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Delito de Opinião

Cortar salários, despedir ou aumentar impostos?

Rui Rocha, 17.10.11

O editorial de Pedro Santos Guerreiro publicado hoje no Jornal de Negócios é bem o exemplo da desorientação em que estamos. Mesmo os mais lúcidos de entre nós tendem a acordar cada vez mais baralhados. Antes de mais, convém salientar que PSG não questiona a necessidade de assegurar o resultado das medidas: Não havia alternativa a medidas com este alcance.

 

Para além disso, PSG reconhece a necessidade de diminuir o número de funcionários públicos: Seria estrategicamente melhor para o Estado ter feito um despedimento do que este corte cego. Os custos sociais, no entanto, seriam impraticáveis, tendo em conta o desemprego.

 

Todavia, aqui chegado, PSG discorda do caminho adoptado no Orçamento de Estado para 2012. Melhor seria, diz, que em lugar de cortar a remuneração dos funcionários públicos, se tivesse optado por um imposto extraordinário sobre o rendimento e o património. Isto porque os cortes na função pública terão uma consequência nefasta: os melhores tenderão a trocar o sector público pelo sector privado ficando no Estado apenas a "má administração", integrada pelos funcionários improdutivos. Esses que, apesar de poderem até ter remunerações mais baixas, são comparativamente mais caros precisamente por serem improdutivos. 

 

Há, porém, alguns pressupostos da tese de PSG que carecem de demonstração:

a) o facto de se aumentarem taxas de imposto não implica aumento da receita por muitas e variadas razões. Uma delas chama-se evasão. Uma imoralidade, é certo. Mas, tão real quanto o facto de à vida se seguir, mais tarde, ou mais cedo, a morte. Por isso, uma actuação por via fiscal nunca poderia assegurar o mesmo grau de certeza na concretização do défice que está implícito na redução da despesa. Poderíamos correr esse risco? Não me parece.

b) PSG dá por provado que se assistirá à fuga da "administração boa". Ora, salvo melhor opinião, isso acontecerá apenas em casos pontuais. O sector privado (a parte dele que conseguir sobreviver) reagirá ao contexto com reduções de quadro e das remunerações médias. É preciso não esquecer que no privado uma parte substancial da remuneração tem natureza variável. Está indexada a objectivos. Não é preciso ser muito clarividente para perceber o que irá acontecer-lhe num contexto de crise e de recessão. Isto é, também no privado se assistirá a um ajustamento em baixa das remunerações. Se não me engano, a "administração boa" terá pouco para onde fugir.

c) o argumento clássico da segurança no emprego que PSG desvaloriza: sim, o emprego público inclui ainda, na maior parte das situações, uma promessa de trabalho para a vida. Na actual situação, será necessária alguma ousadia para trocar isso por uma qualquer miragem privada. A "administração boa" terá, apesar de tudo, pouca vontade de fugir.

 

Em resumo, a proposta de PSG teria como consequência pôr a cargo da sociedade no seu conjunto aquilo que o Estado não pode pagar, distorcendo, uma vez mais, os mecanismos do mercado de trabalho e pondo em causa objectivos essenciais das finanças públicas. Em consequência, digo que mais impostos para isso, não obrigado. De útil do artigo de PSG ficam então um diagnóstico correcto, uma ou outra frase que, retirada do contexto, servirá de slogan à indignação dos funcionários públicos e o respectivo link no Câmara Corporativa.

 

Há, todavia, um ponto em que PSG tem razão. A redução da despesa por via do corte dos salários dos funcionários públicos será completamente imoral se fizer retardar um segundo que seja outras reformas estruturais do Estado. E acrescento que essa imoralidade será ainda mais grave se certos monopólios, mordomias e gastos supérfluos construídos à sombra do Estado se mantiverem.

3 comentários

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    Sílvia 17.10.2011

    Está solidário com funcionários que ganham 1.000€, o valor a partir do qual o corte é total, ou o valor de 655€ que implica um corte, salvo erro de um subsídio. Se considera que são valores agradáveis, que prescindem facilmente de direitos sociais em prol do Bem COMUM e da cobertura de simplórias despesas como as decorrentes da "barracada" do BPN, dos directores com vencimentos milionários no sector empresarial público, da surpresa da Madeira e afins, vejo em si um hipotético e feliz contribuidor funcionário público, que direccionaria/direcciona com suave alegria seus subsídios para o atenuar da grave crise. Cultiva uma cidadania exemplar.

    As grandes medidas no sector público, e impor-se-iam várias e de grande monta, não se situam ao nível do corte de subsídios; esta será porém a mais fácil e popular, garantindo uma base de apoio alargada.
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    Rui Rocha 17.10.2011

    Sílvia,

    1 - O texto de PSG, ao qual me reporto, coloca três possibilidades para cumprir o défice com que nos comprometemos: cortar salários, despedir, aumentar os impostos. É nesse contexto que digo que mais impostos não obrigado (aliás, como hoje ficará claro, os impostos já vão subir e não é pouco com o novo OE).
    2 - Merecem tanta solidariedade os casos que cita como as pessoas que vão para o desemprego no público ou no privado. Ou como com aquelas que estão desempregadas quando pessoas menos competentes estão empregadas apenas porque têm uma garantia vitalícia de emprego.
    3 - Concordo com tudo o que refere quanto a medidas indispensáveis no sector público. Refiro-as genericamente no último parágrafo do texto. A Leonor ali mais acima linka um texto do JESeverino que apresenta uma excelente lista de sugestões.
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