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Delito de Opinião

Desculpa, Pátria minha…

Gui Abreu de Lima, 04.12.12

Há dois anos o patrão deixou de pagar os ordenados, depois simulou um esquema laboral a partir de casa, mas abandonou os empregados. Foram 7 meses e muitas horas na loja do cidadão até que a Autoridade para as Condições do Trabalho desencravasse a esmola de que agora vivo - o Subsídio de Desemprego.

Tenho 44 anos, trabalhei 24 com os devidos descontos de todas as partes, fui recibo verde por dois anos para ajudar a empresa, nunca pedi uma baixa e auferi de duas licenças de parto com um intervalo de 4 anos. Esqueci os 10 mil euros de ordenados em atraso e a indemnização por direito. A lei não me salvou das tropelias do patronato, os 1600 euros que trazia para casa todos os meses emagreceram para 1400 através de um layoff não oficializado, em 2009, e tudo se resolveu com 970 euros de um subsídio, que a partir de Janeiro será taxado em 6%, numa subtracção de quase 60 euros mensais.

As contas são cada vez mais simples: dos 970 euros, 500 vão para a renda de casa. O resto divide-se entre o Pingo Doce, a Epal, a EDP, a Repsol e a cantina da escola. A pensão de alimentos, quando a vejo, cobre as coisitas que os rapazes sabem que não posso dar - carregamentos de telefone, cordas de guitarra, uns cinemas, gomas e chocolates. Roupa, angario em segunda mão, até por questões ecológicas. Prejudiquei a mulher-a-dias, prescindi dela, pouco circulo de carro, e o meu luxo envergonhado é tabaco e mortalhas.

Tromba alegre, fumando, cá ando, num Estado de Direito que deixa todo o malandro à tona e me afoga em impostos, multas diversas, repescadas em remotos anos, sobre veículos que já nem circulam mas foram meus, mais uma scut de 4 euros que quis pagar em 2010 e não consegui porque o sistema é esquisito e a empresa das portagens não responde aos meus apelos de socorro, preferindo avolumar a conta em cada cobrança, tudo bem argumentado com o disposto em números e alíneas de artigos de Códigos jurídicos e decretos-lei de todas as idades, que não descuram a ameaça de justiça em tribunal.

Cá ando, sempre de tromba alegre, sim, calando a úlcera que agora não se dá com jejuns, esperando o jurito de trocos poupados aos bochechos, cujo um quarto da soma é retido pelo Estado, sempre sobre o mesmo dinheiro, coitado, já com raízes nos cofres do Banif, que esse Estado parece controlar e ansiar mais do que eu. Eu, contribuinte exemplar, sem baldas ao IRS, nem atrasos nas entregas à Segurança Social. Eu, fiel depositária durante 3 meses do dinheiro público, multiplicado sem tiros na Bolsa, seguras aplicações de um euro, euro e vinte… por trimestre, o IVA saldava-me duas bicas, vá.

2013, é um consolo. Não farei declaração de IRS. Nada me será devolvido, só cobrado. O IMI perfila-se e quem sabe os 10 anos de isenção tenham sido engano e a conta venha junta e atacada. O subsídio, é provável que acabe antes do prazo legal, que as regras mudam. A barraca, vou, pois, avisar o banco que se agarre a ela. Os rapazes, simpáticos e em boa idade, talvez aceitem nas tardes livres tocar na Baixa, para ajudar ao panquê. Trabalho, é uma miragem, até na mais velha profissão do mundo. E eu, querida Pátria, vou falir, mas é de pé e de tromba erguida.

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