Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

N de nada

Teresa Ribeiro, 27.09.12

É preciso manter o foco. N sabe-o, mas os dedinhos dos neurónios estão sempre a puxá-la para baixo. Tempos houve em que se via como uma mulher de sucesso, eficiente no trabalho e despachada na cama. Agora envergonha-se das baixas sucessivas e para escapar a indagações isola-se. Já correu metade dos psiquiatras da praça, mas para aquela tristeza funda não há cura.

A escassez de serotonina no sistema nervoso central está para o seu humor, como uma fractura num pé para uma bailarina. Ambas as situações são incapacitantes, mas ao contrário da bailarina que contará com a simpatia e compreensão dos outros, no seu caso o padecimento será fonte de desconfiança até para si própria. 

Às vezes N repete os sintomas da depressão como um mantra em que se embala para combater a insónia, noutras ocasiões parte-se em duas e cita-os de si para si para apaziguar a sua permanente sensação de culpa. Esta actual cultura do faça-se você mesmo dificulta-lhe ainda mais as possibilidades de recuperação.O paleio dos gurus da psicologia positiva, as entrevistas das figuras públicas nas revistas, fotografadas em shorts proactivos e decotes desafiantes a dizer em Ariel "A felicidade constrói-se", confirmam-na como uma inútil, incapaz de reagir.

Quando se pode atribuir à depressão uma causa concreta é mais fácil combatê-la, mas a tristeza dela é endógena. Aprendeu-a em pequena ou até antes. Provavelmente já lhe vem no sangue, um orh tristíssimo que um dia expurgou a N colorida e bem sucedida.

Na vida ficcional de todos os dias N não tem lugar. No emprego hostilizam-na. A família e até alguns médicos olham-na de esguelha, os amigos desmobilizaram. Só nas estatísticas e nas notícias de jornal N faz sentido.

10 comentários

Comentar post