Dividir o mundo entre a esquerda e a direita é a forma mais cómoda de se viver, a mais preguiçosa e também a menos interessante. Mas é assim que vivemos. Na dicotomia que faz com que tudo tenha esta divisão categórica. Olhamos para os intervenientes em qualquer programa de televisão ou de rádio e lá estão os senhores mais assim, os senhores mais assado (escrevo senhores porque, objectivamente, as senhoras não aparecem com tanta frequência). O que muda em termos de pensamento? Nada. Existe uma agenda e um pensamento condicionado, logo é bastante previsível o que vai ser dito, ou dado a ouvir para que o público em geral possa processar e pensar.

Olhar para o mundo através deste binóculo bipolar parece-me redutor. Dirão que existem várias esquerdas e outras tantas direitas, clivagens, diferenças, actualizações, que existe um centro e os liberais e talvez, porque não?, neo liberais, e tal. Pois seja. Nasci antes da revolução, poucos anos antes, sou, por isso, também produto das conquistas de Abril. Cresci em democracia e, passados mais de 40 anos, pasmo com realidades que limitam a possibilidade de se pensar o mundo de uma forma que não seja partidarizada. E estou um pouco cansada de mais do mesmo, que é como quem diz dos comentários dos agentes informadores mais assim, ou mais assado.

Temos poucos académicos a escrever nos jornais, a falar na televisão. Temos uma mão cheia de politólogos, mas deixámos de ter historiadores, sociólogos, filósofos em contacto com o grande público. O que temos? Mais do mesmo. Os senhores do costume. Há décadas.

Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente que fez campanha sem outdoors, manifestações e outras acções típicas de uma campanha presidencial, esteve anos e anos a entrar pela casa das pessoas através da televisão. O poder que tem a pequena caixa que mudou o mundo é real e contribui para muito. Não sei se, em Portugal, nesta altura do campeonato, contribui para se pensar o país, o mundo, as questões que afectam as pessoas. O que importa é equilibrar as intervenções entre os agentes de esquerda e os da direita.

Nos jornais, durante muito tempo, os escritores – que pensam o estado do mundo e são uma forma de consciência do seu tempo – escreviam crónicas, eram chamados a apresentar ideias. Hoje, são raros os escritores que se envolvem nas matérias sociais. Não por não quererem, simplesmente por não terem esse espaço. Tudo o que envolve a sociedade é político e, portanto, é evidente que tudo se passa à volta da esquerda e da direita? Sim, tudo o que envolve a polis é político, todos nós temos gestos e discursos que formam uma ideia política, mas não precisa de estar engajada numa agenda de partido que, para tornar as coisas ainda mais pobres, resulta em “picar” os potenciais adversário e outras variantes pouco dignificantes.

Disseram-me, há uns meses, que não se pode deixar de ir buscar para intervir nas televisões, rádios e jornais pessoas cujo reconhecimento é imediato. Todas elas eram desconhecidas numa determinada fase da vida, certo? Certo. Portanto, podemos apostar em pessoas cujo discurso é diferente e que ninguém conhece. Ah, as audiências sofrem com isso, com o facto de ninguém saber quem é o académico que vem explicar coisas importantes, digamos, sobre o Islão. A solução é colocar alguém cujo rosto se multiplica em vários cantos da comunicação social, tornando-o um agente de comunicação. E, mesmo que não saiba nada sobre o Islão – que perspectiva de direita, que perspectiva de esquerda, pode existir nesta matéria não sei dizer, mas que importa muito que se saiba mais sobre o Islão não tenho a menor dúvida -, pois alguma coisa se arranjará para pontificar e fazer o contraponto, ou seja, o descascar no vizinho do lado, à esquerda, ou à direita. Do outro lado do ecrã, alguém irá dizer: este tipo é de direita/esquerda.

Perde-se muito quando se divide a realidade apenas desta forma e, acima de tudo, perde-se a possibilidade de abrir horizontes, de aprender, de formular ou reformular pensamento. E, caramba, precisamos tanto de pessoas que pensem bem, diferente, que nos empurrem para lugares melhores. Não dará audiências, mas talvez contribuísse para dar a volta ao estado do país.