Por razões que agora não interessam para nada, vim viver para uma aldeia, na margem sul, a 40 minutos de Lisboa. Não vim de férias, nada disso, vim para estar e viver até Lisboa me ter de volta, que é como quem diz, até voltar a ter casa digna desse nome.

Eu nasci em Lisboa, sempre vivi em Lisboa e, como todas as pessoas das grandes cidades, tenho da aldeia a ideia idílica que me ajuda a pensar que, um dia, sabe-se lá quando, vou conseguir reformar-me (só esta afirmação dá logo vontade de rir) e viver num sítio mais tranquilo.

Estou na aldeia e a cortar os pulsos.

Sim, adoro aqui estar no pique do verão, quando a animação é mais que muita – numa única rua temos dois bares e um salão de jogos, é uma festa –, quando o peixe ainda chega vivo à peixaria, as pessoas acotovelam-se para comer gelados e temos um território bem demarcado na praia do costume.

Ou então, em pleno inverno, de lareira acesa, sem sair de casa, vivendo na ilusão de que o descanso se pode fazer num único fim de semana.

Tudo isso está muito bem, mas experimentem ter de passar a ponte (25 de Abril ou Vasco da Gama) todos os dias. Façam contas: quilómetros de gasolina, portagens, minutos perdidos no pára-arranca.

Sim, estou a queixar-me e algum de vós estará a pensar por que carga de água é que não vais de transportes públicos, certo? Pois, quem tem uma vida profissional como a minha dificilmente se adapta aos transportes públicos, porque às dez da manhã é preciso estar em Queluz, às duas da tarde no Saldanha e às quatro em Cascais.

Não será todos os dias, mas a verdade é que ando de um lado para o outro como os pombos andam por aí a conspurcar estátuas. Não tenho onde pousar verdadeiramente, não tenho um emprego das nove às seis. Portanto, a única solução é esta: ir e vir. E o que é agradável e quase consolador nas férias é agora uma tortura. A mercearia está fechada por estes dias. A gasolina acabou? Bom, talvez a bomba a três quilómetros de distância esteja aberta. Não sabes como atinar com o forno a gás ou ficaste sem gás? Respira fundo.

Depois deste desabafo, posso dizer que existem coisas boas: o café onde nos tratam como se fossemos realeza, o restaurante maravilhoso dos amigos que se mantém aberto já em modo fim de verão, a tabacaria onde os jornais podem ser guardados para quem ainda lê jornais em papel (eu!), o silêncio imprescindível, e quase estranho, dos carros que não passam, dos autocarros que não travam. Enfim. Por estes dias, viver na aldeia e trabalhar em Lisboa é um sacrifício. E ainda não fez um mês que aqui estou. Já disse que estou a cortar os pulsos?