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Delito de Opinião

A exclusão dos populistas

Luís Naves, 09.01.15

A exclusão da Frente Nacional de uma manifestação de unidade em França é um bom exemplo da crise de legitimidade que cresce nas democracias liberais e que, a prazo, ameaça tornar-se numa rebelião populista capaz de se transformar numa crise das próprias democracias. Embora esteja em estado de choque pelo brutal atentado de Paris, a elite política francesa parece incapaz de realizar uma simples manifestação onde participem todos os partidos. A exclusão da Frente Nacional é na realidade uma bofetada a um quarto do eleitorado. Este partido de extrema-direita ou, na sua actual versão, de populismo de direita teve 4,5 milhões de votos nas eleições europeias. Nas legislativas de 2012, ficou em terceiro lugar, com 3,5 milhões de votos, mas só elegeu 2 deputados. Muitos eleitores em França e na Europa sentem que o seu voto não conta. Embora haja grande número de jovens nestas formações populistas, a esquerda intelectual continua a dizer que se trata do passado.

 

Os populistas de direita e de esquerda estão a crescer devido aos fracasso das políticas liberais e ao aumento do desemprego e das desigualdades. Na Alemanha, onde quase não existe oposição e debate, um novo partido, Alternativa para a Alemanha (AfD), que defende a saída do euro, tem conseguido mais de 10% em eleições estaduais (12% em Brandenburgo). Em Itália, o Movimento Cinco Estrelas da esquerda populista ficou em terceiro lugar nas legislativas de 2013, com 23%, valor que conseguiu aumentar para 25% nas europeias. Em Espanha, com o Podemos, ou na Grécia, com o Syriza, os populistas de esquerda continuam a crescer nas sondagens e são possíveis candidatos à vitória em legislativas que se realizam este ano (na Grécia, dentro de duas semanas). No Reino Unido, o UKIP (que teve apenas 3% em 2010), conseguiu vencer uma eleição intercalar e surge nas sondagens com valores entre 10% e 15%. Um estudo sobre 87 círculos mostrou que este movimento populista podia vencer em seis e ficava em segundo lugar em outros 22. O UKIP está a conquistar eleitores que votavam nos conservadores, mas também a atrair votos trabalhistas. O seu impacto é uma incógnita.

 

O problema é que as elites têm um pensamento global e olham para as instituições europeias como instrumento ao serviço das suas ambições de poder, mas as populações querem apenas discutir o reforço das  comunidades e a sua segurança física e económica. É espantoso como os intelectuais continuam a não compreender que, pelo menos aos olhos do eleitorado, a imigração tem impacto no emprego, sendo este cada vez mais escasso. Nas sociedades democráticas, onde há amplas liberdades e tolerância, parte significativa da população sente que a sua voz nunca é ouvida, nem será. Estas pessoas têm alguma razão: existe tendência, nos partidos e meios de comunicação, para desprezar ou ignorar muitos eleitores, sobretudo aqueles que recusam o multiculturalismo.

O consumismo desenfreado e a indiferença aumentam esse sentimento de alienação, bem como a ausência de política, no sentido de se formar uma espécie de cartel de partidos centristas que dizem e fazem mais ou menos as mesmas coisas. O exemplo alemão é impressionante. O consenso, as falsas uniões nacionais criam uma hipnose que prolonga a grande continuidade, tornando ainda mais difícil a ruptura e a simples mudança.

Os movimentos populistas não são autoritários e querem participar no jogo democrático, atraindo o voto de pessoas que não se sentem bem representadas nos partidos tradicionais e nos meios de comunicação. O fenómeno está a crescer à direita e à esquerda, apropria-se da retórica nacionalista e reage à brutalidade do terrorismo contemporâneo com o apoio a medidas menos tolerantes. O populismo está a mudar a Europa e a sua exclusão é um erro. Aliás, o fenómeno não é apenas europeu, mas tem talvez ainda mais força na sociedade americana, onde a paralisia institucional e a ascensão de uma aristocracia constituem sérias ameaças ao futuro do Ocidente.

 

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