Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Extinções e mudança: uma polémica

Luís Naves, 27.04.15

brontosaurus.jpg

 

André Abrantes Amaral considera aqui que interpretei incorrectamente o que escreveu. O autor afirma que “os objectivos do 25 de Abril se esgotaram em 1986”, pois o “regime saído de 74 não foi capaz de evoluir”. Mas este é o ponto que tentei criticar, sublinhando que vivemos em contexto europeu e num país industrializado com democracia normal. Após a resposta continuo sem compreender a razão para o autor separar o antes e o depois de 86. Julgo que se refere à adesão europeia, que foi um dos maiores triunfos do 25 de Abril.

Um regime que não evolua tem falta de flexibilidade e resiste à mudança. Não parece ser o caso português, pois nos últimos 40 anos, a sociedade sofreu uma transformação acelerada e sem precedentes. Por outro lado, André Abrantes Amaral acusa-me de escrever um texto politicamente correcto, embora sem definir o que é isso. Será politicamente correcto pensar que esta mudança resultou da adesão europeia, por sua vez proporcionada pela liberdade do 25 de Abril?*

“O regime não dá respostas”, considera o autor, centrando a análise na questão da dívida pública: o desenvolvimento foi conseguido à custa de uma dívida que se transformou numa ameaça ao desenvolvimento, diz. Esta ideia também é difícil de sustentar, já que em 2006 a dívida pública portuguesa rondava 63% do PIB, o que então dificilmente se podia considerar um nível insustentável. Claro que os erros de política já lá estavam, também se pode afirmar que essa dívida era superior ao nível permitido pelos compromissos europeus, fora a parte escondida, mas o facto é que havia países mais desenvolvidos com proporções bem superiores.

Enfim, sendo recente, a dívida que nos levou ao resgate e agravou de maneira dramática a nossa passagem pela crise não parece resultar do carácter do regime. Os erros políticos que a causaram têm proprietários. As responsabilidades não são difusas e não podem ser atribuídas a um sistema que, englobando toda a gente, desculpa toda a gente.

 

2

Insisto: o regime político que resulta do 25 de Abril é normal no quadro europeu e esse é o maior elogio que se lhe pode fazer. Os objectivos de 74 foram cumpridos: banalidade democrática e problemas suportáveis. As clivagens parecem irrelevantes (nem a crise causou insurreições), o que explica a falta de debate político: lembro que na campanha eleitoral britânica também não há discussões por aí além e os candidatos se entregam a uma estranha obsessão com as selfies; há ainda exemplo de países menos felizes onde o debate político é sintoma de profundas divisões sociais, religiosas ou étnicas, mas não é esse o modelo que queremos.

O ponto que mais me incomoda nos posts que tentei criticar foi a tentativa implícita de atribuir a crise que atravessámos aos defeitos do 25 de Abril. Além disso, a ideia que paira nestes textos conduz à necessidade de se pensar num novo regime. Precisamos de políticos mais competentes e círculos uninominais? Provavelmente, apesar de alguns distritos serem quase círculos uninominais e isso não mudar muito as práticas habituais em relação aos candidatos partidários ou a actuação dos eleitos no parlamento. Precisamos de contas equilibradas e menos pobreza? Claro, mas pergunto se isto não se pode fazer sem alterar o sistema político. O que impede o aparecimento de novos partidos, de movimentos cívicos, de reformas económicas? O que impede o aparecimento de novas ideias? O regime saído do 25 de Abril não se adaptou à mudança? Pelo contrário, ele permitiu grandes alterações na sociedade portuguesa. Os dinossauros é que nunca se adaptaram ao seu século e acabaram extintos (o Estado Novo, a Primeira República, a Monarquia Constitucional). Não quererá Abrantes Amaral explicar melhor o que o leva a dizer que estamos perante outro dinossauro?

 

* para mim, o politicamente correcto é uma perversão da linguagem que altera o sentido das palavras e nos impede de ver o óbvio. Julgo estar inocente.

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.