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Delito de Opinião

To Catch a Thief

jpt, 17.09.13

 

Sumptuoso, a caminhar para o eterno, esse provisório "eterno" que se pode afirmar, o "To catch a thief" de Hitchcock. Não é um primado de suspense, talvez por nem tanta a sua entoação, ou talvez apenas porque tantas décadas passadas encontra espectadores que já calcorrearam os trilhos do "mistério" que este mestre, e alguns outros, abriram. E, pois assim veteranos, já pouco atreitos a surpresas. As pistas estão lá para se antecipar o desfecho, que nem é o mais importante, que o argumento da acção nem será muito burilado. Pois a trama é mesmo o que se vai passando, o rio de fotogramas. Paisagens belíssimas - a inicial perseguição de automóvel é deliciosa; um Cary Grant muito em forma, bem apessoado e melhor vestido. Secundários de luxo (a proto-sogra Jessie Royce Landis, o totalmente britânico John Williams - haverá fisionomia mais estereotipada?). E, muito para além do deslumbrante, Grace Kelly, arquétipo, ideal-tipo, o que se quiser ... Alguns diálogos são sublimes, uma ironia, nos implícitos quase explícitos.

 

 

A trama é conhecida. John Robie (Cary Grant) é um ex-presidiário. Ladrão de jóias em França, cumpriu pena, e fugiu durante a guerra acompanhando um grupo de ladrões nacionais. Entraram na "resistência", nisso ganharam o perdão (ou, melhor, a liberdade condicional). Robie tornou-se até "herói" (pelo menos na imprensa americana). Vive elegantemente criando "flores e uvas" (fruindo os frutos dos velhos roubos?) na companhia de uma valente "governanta", antiga "companheira de estrada". De súbito, quinze anos depois da sua prisão, regressam os roubos de jóias, usando a sua metodologia, fazendo recair as suspeitas e a ameaça de prisão sobre todo o velho "gang". Leal, a primeira acção de Robie, já fugitivo, é procurar os velhos companheiros, todos acoitados num restaurante da Riviera, numa pré-reforma, para lhes afiançar a sua inocência. Mal recebido, com desconfiança. Com imputações de deslealdade.

 

Depois é o romance com a endiabrada Grace Kelly, polvilhado com a caça ao verdadeiro ladrão, forma de se inocentar (e, também, de salvaguardar os velhos companheiros). Na osmose com a mãe e a filha Stevens, Robie demonstra-se como é. Um americano em França - mas não daqueles finórios dos anos 20 moldados por Fitzgerald ou Hemingway. Burilado pelo bom gosto, adquirido por via dos lucros obtidos (como deliciosamente afirma ao britânico Hughson), que capeia o antigo trapezista de circo falido. Mas, como lhe diz Kelly, já não genuíno, dado que "não fala como um americano", outros assuntos e entoações. Num elegante in-between.

 

Por isso tão amargo, também, é o final, apesar de toda a ironia bem-disposta (aquelas violações dos ovos estrelados ...). Agridoce, melhor dizendo, pois que amargura se poderá reclamar diante da apoteose final de Cary Grant, conjugalmente acolhendo na sua belíssima "villa" a divina Grace Kelly, ainda para mais herdeira de "20 milhões de barris de petróleo".? Mas é, também, um ensaio sobre o ser estrangeiro, a incontornável alteridade. Melhor do que qualquer texto de antropologia, muito mais do que uma conversa de mais-velho.

 

E, talvez, apenas especulo, também Hitchcock nos EUA. Terá sido?

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