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Delito de Opinião

Em política, o que aparece é

Pedro Correia, 21.07.16

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Eu gostaria de ver a política imitar o melhor do futebol. Afinal por cá vejo o futebol a imitar o pior da política. Não o futebol jogado, note-se. Refiro-me ao futebol falado. Ultimamente o espaço do comentário futebolístico nas televisões tem sido invadido por dirigentes, treinadores e funcionários de clubes, numa réplica do espaço habitual do comentário político, hoje parasitado por deputados de todos os partidos.

Tanto os comentadores-dirigentes como os comentadores-deputados são parte interessada em tudo quanto comentam. Cada frase que proferem deve ser entendida no contexto das suas ambições pessoais e das suas legítimas expectativas: a meritocracia em Portugal mede-se pelo número de aparições nos ecrãs televisivos, que funcionam como passaporte automático para patamares cada vez mais elevados.

Na política, nada disto é novo. Em 2002, Emídio Rangel convidou Pedro Santana Lopes e José Sócrates para formar um duo de comentadores na RTP: dois anos depois emergiam ambos como líderes dos dois principais partidos, tendo ascendido à chefia do Governo. Em 2007, pela inefável mão de Pacheco Pereira, António Costa iniciou-se como comentador regular da SIC Notícias: estava lançada a sua candidatura à liderança do PS. Em vez de mergulhar no Tejo, como sucedera a Marcelo Rebelo de Sousa em 1989, mergulhou na telepolítica. Terá engolido alguns sapos, mas pelo menos evitou engolir salmonelas.

De resto, o percurso do actual Presidente da República, construído essencialmente nas últimas duas décadas como comentador alternado de um canal privado e do canal público, confirma esta estreita ligação entre a ascensão política e os holofotes televisivos. Mas Marcelo é Marcelo - um caso à parte no plano comunicacional. Ouvi-lo era um hábito irresistível, por mais que discordássemos do seu tom ou do seu estilo.

Algo muito diferente é assistir ao penoso desfile de deputados que marcam os serões televisivos nos canais noticiosos. Com raras excepções, nada mais têm a debitar do que umas solenes vacuidades, confrangedoras na forma e despojadas de conteúdo. Tanto lhes faz, desde que consolidem o território na respectiva trincheira. Podem todos proclamar-se fiéis ao lema dos novos tempos: em política, o que aparece é.

Eu já evito escutá-los - desde logo porque sei tudo quanto dirão ainda antes de abrirem a boca. Mas não cesso de me espantar quando vejo que as televisões abdicam cada vez mais dos seus próprios comentadores para cederem tempo de antena à confraria dos deputados.

Agora está a acontecer algo semelhante no reduto do comentário futebolístico, cada vez mais confiado aos representantes das confrarias dos dirigentes e dos treinadores. Também aqui só quem aparece é. Saiba ou não saiba falar, tenha ou não tenha coisas originais para dizer, saiba distanciar-se ou não de rancores e ódios pessoais que lhe contaminem o discurso.

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