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Delito de Opinião

Sair do Euro? Jamé...

Rui Rocha, 02.10.12

É bem possível que o Jaa tenha razão. Mas tem-na antes de tempo. E ter razão antes de tempo é não ter razão. A solução final pode, de facto, vir a ser a saída do Euro. Mas não é indiferente o momento e a forma como isso se faz.

 

Vejamos então. Portugal tem hoje uma dívida externa bruta de mais de 250% do PIB e uma dívida externa líquida que se prepara para ultrapassar os 120%. Entretanto, com essa dívida predominantemente denominada em Euro, uma desvalorização do novo Escudo (a propósito, proponho que a nova moeda se chame Sócrates, porque a memória é curta e convém não esquecer) que seria sempre na ordem dos 30% (ou dos 40%), teria como consequência imediata que esta disparasse para valores astronómicos e absolutamente insustentáveis.

 

Por outro lado, na perspectiva das famílias e das empresas o tempo não é um factor indiferente. Os últimos indicadores demontram que o consumo privado diminuiu mais do que proporcionalmente à queda do rendimento e que a poupança aumentou de forma significativa. Isto é, os portugueses estão a fazer um esforço de ajustamento sério. A actual situação representa pois uma oportunidade de adaptação a uma realidade dura. Prolongá-la na medida do possível é comprar tempo para que as pessoas se ajustem a um novo perfil de consumo muito mais austero de uma forma, apesar de tudo, gradual. Entretanto, pode acontecer que consigam pagar as prestações do automóvel. E do frigorífico, e do LCD e das férias de sonho em Cancun. Ou que encontrem emprego lá fora. E quando o céu lhes cair definitivamente em cima da cabeça o impacto será severo, mas poderá já não ser mortal.

 

Da mesma maneira, as empresas, com todas as dificuldades, estão a dar respostas positivas no contexto extremamente exigente e competitivo da moeda única. Conscientes de que o mercado interno trará péssimas notícias nos próximos anos, é fundamental comprar-lhes tempo para acentuarem o seu perfil exportador, procurarem novos mercados, reflectirem e colocarem em prática novas estratégias que não poderão passar por vender em Portugal. Sair agora do Euro seria sair cedo de mais, impedindo empresas e particulares de aprofundarem um esforço de ajustamento que já iniciaram.

 

E se o tempo em que se faz a saída é importante, o modo não é menos. Portugal não pode voltar ao Escudo com o nível actual de dívida. O endividamento nacional tem de ser diminuído. Para isso, para além do esforço de particulares e empresas, era necessário o contributo do Estado. Através de um programa sério de racionalização da sua estrutura e da sua actividade. É por isso que nos últimos tempos me tenho manifestado de forma dura e impaciente com o governo de Passos Coelho. Porque o governo não está a fazer a sua parte. O problema fundamental das contas públicas relativas ao 1º semestre de 2012 não é a diminuição da receita e a parte da despesa que diz respeito a juros, pois isso era razoavelmente previsível. A questão está no facto, por exemplo, de os consumos intermédios continuarem a aumentar. Entretanto, era fundamental que o Governo fizesse a sua parte antes da saída do Euro e não depois. Porquê? Pois porque o esforço de redução da dívida, por si só, dará escasso resultado. Mas trará uma credibilidade que permitirá negociar um haircut de dimensão bem razoável que tornará viável uma saída controlada do Euro.

 

Por isso, a melhor posição é a de comprar tempo. Permitindo ao sector público e ao sector privado que se ajustem de forma decidida, mas faseada, exigindo naturalmente que todos façam a sua parte de forma séria e empenhada. Devemos dizer, portanto, tal como Mário Lino fez em relação ao aeroporto, que sair do Euro, jamé, sabendo de antemão que essa é uma possibilidade séria e que todo o nosso esforço deve ser orientado para que, se não houver alternativa, não aconteça de forma desordenada.  É claro que tempo é dinheiro e que o dinheiro paga juros. E que os juros aumentam a dívida. Mas, relativamente a esse ponto, creio que já vos referi a necessidade de um belo corte de cabelo... No fundo, e concluindo, o caminho que ainda nos pode levar a permanecer no Euro é, em boa medida, também aquele que melhor nos prepara para sair dele.

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