A SOMBRA DO CAÇADOR:
A ÁRVORE E OS FRUTOS
Eis uma daquelas películas que nunca nos cansamos de ver. Único título de um cineasta singular que não voltou a sentar-se na cadeira de realizador - o actor britânico Charles Laughton, que em 1955 rodou esta obra-prima insólita e arrebatadora, longa toada nocturna, mais poesia que prosa, cruzamento do expressionismo alemão com cinema negro, de conto de fadas com romance gótico. É uma fita hipnótica, com um cortejo de actores em estado de graça. Incluindo Robert Mitchum na perfeita encarnação do Mal e Lillian Gish - que foi a primeira estrela do cinema - a servir-lhe de contraponto.
Há um sopro bíblico neste singular filme para adultos onde as crianças desempenham um papel central, numa espécie de celebração do triunfo da inocência. Com alusões ao Sermão da Montanha, talvez o mais belo texto de toda a Bíblia.
"Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. Conhecê-los-eis pelos seus frutos. A árvore boa não pode dar maus frutos, nem árvore má dar bons frutos." Este trecho do Evangelho de São Mateus serve de legenda implícita a um filme de óbvia matriz cristã que se indigna contra quem pratica crimes em nome de Deus. De uma perene actualidade num tempo cheio de implacáveis predadores travestidos de arautos da virtude.
A Sombra do Caçador perdura-nos na memória também por isto.
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A Sombra do Caçador (The Night of the Hunter, 1955). Realizador: Charles Laughton. Principais intérpretes: Robert Mitchum, Lillian Gish, Shelley Winters, Billy Chapin, Sally Ann Bruce, Peter Graves.