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Delito de Opinião

A ordem das palavras importa

Diogo Noivo, 03.11.17

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É certo e sabido que a Constituição de Espanha goza de um respaldo popular invulgar. Foi elaborada por uma Assembleia Constituinte eleita, que a aprovou, e depois submetida a um referendo onde colheu o voto favorável da esmagadora maioria dos espanhóis. Isto passou-se em 1978, data nada longínqua.

Na Catalunha, a Constituição mereceu a confiança de 90,46% da população. A dimensão deste voto favorável explica-se – pelo menos em parte – com as opções políticas do legislador. Saída de um regime autoritário e centralista, brutalmente repressor de qualquer expressão de nacionalismo regional, Espanha colocou no centro do seu processo de democratização a política de autonomias. Tendo em conta o contexto político da época, foi uma opção extraordinariamente corajosa.

 

O texto constitucional é de tal forma aberto que não são poucos os constitucionalistas a considerar que o articulado tanto permite um Estado descentralizado em autonomias como um Estado Federal. Essa abertura acabou por criar um sistema de governos autónomos com profundos desequilíbrios, onde algumas regiões detêm mais competências do que outras. A Catalunha é de longe das mais beneficiadas, não só porque soube ao longo do tempo usar a abertura constitucional a seu favor, mas sobretudo porque, ao contrário de outras regiões, a Constituição de 1978 a discrimina positivamente. Embora no artigo 2º “reconheça e garanta o direito à autonomia das nacionalidades e regiões”, as disposições transitórias da Constituição falavam explicitamente no reconhecimento dos “direitos históricos dos territórios forais”, algo que apenas diz respeito à Catalunha, ao País Basco e à Galiza. Ou seja, é criado um desequilíbrio de direitos entre autonomias no qual as três comunidades agora referidas saem em clara vantagem em relação às demais. Esta vantagem foi acentuada em Julho de 1981, quando Leopoldo Calvo-Sotelo, Presidente de Governo, e Felipe González, líder da oposição, criam uma divisão entre comunidades “históricas” e comunidades de regime comum no primeiro Pacto Autonómico de Espanha.

Desde então foi sempre a somar com a Catalunha na dianteira do pelotão. Assumiu todas as competências que a Constituição prevê para as comunidades autónomas, como ainda conseguiu responsabilidades em sectores onde está em clara concorrência com o Estado: da bandeira ao idioma, da saúde à educação, da segurança às finanças, pouco falta para a independência.

 

Assim, o que está actualmente em curso na Catalunha não é a resistência à opressão centralista de Madrid. Está sim em causa uma grotesca violação de um Estado de Direito Democrático que reconhece um elevado grau de autonomia às comunidades que o compõem, em particular à Catalunha. Aqui chegados, há quem empregue o argumento habilidoso de que se trata de uma questão política e não jurídica, esquecendo convenientemente que a política democrática se distingue das restantes pelo respeito a uma lei que assegura direitos, liberdades e garantias, além da obrigatória separação de poderes.

Ao contrário do que Puigdemont disse ontem, os membros da Generalitat não estão presos por causa dos seus ideais, mas sim como consequência dos seus actos. Os independentistas catalães e quem os apoia padecem do mesmo mal que assombra José Sócrates: não percebem a diferença entre um preso político e um político preso. A ordem das palavras é importante.

2 comentários

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    Diogo Noivo 03.11.2017

    "Algoritmo" é alcunha do governo catalão?
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