Convidada: RITA PIRES
Das músicas que enfeitiçam
«Índio do queixo torcido
Que se amansou na experiência
Eu vou voltar pra querência
Lugar onde fui parido.» *
Música.
Um mundo muito relativo. Cheio de opções e de estilos. Pessoal e, quase, intransmissível. O que gostamos hoje pode não ser aquilo de que gostávamos há um, cinco ou dez anos. Ou então pode e mantemo-nos fidelíssimos a uma ou outra, em particular, durante anos a fio.
Gostamos de uma porque a ouvimos no momento certo. Gostamos de outra porque a ouvimos no momento errado. Não nos esquecemos daquela porque era a que tocava na rádio quando nos levantávamos para ir para a escola e os nossos pais conversavam à janela, apanhando o primeiro ar da manhã, minutos antes de também saírem de casa para trabalhar.
Queremos voltar a ouvir a outra porque precisamos de chorar o mesmo choro de há uns anos, quando descíamos a rua e passávamos no lugar onde conhecemos um amor já perdido.
Gostamos de uma porque nos faz vibrar exactamente da mesma maneira que vibrávamos quando tínhamos 20 anos e o mundo era um lugar sem fim e até o impensável era possível.
Escutamos outra porque nos traz uma existência onde a tristeza não existe. E pomos outra a tocar justamente porque precisamos de sentir uma percentagem dessa tristeza.
Qual é a probabilidade de encontrarmos a música certa para nós?
Aquela mais consistente, que nos encaixa no ser, ou a outra mais emotiva que fala de nós, em determinado momento, sem que quem a criou nos conheça ou venha a conhecer?
O que faz uma pessoa ligar o rádio, em casa para cozinhar ou no carro antes de rumar ao trabalho, no exacto momento em que Aquele som está no ar?
O que faz outra pessoa vaguear na Internet e encontrar aquela outra música que nunca ouviu em lugar nenhum?
Foi algo parecido que me sucedeu com a música que ilustra este post. Julgo, até, que pode muito bem ter sido neste mesmo blogue o local onde a achei. E depois o mundo virtual tem destas coisas. Pesquisam-se mais músicas, escutam-se entrevistas.
Não desfazendo o autor da letra, sublinho quem a interpreta. Vítor Ramil, uma tranquilidade capaz de fazer viajar para a mais doce nuvem de algodão. Há muitas outras músicas das quais gosto, sem dúvida. Mas gostar desta é pessoal e – definitivamente – intransmissível.
* Poema de João da Cunha Vargas, musicado por Vítor Ramil.