma velocidade estonteante.

Enquanto leitor atento, vou anotando estes erros como reflexo condicionado de mais de duas décadas passadas a rever textos alheios em redacções de jornais. Devo confessar que nesta matéria já quase nada me impressiona. Mas ainda consegui arregalar os olhos de espanto ao ler na contracapa da última edição do Expresso um par de erros do tamanho da Sé de Braga. Numa notícia que encima a página, sob o título "Só Salazar não deu tolerância de ponto". A propósito da próxima vinda do Papa Francisco a Portugal.

 

Escreve o semanário fundado por Francisco Pinto Balsemão - em prosa anónima - que em 1967, quando pela primeira vez um Papa visitou Fátima, "o ditador recusou encontrar-se com Paulo VI, depois de o Papa ter recebido, em Roma, representantes dos movimentos de libertação das ex-colónias portuguesas".

É difícil escrever tantos disparates em tão pouco espaço. Bastava o anónimo escriba do Expresso dedilhar na Rede para logo lhe aparecerem imagens do encontro entre Salazar e Paulo VI, que aliás forçou o então Presidente do Conselho a deslocar-se à Cova da Iria pela sua recusa de visitar Lisboa. Uma dessas imagens, muito conhecida, ilustra este texto.

 

De resto, jamais Salazar poderia irritar-se com a audiência papal aos dirigentes dos movimentos africanos (Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos) pois já estava fora do poder quando esse encontro ocorreu, a 1 de Julho de 1970 - mais de três anos após a vinda de Paulo VI a Fátima e precisamente 26 dias antes do falecimento do fundador do Estado Novo, substituído em Setembro de 1968 por Marcelo Caetano.

Se algo ainda pode conferir utilidade aos jornais é a capacidade de nos transmitirem conhecimentos ou avivarem a memória. Mas como poderá isso acontecer se as redacções andam cada vez mais ignorantes e amnésicas?

 

 

ADENDA: Toda a peça é lamentável, começando pelo título. Salazar não "deu" tolerância de ponto: decretou o dia 13 de Maio de 1967 feriado nacional. Como é do conhecimento generalizado, um feriado dispensa do trabalho muito mais gente do que a tolerância de ponto, destinada aos funcionários públicos.

5 comentários

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    Pedro Correia 02.05.2017

    Salazar foi receber Paulo VI à base aérea militar de Monte Real, sim. Também há registo fotográfico disso.
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    Einstürzende Neubauten 02.05.2017

    Obrigado, Pedro!

    Mas já agora, fica aqui, sobre o mesmo assunto:

    Franco Nogueira afirmou que Salazar lhe dissera, quando teve conhecimento da possível visita do Papa: “Enquanto eu for vivo, o Papa não entra aqui… não lhe daremos visto”.

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    Pedro Correia 02.05.2017

    Sim. Essa frase foi registada por Franco Nogueira no último volume da sua biografia do fundador do Estado Novo. Mas como bem sabemos os políticos raramente cumprem as promessas. Salazar, como é óbvio, não foi excepção.
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    sampy 02.05.2017

    Bem, se a frase a ter em conta é "os políticos raramente cumprem as promessas", Salazar deve ser considerado uma excepção, visto que de modo geral as cumpriu.

    E bem sabemos que, relativamente a muitas promessas, o problema não é o facto de não terem sido cumpridas, mas sim de terem sido feitas. Infelizmente, costuma-se confundir (propositadamente) as duas coisas.
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