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Delito de Opinião

Pontos nos is (3)

João Carvalho, 22.11.11

CHOURIÇOS

Estou farto de ouvir dizer cobras-e-lagartos de João Duque e do relatório da comissão que liderou sobre o futuro da RTP. Dizem os opinadores correntes que ele nada sabe de televisão, que as conclusões constituem uma aberração e que o serviço público televisivo deve ser garantido pelo Estado. Ora, como eu também sou parte do Estado, nada mais razoável do que pedir licença para apontar o que penso sobre o assunto. Divido o apontamento nos mesmos três pontos que tanto andam a excitar os comentadores do costume: o que João Duque e a comissão ad hoc sabem de televisão, as consequências do relatório e o papel da RTP.

 

Primeiro, manifesto já o meu enorme espanto por haver tanta gente a achincalhar João Duque. Como é que um tão grande número de iluminados pode acusá-lo de nada saber de televisão, é para mim um mistério. Pois se há tantos a saber tanto sobre televisão ao ponto de tentarem desmontar todo o trabalho realizado, se até é uma característica bem portuguesa todos nós termos uma opinião a emitir sobre tudo, faz algum sentido deixar de fora João Duque? Não faz. Só por preconceito, o que retira imediatamente qualquer valor aos que andam a perorar.

Depois, há que reconhecer um aspecto que ainda não vi focado: ao contrário dos hábitos que nos são mais familiares, a comissão foi célere. Não andou a perder tempo ou a enrolar uma meada sem fim. Foi nomeada, trabalhou como lhe competia, registou o que entendeu e despediu-se. Num ápice, honra lhe seja feita. Concluiu bem ou mal? Na verdade, para se ser justo é preciso que se diga que nem concluiu de facto, porque a última palavra pertence ao poder político. O que a comissão (que integrou nomes reconhecidamente sabedores de televisão, sublinhe-se) fez foi analisar a realidade e acordar numa saída para uma situação claramente insustentável. Cabe ao poder político aceitar ou recusar o trabalho e decidir com a legitimidade obtida recentemente em eleições.

Em terceiro lugar, o serviço público que se esperaria da RTP (usando o exemplo inevitável do canal principal em sinal aberto) está muito, muito longe dos mínimos desejáveis. Ora porque se cola à programação das televisões privadas com o olho nas audiências, ora porque não se cola e não sabe o que há-de fazer além de encher chouriços — chouriços que ficam pela hora da morte, mais caros que as morcelas gourmet da mesa do rei — o certo é que andamos todos a pagar ordenados principescos que seriam obscenos mesmo que fossem entregues aos melhores profissionais do mundo. Convém lembrar ainda que o número de pessoas da RTP, incluindo os que ganham sem trabalhar nem encher chouriços, corre o risco de ultrapassar o dos funcionários da Administração pública.

 

Para terminar, já que nenhum daqueles opinadores habituais o referiu, deixem-me que lembre que o presidente da RTP foi recentemente à Assembleia da República explicar perante os deputados de uma comissão os seus pontos de vista. Disse ele, em resumo, que a RTP é quase fantástica, mas que até consegue fazer melhores enchidos com menos gorduras. Fazer mais com menos? É isso? E ninguem lhe pergunta porque é que não fez? Palpita-me que João Duque seria incapaz de reconhecer que andava a fazer menos com mais. Seguramente, por não ter o perfil dos que sabem imenso de chouriços e de televisão. Ainda bem.

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