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Delito de Opinião

Convidado: AUGUSTO MOITA DE DEUS

Pedro Correia, 13.11.17

 

Aprender e compreender

 

Há assuntos delicados de abordar e um deles é o racismo, tema que tem ganho crescente notoriedade na opinião pública nacional em tempos recentes, nomeadamente através de uma série de artigos no Público, bem como devido a notícias como a da polémica em torno da estátua do Pe. António Vieira, ou o caso dos seguranças do Urban Beach. É um tópico que continua na ordem do dia nos EUA, mesmo através de ângulos surpreendentes. Veja-se a revelação recente de campanhas especiais de agitação da opinião pública americana envolvendo Pokemons Go, orquestradas a partir de São Petersburgo. Para além de delicado, este é um tema arriscado, pois ao falar pode-se desencadear o tipo de reacções que se pretendem minorar, numa espécie de efeito boomerang. Mas falar é importante. Compreender é fundamental.

 

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Existe racismo em Portugal? Claro que sim. Como o combater? Pelo desenvolvimento duma cultura de hiper-consciencialização racial? Será que não pode dar-se o azar de termos uma espécie de gato de Schrödinger, em que ao abrir a caixa de Pandora da polémica racial, podemos estar a matar o dito gato? Nos EUA faz-se a categorização das etnias (African American, Hispanic, White, Native American, etc) e isso até pode ter uma boa intenção subjacente, mas tais medidas consciencializam algo que deveria ser tão irrelevante e opaco para a nossa interacção mútua quanto o nosso grupo sanguíneo.

 

Há medidas de carácter proactivo que podem ser tomadas? Claro que sim, mas de preferência atacando os problemas na raiz e não de uma forma superficial, skin deep. Veja-se por exemplo as condições de aprendizagem das populações mais desfavorecidas. Não sou sociólogo, mas é óbvio que há desigualdade de oportunidades para a generalidade das populações de certos bairros, independentemente da origem étnica (com diferentes incidências, admita-se). Trata-se na base de uma questão em larga medida de natureza económica. Esses miúdos têm acesso a boas condições de estudo, apoio escolar, ou um ambiente em casa que favoreça a aprendizagem? É também um problema de organização escolar, visto que os estabelecimentos de ensino desses bairros têm de lidar com problemas complexos (de segurança, por exemplo), que dificultam o cumprimento da sua missão educativa.

 

Mas existe também um problema de compreensão e de crença: não tenho estatísticas para citar, mas tenho fortes suspeitas que, a montante, professores das escolas dos bairros desfavorecidos frequentemente deixam de acreditar nos seus alunos, esquecendo-se que cada nova geração de crianças e jovens que recebem no início do ano é… isso mesmo, nova, uma multidão de pedras preciosas em bruto, cada uma delas um potencial caso de sucesso escolar e pessoal. A educação é uma batalha que se trava corpo-a-corpo, aluno-a-aluno. Cada aluno é diferente, não se podendo generalizar a partir de eventuais maus resultados anteriores. Por outro lado, a jusante, quando aparecem jovens que têm propensão para os estudos, o que sucede? O que dizer da pressão de grupo sofrida para que esses jovens não se destaquem nas notas? Noutros casos, em especial no caso das raparigas, será que é fácil estudar quando ao fim dum dia de escola, a tarefa principal é cuidar dos familiares mais novos? Quem defende e ajuda estes jovens?

 

O que nos traz de volta à questão económica, que condena certos bairros ao ostracismo social, o que obviamente entronca no racismo, pois a percentagem dos grupos étnicos varia de bairro para bairro e as decisões respeitantes a esse tipo de profiling já foram tomadas infelizmente há muitos anos atrás. Neste respeito é contudo útil observar certas subtilezas. Hoje em dia dizer uma piada racista suscita uma reacção imediata das redes sociais e da opinião pública em geral, e bem. Mas o que dizer daquelas graçolas que dão uma conotação negativa a certas zonas economicamente mais deprimidas? Por que isso não é igualmente denunciado? Há uns tempos alguém dizia que a Madonna numa certa foto parecia uma cabeleireira da Damaia. Se fosse uma cabeleireira de Oeiras, já não teria piada, certo?

 

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A questão não é censurar o humor, mas sim compreender porque é que para algumas pessoas isso sequer tem graça. Aliás, um caso ainda mais notável eram as constantes chalaças em torno do facto de Pedro Passos Coelho morar em Massamá e passar férias na Manta Rota. Se ele morasse na Quinta da Marinha e fosse a banhos na Quinta do Lago, isso nem sequer era assunto.

 

Em suma, na questão do racismo é preciso atacar as causas de fundo, económicas, educacionais. Dar oportunidades e mudar mentalidades. Urge aprender e compreender.

 

 

Augusto Moita de Deus

(blogue 31 DA ARMADA)

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