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Delito de Opinião

Casas no lugar de muros

João André, 17.02.16

A crise dos refugiados está a demonstrar a mentira da solidariedade europeia. Os austríacos acolheram enquanto foi politicamente vantajoso e A Fotografia circulava. Agora fecham as portas. Os alemães foram arrefecendo o entusiasmo e agora andam a tornar-se algo gélidos em relação ao tema, especialmente depois do Ano Novo, quando vários ilegais e requerentes de asilo roubaram e assediaram sexualmente diversas mulheres em Colónia. O pior é mesmo a atitude dos países de Visegrád, que numa tentativa de mostrar músculo (em alguns casos devido a eleições próximas), querem fechar fronteiras para impedir a entrada de pessoas que lá não querem ficar.

 

Sejamos honestos: fechar as fronteiras não resolverá o problema. Há centenas de milhar (senão milhões) de pessoas em trânsito pela chamada "rota dos Balcãs" que não deixarão de avançar mesmo que lhes fechem as portas. Se os muros forem construídos irão usar traficantes, destruir o muro onde puderem, saltá-lo, contorná-lo ou simplesmente subornar quem possam. Se necessário voltarão ao Mediterrâneo e procurarão um porto de entrada mais a leste. Ou irão simplesmente ficar por onde estão, indesejados, escorraçados e sem quaisquer perspectivas.

 

Só que, e é aqui que está o problema, eles arriscarão tudo, até mesmo viver nas ruas de Atenas, Skopje, Belgrado ou outras, porque a situação será sempre melhor que aquela que deixaram para trás. Viver nas ruas mas em paz é melhor que viver nas ruas de um país em guerra. Arriscar fome e maus tratos é melhor que arriscar a vida ou tortura. Estas são pessoas que deixaram tudo o que tinham para trás e arriscaram um percurso extremamente arriscado para procurar outra vida, qualquer que fosse. Por vezes fizeram-no sabendo que arriscavam também filhos pequenos.

 

Fechar as portas não ajuda e só destruirá a UE. Os refugiados acumular-se-ão por uns tempos na Grécia antes de começar a tentar outros pontos de entrada. A Grécia colapsará sob o peso da hipocrisia europeia e deixará a UE - no que será o primeiro passo para a sua desintegração. Os refugiados procurarão outros pontos - talvez entrem na Bulgária através da Turquia; talvez procurem caminhos pela Albânia (onde há imensas máfias prontas a lucrar) mesmo sendo muito mais arriscado; outros irão em barcos até à Itália, Croácia ou França. Barcos afundarão (ou serão afundados), pessoas morrerão em passagens traiçoeiras por montanhas e vales, outras serão assassinadas por criminosos ou simples gangues racistas.

 

À medida que este processo continua, os refugiados reduzir-se-ão. A Grécia terá deixado a UE - porquê ficar se só recebe ordens de todo o tipo e é deixada para se afogar sem ajuda? - e outros países (talvez a Croácia, talvez a Bulgária) começarão a ser questionados. Se a solidariedade quebra por um membro porque não quebrará por outro? O processo continuará e a UE começará a criar as famosas duas (ou mais velocidades) que deixarão inclusivamente os países de Visegrád para trás. Com o tempo voltaremos a uma CECA com mais um ou outro membro e o projecto europeu morrerá a sua morte lenta.

 

Este cenário não é inevitável nem que os muros sejam construídos, mas não consigo deixar de pensar que será muito provável. Os europeus têm sido sempre muito criativos com as suas fugas para a frente, mas têm-no feito esquecendo a pura natureza humana, aquela que não cabe numa folha de Excel ou slide de Powerpoint. Pessoas em sofrimento arriscarão tudo quanto podem para melhorar a sua condição, nem que seja um poucochinho que seja. Fechar-lhes a porta e não os integrar (o que faria até sentido economicamente) não é só desumano (sabendo que morrerão em largos números): é estúpido por arriscar o próprio futuro.

 

No fundo, é uma questão de construir casas em vez de muros. Os custos seriam semelhantes e os lucros muito superiores. Talvez isso venha a ser percebido.

5 comentários

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    João André 17.02.2016

    Tem razão. Faz mais sentido afundar os barcos. Morrem uns quantos mas depois os outros voltam para trás...

    Acredita mesmo nisso?
  • Sem imagem de perfil

    Costa 17.02.2016

    (...) Quando assim não foi - e não foi, na Europa num passado bem recente - deu no que deu.

    Poderemos descartar tudo isso que acima elenco (que não faço por meu mérito - ou demérito - mas por ser, creio, uma evidência para quem esteja de boa-fé) e os riscos associados ao influxo de tanta gente onde se contará quem, por acção ou omissão, admite a missão sagrada e onde os fins justificam quaisquer meios, de impor uma ordem em tudo oposta à nossa e que visa a sua abolição e o extermínio de quem a siga?

    Como se resolve isto, perante a tragédia que todos os dias se desenrola perante nós (enfim, nos nossos televisores)? Não sei, João André. Mas não ignoro tudo isto.

    Costa
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    João André 17.02.2016

    Caro Costa, o seu comentário é longo e merece atenção que agora não consigo dar. Amanhã tento responder/comentar, se não se importa.

    Só um extra: a parte sobre afundar navios é obviamente extrema (leu-me perfeitamente) mas convém não esquecer que houve de facto alguns responsáveis europeus que defenderam que se "empurrassem" os navios de volta. Uma vez que enfiar uma corda à volta deles e puxá-los não é exequível, a força seria necessária e isso poderia acabar no afundamento de um ou outro navio...
  • Sem imagem de perfil

    do norte e do pais 18.02.2016

    Eu percebi que era força de expressão!!!!! Certo? :-)
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