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Delito de Opinião

Breve tratado do cabrão lusitano

Rui Rocha, 14.08.14

Vivemos, portanto, num tempo em que todas as atenções se viram para as minorias. Só isso pode justificar que se dedique tanto tempo ao lince da Malcata e se descure o estudo do cabrão lusitano, espécie que prima pela sua abundância. Não admira, pois, que reconheçamos de imediato um lince quando o vemos e que tenhamos, em contrapartida, tanta dificuldade em identificar um cabrão à primeira vista.  A integral compreensão da problemática do cabrão obriga-nos a distinguir entre o aspirante a cabrão e o cabrão de pleno direito: o aspirante tem todas as competências necessárias para afirmar-se como cabrão, mas a vida ainda não lhe proporcionou o momento adequado para as colocar em prática. Não se trata, como se vê, de uma questão de idade ou de falta de experiência, mas de oportunidade. Daí que não seja inteiramente correcto afirmar que a oportunidade faz o cabrão. A oportunidade apenas permite transformar a potência em acto, dar a conhecer ao mundo o efeito do cabrão que já estava feito. Os actos praticados são assim a única forma de o cabrão se dar a conhecer ao mundo cabrão como é. Entendamo-nos neste ponto fundamental. Ao contrário do que defendem certas correntes que se debruçam sobre estas matérias, é impossível reconhecer um cabrão pelo seu aspecto, pelo olhar, pelo sorriso ou pela forma como fala. Os actos e só os actos definem o cabrão. Não há ninguém que tenha cara de cabrão. Ou nariz e orelhas de cabrão. Se quisermos identificar um cabrão, temos que avaliar actos praticados de forma objectiva e imparcial. Da mesma forma, o cabrão lusitano, como espécie autóctone, encontra-se distribuído de forma regular por todas as regiões, níveis de formação, estratos sociais, raças, credos,  religiões ou profissões. Em vão procuraremos isolar características sociais ou outras que permitam confinar os cabrões a uma população com características determinadas. Aliás, esta natureza adaptativa do cabrão é, em boa medida, a razão principal do seu sucesso. Mas, se é verdade que há cabrões em todo o lado, também é certo que o cabrão é condicionado pelo contexto em que se insere. Existindo um substrato comum nos actos praticados pelos cabrões, é óbvio que o cabrão que exerce no Bairro do Lagarteiro tem um repertório de acções diferenciado daquele outro que tem a sua base operacional numa mansão do Restelo. Não admira por isso que se fale, em alguns estudos, do cabrão e da sua circunstância. Por último, importa sublinhar um aspecto fundamental que resulta inequívocamente de milhares de horas de observação. Os verdadeiros cabrões nunca deixam de o ser. O fim da vida activa de cabrão só seria possível por via do arrependimento sincero. E um cabrão, por definição, não se arrepende, jamais se reforma. Pelo contrário. O cabrão, mesmo depois de descoberto, depois de ver avaliados os seus actos e o seu percurso, invocará invariavelmente como desígnio último da sua vida a reposição da honra e da dignidade perdidas. Se for verdadeiramente cabrão, daqueles de papel passado pelo notário,  falará ainda da sua famíla para puxar a lágrima. É isso, em última instância que, apesar de todo o esforço que fazem para não serem reconhecidos, nos permitirá identificá-los. Na dúvida, em todo o caso, recorra-se a um método infalível: coloque-se um pouco de honra e diginidade no seu caminho. Apesar de todo o discurso e parangonas, o verdadeiro cabrão, porque nunca as viu, será incapaz de reconhecê-las.

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