A importância da caligrafia
Escrevi aqui há oito dias sobre a importância da escrita caligráfica como descoberta da história, dos outros e de nós próprios, lamentando que esta aprendizagem esteja em declínio acentuado nos sistemas de ensino contemporâneos, que privilegiam a escrita tipográfica, padronizada e uniforme.
Em países como a Finlândia as crianças já só aprendem as letras que estão pintadas no teclado do computador.
Anteontem, na página 2 do El País, a poetisa e dramaturga espanhola Ana Merino abordou o mesmo tema. Num excelente texto, intitulado "Caligrafia", que nos faz reflectir sobre a importância da escrita manual, lembrando que "muitos dos documentos históricos que dão sentido ao nosso presente foram escritos" desta forma e tornam-se impossíveis de interpretar por gerações futuras, desprovidas de uma "habilidade que durante séculos foi pilar do conhecimento e da articulação do pensamento".
E conclui deste modo, que passo a citar com a devida vénia e tradução da minha lavra: "O alfabeto caligráfico que cada indivíduo alberga compõe-se de traços subtis que representam um estilo próprio, uma peculiar e evidente marca da sua expressão pessoal. Saber escrever à mão com letra clara e legível deixou de ser prioridade em muitas escolas. Ser habilidoso no teclado é indubitavelmente necessário, mas não deve fazer-nos prescindir do minucioso processo da alfabetização e da caligrafia bem aprendida - essa arte que herdámos das escritas caligráficas dos últimos dois mil anos. Retirar aos nossos filhos a possibilidade de existirem na escrita caligráfica equivale a não ensiná-los a cozinhar, submetendo-os à comida industrial pré-cozinhada que se aquece no micro-ondas."
Subscrevo, claro. Não por acaso, algumas das mais exigentes entrevistas de emprego incluem um exame grafológico. Ao contrário do que supõem certos pedagogos de turno, a escrita tem inequívocas características pessoais, revelando traços da personalidade de quem escreve. Tal como o estilo nos diz muito do essencial sobre um autor: escrever bem passa, desde logo, por evitar as frases sem artifícios, as frases já muito gastas, as frases de efeito fácil mas vazias de conteúdo.
Amputar as crianças da aprendizagem e desenvolvimento da caligrafia é, de algum modo, divorciá-las do passado. E, assim, estreitar-lhes o futuro.