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Delito de Opinião

Crónica Feminina

Inês Pedrosa, 27.04.17

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Escrevi durante nove anos consecutivos, sem uma semana de férias que fosse, uma crónica semanal com este título para a revista do jornal Expresso. Homenagem irónica à velhinha Crónica Feminina: um dia o então director do Expresso  José António Saraiva propôs-me que fizesse "uma crónica para a mulher" e eu, respirando fundo, perguntei: " Uma espécie de Crónica Feminina? " Para minha sorte, Saraiva tinha boas memórias da revista. Eu também: aos 12 anos de idade, ganhara nessa revista os primeiros 500 escudos da minha vida, prémio do concurso semanal "Cartas de Amor, Quem as Não tem". Ganhei-o com uma carta de amor à minha mãe, enviada para o concurso por uma prima - e deu-me um gozo especial porque a minha mãe detestava a revista e não queria que eu a lesse, por causa das fotonovelas que trazia. Mas eram fotonovelas bem eruditas: a edição em que se publicava a minha carta tinha um capítulo da fotonovela Madame Bovary. Ironicamente também, essa minha crónica acabou uma noite em que o recém-nomeado director do Expresso Ricardo Costa me telefonou dizendo que, para continuar, a crónica teria de ser quinzenal e eu teria de, cito, "alternar com um homem". Respondi (para gáudio do meu camarada Rui Zink, que estava a jantar comigo e assistiu a este diálogo) que já não tinha idade nem posição para iniciar uma vida de alterne. E assim se finou a minha Crónica Feminina.  

Vim a descobrir mais tarde que também Clarice Lispector escrevera, mais ou menos pelas mesmas razões do que eu,  uma Crónica Feminina. Quando cheguei ao Brasil tinha vergonha de não ter lido Clarice, sobretudo porque todos os jornalistas diziam que se notava haver uma cumplicidade entre mim e ela. Tinham razão: eu é que ainda não sabia. 

Lembrei-me desta história ao ver esta noite uma reportagem classista e presunçosa, na RTP 2, sobre essa popular e pioneira revista feminina. Valeu à memória da revista a Maria Antónia Palla, mulher livre, sem parvoíces peneirentas nem papas na língua. Houvesse mais mulheres assim e a paridade não estaria no pântano em que continua: muita lei, muito paleio, e nada de prática. Podiam pelo menos ter recordado a jornalista que lançou a revista, Maria Carlota Álvares da Guerra, por sinal mãe dessa fabulosa (e subestimada em Portugal, embora justamente idolatrada no Brasil)  actriz que é Maria do Céu Guerra. Mas a memória, neste país de mansos sonsos medíocres e fatais invejosos, é uma rapariga sem vício nenhum, nem o menor dos contactos com a verdade.

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