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Delito de Opinião

Convidada: VERA GOMES

Pedro Correia, 23.10.17

 

Cada dia com uma doença auto-imune é uma batalha

 

Um almoço de grupo igual a tantos outros, não fossem os rolos de papel higiénico em cima das mesas. Poderia ser uma despedida de solteiro, quiçá, antecipadas as festividades para a hora de almoço. Mas não. Um grupo de pessoas unidas por algo que as assola e que as tenta vergar, umas vezes com mais sucesso do que outras.

Entre sorrisos, dietas, piadas e trocas de experiências, este grupo assemelha-se a qualquer outro que festeja um aniversário, um almoço de Natal, ou outro qualquer que imponha celebração. Cortesia de uma doença invisível aos olhos do comum dos mortais, mas bem presente para quem tem que lidar diariamente até ao fim dos dias da sua vida. Tal e qual um casamento. Só que desta vez imposto e sem poder de escolha do "parceiro" com quem TODA a vida será partilhada.

Uns pensam que é mentira, que é preguiça, que são "queixinhas" crónicos ou até hipocondríacos. Imaginem se um dos membros do grupo apenas explicasse sem grande detalhe um dia da sua vida. Ou lhe faziam uma estátua, ou bajulavam-no pelo seu heroísmo! Na verdade, cada uma das pessoas que partilha este repasto é um lutador, um herói, o expoente máximo da resiliência. Mau estar, desconforto, dores 24/7 até ao fim da vida: não é fácil de aceitar, enfrentar e gerir. Há dias em que o mundo é demasiado pequeno para amenizar, escutar, confortar ou aliviar. Há dias que são maiores para noutros dias se enfrentar a cruel realidade de um corpo que não acompanha o que a mente deseja alcançar.

Cada dia com uma doença auto-imune é uma batalha. Um constante processo de tomada de decisão que jamais vê o fim. "Ora, tenho 10 barras de energia, tenho esta lista de tarefas que precisa de 12 barras de energia. O que deixar para amanhã?"

 

Nunca na vida as palavras do Variações fizeram tanto sentido: "Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga!" Se não é pelo dosear da energia, é por aquela comida que nos faz salivar só de ser mencionada, mas que o corpo nem sempre aceita. Claramente Deus nem sempre perdoa o mal que faz, pelo bem que sabe. Que Deus cruel! Aliás, quem é o Deus, que supostamente é amor e afins, que faz alguém passar por tamanha provação?

A Doença Inflamatória do Intestino (vulgo DII, ou Síndrome de Chron, ou - os diferentes tipos - Colite Ulcerosa) assola mais de 15 mil almas só em Portugal – e o número não pára de aumentar. Esta doença consiste numa resposta exarcebada do sistema imunitário, que ataca o sistema digestivo. Chron, Colite Ulcerosa ou Indeterminada: está relacionado com a sintomologia e com as zonas afectadas.

No caso da Doença de Crohn, ocorre uma inflamação em qualquer parte do tubo digestivo, desde a boca até ao ânus. A colite ulcerosa ataca o revestimento interno do intestino grosso causando inflamação, ulceração e hemorragia.

 

Almoco DII_ Creditos_Cristiana_Reis.jpg

 Foto: Cristiana Reis

 

Os sintomas incluem: dor abdominal, cólicas, diarreia, hemorragia, perda de apetite, perda de peso, fraqueza, fadiga, náuseas, vómitos, cansaço, febre e anemia. A cirurgia pode ser necessária, mas não cura a doença inflamatória intestinal.

Depois temos as pérolas extra das DII: os sintomas extra-intestinais. Dentro desses sintomas, destacam-se a artrite; úlceras orais; febre; olhos avermelhados, doridos e sensíveis à luz; erupções cutâneas; osteoporose, entre muitos outros. Acreditem: numa doença-auto imune, nem a imaginação é limite.

Para que estejamos todos na mesma página: a doença inflamatória do intestino NÃO tem cura. Portanto, dispensamos toda e qualquer sugestão que venha como milagrosa para uma cura (inexistente). Beber sumos xpto, comer um ingrediente importado de Marte, ou fazer yoga dia e noite não vão curar nada! Será muito mais produtivo e gentil que nos escutem quando precisamos de falar do que estamos a passar. Não nos julguem, não digam que somos exagerados, não digam que somos hipocondríacos ou que temos a mania das doenças. Porque, acreditem, se tivéssemos escolha, não escolheríamos isto!

 

Querem ajudar? Ora, porque não, num dia em que a fadiga teima em ficar, fazerem as compras do supermercado para nós? Ou trazerem-nos comida? Ou fazerem-nos sorrir nos momentos em que parece que o mundo desaba sobre as nossas cabeças? Porque não serem gentis quando não conseguimos ir à vossa festa porque passámos a noite no wc em vez de dormir? Ou animarem-nos quando mais um tratamento não resultou? Ou irem-nos buscar ao hospital depois de mais uma dose de medicação ou de um exame médico?

Almoços com rolos de papel higiénico em cima da mesa, de um grupo de pessoas que não se conhecem a não ser numa das redes sociais da moda, acontecem por uma simples razão: ninguém julga. Todos escutam.

Quando é que tu irás também escutar?

 

 

Vera Gomes

(blogue ESCADINHAS DO QUEBRA-COSTAS)

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