Meia-desfeita à portuguesa
Almoçámos em Amares. O restaurante é um velho conhecido. Sem pretensões e com preço a condizer. Durante um par de anos, foram-nos apetecendo outras baixelas. Agora, que temos um futuro glorioso perdido algures no passado, impõe-se o regresso a porto seguro. Pronto, porra. A uma conta que não se aproxime dos três dígitos. Estivéssemos em 2009 e as duas salas apresentar-se-iam, num Domingo, a rebentar pelas costuras. Reencontramo-lo com uma delas fechada e a outra meia-cheia. Isto digo eu. Cliente exigente, ambiciono o mínimo preço, a máxima qualidade e o proporcional recato. Mas, se por um momento abandonasse o estreito caminho dos egoísticos interesses e, por humana empatia, me colocasse na posição do prestável proprietário, logo concluiría, vendo tal e qual como vêem os seus olhos que a terra há de comer, que a dita estava meia-vazia. Sente-se então connosco, leitor, como se lá estivesse estado. E partilhe a nossa refeição. Pegue num rojãozinho de entrada, vá. Mas, proteja-se do pingo de gordura. Se vir que tal, previna-se com um guardanapo de pano entalado entre o pescoço e o colarinho. Vá saboreando, enquanto ouvimos involuntariamente a conversa do amável estalajadeiro com os comensais da mesa ao lado. Que noutros tempos é que era. Que teve até de construir um estacionamento descomunal para poder aparcar os autocarros. E tantos eram. E traziam fregueses aqui conduzidos pelas juntas de freguesia. Com refeiçõezinhas pagas em cheque visado pelos nossos impostos. E assinado pelo Sr. Presidente da Junta, assim chamado porque, entre outras coisas, ali juntava muita gente. Dias com facturação de mais de 40.000 euros e o diabo a sete. Com as suas chatices, é certo. Como foi o caso de uma dolorosa pranchada do fisco. Que se soubesse o que sabe hoje em lugar de desviar tanto, muito mais teria desviado. Pois se a pranchada veio na mesma... Que agora há que aguentar. Que bom ano e muitas propriedades. Que igualmente e coisas assim. Permita-me, leitor, agora que as despedidas ali ao lado já se fazem, que o traga de volta à nossa mesa. Não terá reparado, mas entretanto chegou o bacalhau. Neste caso, à Braga. Sendo que ali ao lado, como pôde constatar, se serviu outro prato típico. A meia-desfeita. À portuguesa. Agora, todavia, esqueça-se disso. Concentre-se no que temos na travessa. Não vá engasgar-se com alguma espinha ou calhar-lhe a parte da badana.