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Delito de Opinião

No Estádio da Nação

João Carvalho, 03.07.09

ISTO...

12 de Fevereiro — Ainda há pouco tempo, tive ocasião de assinalar a chamada de atenção que o presidente da Assembleia da República fez a um secretário de Estado, quando este se dirigiu aos deputados tratando-os por «vocês». Esteve bem Jaime Gama, ao ensinar o tal secretário de Estado a portar-se com educação e respeito naquele órgão de soberania.

Ontem, de novo com o Governo presente no Parlamento, na sequência de uma cena acalorada entre Paulo Rangel e José Sócrates, ouviu-se alguém gritar: «Palhaço!» Pelas imagens, a intempestiva interjeição (?) pareceu partir de um deputado, pareceu saída de quem estava ao lado de Rangel e pareceu dirigida a Sócrates. Foi bem sonora e não constituiu um bom exemplo da elevação que devia caracterizar o hemiciclo. Jaime Gama deixou passar aquilo em claro, o que também não foi um bom exemplo.

O caso dá que pensar. Entre os habituais protagonistas das discussões mais acaloradas (membros de órgãos de soberania que até cultivam um linguajar apropriado), veja-se como José Sócrates, Paulo Rangel, Francisco Louçã, Paulo Portas, etc., se tratam entre si e se dirigem aos demais parlamentares e membros do governo: «é da sua competência», «cabe-lhe a si», «chamo a sua atenção», «fiz-lhe uma pergunta» e por aí fora.

Há tempos, este tratamento era impensável. Dizia-se: «é da competência de Vossa Excelência», «cabe a Vossa Excelência», «chamo a atenção de Vossa Excelência», «fiz uma pergunta a Vossa Excelência», etc., o que contribuía para um trato elevado, por mais aceso que fosse o tom da discórdia.

É mais ou menos como termos uma gravura pouco vistosa, mas razoavelmente interessante, ou talvez só uma mera reprodução que nos agrada, e decidirmos torná-la mais vistosa através de uma boa moldura. O resultado satisfaz o objectivo, que é valorizá-la e dignificá-la.

Ora, a crescente ligeireza no trato, ao invés de valorizar o confronto e dignificar o lugar, tem o resultado deplorável que se vê. Primeiro, dispensa-se a gravata; depois, vai-se discursar na tribuna em camisolinha de algodão de gola em colar e sem camisa por baixo; finalmente, passa-se à linguagem brejeira, à gíria e (quem sabe?) ao calão. Como se a vida em sociedade não tivesse regras e como se estar na Assembleia da República fosse o mesmo que ir comer uma sardinhada no tasco ali ao lado do mercado.

É grave não usar gravata? Sei lá se é grave. Grave é a camisa aberta e o que se lhe segue. Se a camisa 'à padre' sem colarinho e fechada em cima ou a camisola de gola alta não servem, como farão os da postura inadequada perante uma recepção em traje de noite, por exemplo? Imagino: «A esta palhaçada não vou! Cambada de palhaços!»

Palhaços? Talvez, sim. A juntar aos malabaristas, acrobatas e contorcionistas da nossa política. Se querem que o hemiciclo seja um circo, acho que já faltou mais...

... E ISTO...

22 de Maio —  Ainda ontem Jaime Gama teve de repetir uma chamada de atenção na sessão plenária com o governo. O presidente da Assembleia da República precisou de conter o ministro Manuel Pinho, que insistia em dirigir-se aos parlamentares tratando-os por «vocês». Cada vez mais elegantes, os nossos políticos.

Longe vai o tempo em que todos se tratavam por "Vossa Excelência" no hemiciclo, o que até servia para elevar os momentos mais acesos dos debates. De "Vossas Excelências" a "vocês" foi um percurso à TGV, sem paragem na estação dos "Senhores". Eles lá saberão porquê. Ou nem sabem, mas está-lhes no subconsciente.

... JÁ DEU ISTO

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(Com a preciosa colaboração do João Severino)

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