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Delito de Opinião

Os prémios Nobel literários

jpt, 01.12.22

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Sobre os Prémios Nobel dividem-se as posturas do "grande público". Face aos atribuídos às ciências naturais - Física, Química, Medicina - nós-vulgo aceitamos os laureados, crendo na justeza dos critérios dos jurados especialistas e não acedemos a hipotéticos pareceres e/ou resmungos dos oficiais daqueles ofícios, publicados, se existentes, nas "revistas da especialidade". Um pouco como acontece nos "Nobel" metafóricos - Matemática, Arquitectura, Ciências Humanas, Economia, para referir os mais conhecidos -, ainda que sobre o Prémio da Economia de quando em vez se ouçam escassos ecos, devidos à celebridade prévia de algum laureado ou aos efeitos políticos que tenham tido (por exemplo, e respectivamente, Krugman e Sen).

Quanto aos outros dois verdadeiros Nobel a reacção é diversa. O Nobel da Política - dita como "Paz" para a retirar do âmbito da competência estratégica, "maquiavélica" por assim dizer, e a encaminhar para um putativo bem comum universalista - costuma levantar alguns achamentos. Mas não muitos, dado que a premiação abarca o contexto mundial e há um grande desconhecimento da política e dos agentes políticos internacionais, devido ao encarceramento geral nos telejornais generalistas (e, agora, nos podcasts que os reflectem). Para mais, o possível debate público desvanece-se pois os opinadores habituais dividem-se entre os habitantes dos sarcófagos da direita "profunda", múmias sempre avessas a quaisquer premiações benfazejas pois crentes que ressuscitarão através de um blaseísmo pomposo que julgam ser cepticismo filosófico. E os zombies esquerdistas, irredutíveis avessos a quaisquer louros atribuídos à "direita" do dr. Guillotin, o que desvanece a competência dos seus constantes ditirambos face ao evidente real.

Assim, para opinar, e livremente, sobra-nos o Nobel da Literatura, até porque todos nós, os que nos damos a ler, por pouco que seja, temos os "nossos escritores". E para isso somos competentes, pois neste "campo literário" estamos mesmo independentes da tutela dos especialistas, dos "mestres de pensamento" - é essa, aliás, a condição literária, mesmo que alguns a queiram negar. Como exemplo dessa praxis autónoma, geralmente aceite - e reclamada - lembro que quando Saramago foi premiado com o Nobel imensa gente me perguntou o que "achava" eu de tal feliz acontecimento: "porreiro" / "óptimo" respondia (consoante a cerimónia face ao interlocutor), pois que mais poderia eu dizer? E comparo com o facto de ninguém me ter questionado sobre o que tinha eu "achado" do Pritzker, quando foi atribuído a Siza Vieira e, depois, a Souto de Moura. E vou eu também assim, nessa condição de participante da "moldura humana" no estádio da Literatura mas relapso às transmissões das outras disciplinas, "técnicas": na "vitória" de Naipaul terei (quase) saído avenidas abaixo, cachecol "A Bend in the River", bandeira "In a Free State", buzinando "Mr. Biswas", gritando roufenho "Half a Life", eufórico. Enquanto no prémio outorgado a Sen - tão mais importante, até para a minha vida profissional - terei sussurrado um "boa!" e talvez um "já viste?" para a então minha mulher, também ela desenvolvimentista...

Enfim, divago pois onde quero chegar é a esta mitificação do Nobel (literário). Acabamos por crer que aquele cioso conjunto de académicos suecos, decerto que imbuídos de um persistente luteranismo evangelizador mesclado com um árctico marxismo, manso e bem-posto, atribui um definitivo pódio da arte literária, qual a medalha olímpica do salto à vara do Serguei Bubka ou a Taça Jules Rimet capturada pelos brasileiros. Não é o caso, e isso até lhes é obrigatoriedade, são os "termos de referência" que devem cumprir. Pois estão incumbidos de premiar um escritor que promova um sentimento benfazejo - um "ideário", ligado (no tal luteranismo) a um "humanismo" (no sentido vulgar do termo, um "humanitarismo" se se preferir). Missão ecuménica que, ainda por cima, nestes tempos globais - e pós-coloniais, com muita pressão "póscolonial" - deve aspergir a multiplicidade de visões e locais, ungir nos alhures que for possível. Ser global, por assim dizer. Ou seja, o prémio vale o que vale, é simpático, mima escritores - premiados ou não -, anima livrarias e editoras, comove especialistas críticos. E convida os leitores, os mais militantes e os mais relapsos. Mas, em termos literários, não é um troféu, é uma honraria - uma menção honrosa...

Quanto à qualidade intrínseca, ao "carácter absoluto" dos premiados? A Glória?! Isso foi respondido há já 70 anos: um escritor debruçava-se então sobre o pouco relevo dado - séculos passados - a Quevedo, por quem nutria ele grande admiração. E explicou esse quase esquecimento desta forma: "Para a glória, dizia eu, não é indispensável que um escritor se mostre sentimental, mas é indispensável que a sua obra, ou alguma circunstância biográfica, estimulem o patetismo. Nem a vida nem a arte de Quevedo, reflecti, se prestam a essas ternas hipérboles cuja repetição é a glória....".

Desprovido desse patetismo, ou dos meneios próprios de a este promover, também a esse escritor não foi atribuído o Nobel, ainda que isso fosse habitual aventar. Tanto assim que acabou por concluir que "No darme el Premio Nobel se ha convertido ya en una antigua tradición escandinava. Cada año me nominan para el premio y se lo dan a otro. Ya todo eso es una especie de rito."

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (65)

João André, 21.11.22

1982, Prémio Nobel da Literatura

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Gabriel García Márquez, «pelos seus romances e contos, nos quais o fantástico e a realidade são combinados num rico mundo compósito e imagnário, reflectindo a vida e conflitos e um continente».  

Foi um dos grandes autores da minha vida, daqueles que me agarraram do início e nunca me largaram. Cen Anos de Solidão continua a ser o meu livro preferido dele, embora O Outono do Patriarca ou O Amor nos Tempos de Cólera sejam talvez obras superiores. Ainda hoje regresso a ele a espaços e não é por acaso que foi nele que fui encontrar a minha inspiração para esta série de posts (a que tenho de voltar um dia).