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Delito de Opinião

Fora de série (9)

José Navarro de Andrade, 23.05.16

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Foi no tempo em que os animais ainda não falavam, quando não eram sencientes nem semi-humanos, tal como nós, outrora, também fomos semi-deuses. Não falavam mas já cometiam proezas extraordinárias, como Skippy, o canguru, que conseguiu pôr as patitas no volante e impedir in extremis que um jipe se despistasse; ou Flipper, o golfinho, que apanhava malfeitores nas águas da Flórida bem antes de Miami Vice. “No one you see is smarter than he”, cantava o genérico, logo, sendo televisão, não podia ser mentira. Bem mais espertas estas alimárias que o Rin Tin Tin, limitado a ladrar quando lhe faziam uma pergunta e punha todo a gente a terminar o episódio a rir.

Nesses tempos, como se sabe, não havia sexo em Portugal, pelo menos para quem fosse filho único e ainda não frequentasse os últimos anos do liceu e concomitantes bailes de garagem. As miúdas eram uma miragem distante, uma inexistência tanto formal como prática. Até que em 1971, fizera eu 12 anos, passou na televisão a série “Os Pequenos Vagabundos”.

Portugal era uma estopada, porque na aldeia onde passava parte das férias grandes nunca consegui topar bandos de ladrões para desvendar e criminar como sucedia sistematicamente aos Cinco em Inglaterra e agora a estes miúdos belgas. Por isso, cada episódio de “Os Pequenos Vagabundos” só reforçava o meu cepticismo. Mas veio a cena final e a minha vida mudou. Marion, a loiríssima e intangível Marion, que havia enturmado com os rapazes sem que os pais a proibissem – uma inverosimilhança – convida Jean-Loup (um par de lambadas naquelas fuças andei eu a prometer-lhe durante toda a série, só com inveja dele) a ir visitá-la Montreal, e remata com os olhos em alvo: “c’ést feérique…” Uma frase, apenas uma, e a testosterona referveu em ebulição dentro de mim como nunca dantes a sentira, e foram noites intermináveis e seguidas a masturbar-me debaixo dos lençóis derramando, de certeza, o equivalente à população da China. Nenhuma Marion me falou assim e ainda hoje não encontrei em filme ou série cena tão mal interpretada e tão devastadora como aquela. Também é verdade que só se sofre os 12 anos uma vez na vida.

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