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Delito de Opinião

A dor da gente não sai no jornal

Pedro Correia, 19.06.17

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 Foto Miguel A. Lopes/Expresso

 

Há a impreparação, claro: muitos desses jornalistas atirados por caprichos da agenda "a cobrir o incêndio lá para as Beiras" numa redacção de Lisboa não fazem a menor ideia onde fica Pedrógão Grande. Os órgãos de informação para os quais trabalham - muitos com vínculos precários - também não fazem, nem querem saber: ao longo do ano o pobre Portugal do interior só surge na notícia quando lá ocorre uma desgraça.

Há o uso e abuso dos lugares-comuns, como é óbvio. "O ar é irrespirável"; "o cenário é indescritível"; "as chamas lavram" - não é possível encontrarem outro verbo sem recorrerem a esta pobre metáfora tão mal aplicada? Nada que admire: a exigência é cada vez menor também a este nível. Como podia ser de outra forma quando tantas chefias exercem o primado da incompetência?

Há o inevitável estrelato da profissão, que nesta fugaz incursão pelo País esquecido chega a ser obsceno ao fazer da tragédia um espectáculo para cativar audiências: ei-lo há dois dias a disparar redundâncias junto às cinzas ainda fumegantes com o mesmo alvoroço e a mesma incontinência verbal de quem cobre uma campanha política ou um "evento" social.

Mas o pior é a incapacidade revelada por tantos jornalistas de descolarem da agenda política. Muitos - felizmente não todos - estão ali mais preocupados com "a chegada a qualquer momento" do Presidente da República, do primeiro-ministro ou da ministra da Administração Interna. Indiferentes à desgraça alheia, como se deambulassem pelos Passos Perdidos do Palácio de São Bento. Oiço-os neste frenesim institucionalista e logo me vêm à memória aqueles versos da cantiga do Chico Buarque, que hoje faz 73 anos: "A dor da gente não sai no jornal".

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