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Delito de Opinião

Uma choldra cheia de moscas

Sérgio de Almeida Correia, 03.07.09

O João Carvalho já fez o favor de aqui chamar a atenção para o baixo nível da retórica parlamentar que todo o país vai tendo o desconforto de acompanhar. Evidentemente que o gesto de Manuel Pinho faz parte dessa retórica e está ao nível da mediocridade da grande maioria da nossa classe política. Se dermos alguma atenção aos ministros e secretários de Estado - já não vou aos primeiros-ministros - verificaremos que muitos deles não teriam sequer categoria para directores-gerais ou chefes de gabinete. O problema está em que muitos dos que alegremente se exibem em São Bento não sabem português, não têm a mínima noção da importância do desempenho parlamentar, limitam-se a obedecer às directrizes dos respectivos partidos para garantirem um lugar na mesa dos comensais, não têm maneiras e nem vestir sabem. Em suma, desconhecem a existência de códigos e de regras, não distinguem o público do privado, não tiveram a sorte de receber uma educação adequada. Não a receberam dos pais, não a receberam do Estado, não a receberam do partido. As graçolas ordinárias e os insultos pela calada são apenas um sinal desse estado de coisas, do mau gosto, da ordinarice, da piada brejeira e despropositada. Ainda ontem, e o problema vai muito mais para lá do "Vossa Excelência" e do uso de formas de tratamento mais ou menos formais, a senhora deputada Heloísa Apolónia, que completa a sua 4ª legislatura embora os portugueses ainda estejam para perceber como foi ela lá parar, dizia que os portugueses andam "chateados" com o primeiro-ministro. Chateados? Essa senhora deputada, que refiro apenas a título de exemplo, como ainda ontem se viu pela indumentária de flausina que exibiu, vai para a Assembleia da República sem que os portugueses percebam se ela veio da praia ou se irá para a praia quando acabar a sessão parlamentar. Se um deputado não percebe uma coisa tão básica como isto quando se apresenta no parlamento, tão básica como saber comer, como é que depois se poderá exigir-se-lhes que saibam falar, que moderem o palavreado ou que percebam a diferença entre termos como "chateado",  "incomodado" ou "aborrecido" e as ocasiões e circunstâncias em que determinado estilo de linguagem pode ser utilizado? Bem sei que também uma ex-deputada do Bloco de Esquerda não percebia essas diferenças, como o jornalista Luís Baila também demonstrava não saber nos exuberantes comentários televisivos que fazia ou como se ouve todas as tardes num programa desportivo do Rádio Clube Português. Mas estes não têm as mesmas responsabilidades. É certo que alguns deputados assumem modos de carroceiro, que outros há que não sabem conjugar o verbo "intervir" e que o presidente do Governo Regional da Madeira se referia a um ex-primeiro-ministro e actual Presidente da República como o "Sr. Silva", certamente confundindo-o com o jardineiro da Quinta da Vigia. E eu pergunto: e isso serve de justificação para o que se vê na Assembleia? É claro que não serve. Mas é óbvio que enquanto houver quem ache piada a este tipo de discurso e o aplauda, como se viu com o fraternal acolhimento que Macário Correia e o PSD/Algarve dispensaram a Alberto João Jardim, dificilmente alguma coisa mudará. As moscas são persistentes. A diferença está em que enquanto alguns não as suportam e por isso acabam por deixar a política, outros habituam-se a elas. O exemplo de Barack Obama ainda cá não chegou.

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