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Delito de Opinião

A moscambilha

Sérgio de Almeida Correia, 18.09.09

Quando em 23 de Agosto escrevi isto, não me passava pela cabeça que a coisa fosse descambar até este ponto e com honras destas. Tinha as minhas suspeitas em função dos factos conhecidos e da minha experiência, nada mais. Aquilo que hoje o DN revela, depois do que o Público publicou no passado dia 13 de Setembro pela pena do seu provedor, é sintoma de um estado de podridão e putrefacção (e não de “asfixia democrática”) que só pode preocupar todos os que genuinamente se preocupam com a qualidade da democracia e o prestígio das instituições do Estado português. Se é verdade que José Sócrates fez no Congresso do PS e numa entrevista à RTP um ataque escusado à TVI por causa de Manuela Moura Guedes, não é menos certo que assume contornos bem mais graves o papel e a intervenção de Fernando Lima e da assessoria de imprensa de Belém no processo de imolação politica, profissional e de carácter de um banal e secundaríssimo assessor do primeiro-ministro, visando gerar um conflito institucional que prejudicasse eleitoralmente José Sócrates e o PS e do qual o Presidente da República  obtivesse dividendos políticos junto dos portugueses incautos. Ao mesmo tempo, dava-se uma mãozinha a Manuela Ferreira Leite. A gravidade dos documentos a que o DN teve acesso e que hoje publicou, demonstra bem que a garganta funda está em Belém e no gabinete do próprio Cavaco Silva. E que se há pressões sobre a comunicação social, a Presidência da República é parte activa nessas pressões. Já se percebeu que o e-mail existiu, que a conversa de Fernando Lima com o editor do Público também e que o silêncio de Tolentino da Nóbrega é demasiado comprometedor para a Presidência da República. José Manuel Fernandes confirma a existência da comunicação e que apenas uma parte do respectivo conteúdo terá sido forjada. Já agora importa que JM Fernandes diga que parte foi forjada, ou partes, para que todos saibamos até onde foi a moscambilha de Belém. Também não me custa aceitar que o e-mail publicado possa não ser integralmente verídico, já que há erros de ortografia que me parecem pouco consentâneos com Luciano Alvarez, e pese embora a pouca elaboração da escrita por correio electrónico. Contudo, isso é o que neste momento menos importa. Aquilo que o DN publicou volta a colocar, indirectamente, o dedo numa ferida gangrenada da nossa democracia: o pessoal político que enxameia os gabinetes e as secretarias é na generalidade mau e mal formado. Cavaco Silva, tal como aconteceu há mais de uma década e meia atrás, hipoteca desta forma as hipóteses da sua reeleição presidencial, manchando o seu mandato, tal como acontecera com Rocha Vieira em Macau, por culpa da gente de quem se rodeia e que protege. Afinal, a mesma gente que provocou a derrota do PSD em 1995, toldando o ar e adensando o ambiente de forma insuportável durante meses, que depois se reencontrou no BPN e nos governos de Durão Barroso e Santana Lopes, e que agora em Belém convoca jornalistas para almoços sugerindo-lhes a publicação de notícias e procurando manipular a comunicação social mais influente. Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa deviam preocupar-se com isto, tanto mais que alguns dos ataques mais duros contra José Sócrates e o PS também partiram do Público. A ERC também deverá ter alguma coisa a dizer. Não basta afirmar, de forma tão fantasiosa quanto ingénua, que tudo isto é obra de uns inimputáveis e sofríveis Serviços de Informações. Tudo isto exige um esclarecimento sério e cabal de Cavaco Silva, algo mais do que as graçolas desajeitadas com que por vezes responde aos jornalistas entre visitas oficiais. A democracia portuguesa e as instituições não podem ficar reféns dos assessores de Belém ou de São Bento que se movimentam pela calada com a conivência, a protecção e, nalguns casos, admitamos, com o desconhecimento dos seus chefes. E se há alguma lição a tirar de toda esta chavasquice que infecta a nossa democracia e degrada o ambiente eleitoral, é que é bem mais preferível ter uma dúzia de assessores desajeitados e inconvenientes que todos sabem quem são e até onde podem chegar, mesmo com a ajuda da Maçonaria, do que um tipo sinistro que dirige jornais e jornalistas na sombra a partir de gabinetes do Palácio de Belém, visando, por métodos ínvios e com o assentimento silencioso do Presidente da República, o afastamento político de governantes eleitos democraticamente e a intervenção descarada num acto eleitoral. Macau foi, de facto, uma grande escola para muita gente.

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