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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 02.06.17

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Livro dois: Singularidades, de A. M. Pires Cabral

Edição Cotovia, 2017

157 páginas

 

O conto continua a ser um parente pobre na literatura portuguesa. Como se alguns dos nossos maiores escritores – de Eça a Miguéis, de Sophia a Cardoso Pires – não tivessem sido cultores do género.

A edição de contos neste país que só acorre às livrarias em busca de bestas céleres – para recorrer à deliciosa expressão de Alexandre O’ Neill – é um acto de resistência cultural que merece louvor. E que propicia ao leitor boas supresas.

Aconteceu-me com este voluminho intitulado Singularidades: aqui se agrupam oito histórias autónomas – todas com nome próprio elevado a título. Quadros do quotidiano marcados pela suave intromissão do insólito nas roldanas da rotina. Numa linguagem cuidada e precisa, sem desperdício de vocábulos, A. M.Pires Cabral confirma-se aqui como um arguto observador de comportamentos humanos, sem anátemas nem juízos morais. Basta-lhe sondar o rasto de umas quantas notas soltas na partitura dos dias.

Flávio Cerqueira, analista num laboratório clínico e solitário bebedor nocturno. Honório Rocha, suposto agente de seguros com um segredo por desvendar. Gabriel Guerra, ex-activista universitário travestido em charlatão com bola de cristal. Hipólito Clemente, quadro superior de uma editora assediado por um imbecil armado em intelectual. César Gaspar, pacato organizador de abstrusas antologias. Rodolfo Isidro Palha, hipocondríaco assombrado pela coincidência entre as iniciais do seu nome e as do piedoso voto em latim que ornamenta muitas sepulturas – Requiescat in pace. Artur Pacheco, exaltado “colunista de causas” num jornal de província. Basileu Simões, doente terminal que faz um pedido surpreendente à mulher.

Nem sopro de epopeia nem vanguarda literária: apenas um conjunto de narrativas tocadas pelo prazer antigo de contar uma história. A nossa civilização começou a construir-se assim, graças à sedução do relato oral, entretanto passado a escrito. É bom saber que esta arte de narrar ainda se cultiva com esmero, mesmo com tantas bestas céleres a cruzar o horizonte.

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